Acórdão Nº 5005215-79.2021.8.24.0004 do Segunda Câmara Criminal, 09-11-2021

Número do processo5005215-79.2021.8.24.0004
Data09 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5005215-79.2021.8.24.0004/SC

RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL

RECORRENTE: SAMUEL DE SOUZA COSTA (ACUSADO) ADVOGADO: LEANDRO PEREIRA GONCALVES (OAB SC044982) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) INTERESSADO: VALDIRENE DOS SANTOS DE JESUS (ACUSADO) ADVOGADO: RENAN CIOFF DE SANT' ANA

RELATÓRIO

Na Comarca de Araranguá, o Ministério Público ofereceu Denúncia contra Samuel de Souza Costa e Valdirene dos Santos de Jesus, dando-os como incursos, aquele no art. 121, §2º, incisos I e IV, e a última no art. 121, §2º, inciso IV, do Código Penal, em razão dos fatos assim descritos (Evento 1 dos autos de origem):

[...] 1. Do homicídio consumado

No dia 16 de maio de 2021, por volta das 6h, em frente ao Clube Gigantinho, situado na Rua Idalino João Pereira, Bairro Mato Alto, em Araranguá/SC, o denunciado Samuel de Souza Costa, agindo em comunhão de esforços e com unidade de desígnios com a denunciada Valdirene dos Santos de Jesus, imbuídos ambos de evidente vontade de matar, desferiu golpes de faca na vítima Jonathan Jacinto Silveira, vulgo "Maçarico", atingindo-o na face lateral esquerda do tórax e na nádega esquerda, causando-lhe as lesões pérfuro-cortantes descritas no Laudo Pericial n. 2021.17.00691.21.001-88, que foram causa eficiente da sua morte, por hemotórax esquerdo maciço.

A denunciada Valdirene dos Santos de Jesus concorreu para a prática do crime de homicídio, na medida em que instigou o denunciado Samuel de Souza Costa, nele reforçando o intento de cometer o delito de homicídio contra a vítima, dizendo-lhe que deveria matá-la.

1.1 Do motivo fútil

O crime foi cometido pelo denunciado Samuel de Souza Costa por motivo fútil, consistente em ciúme, pelo fato de a vítima já ter se relacionado amorosamente com sua atual companheira Valdirene dos Santos de Jesus anteriormente e ter demonstrado interesse em novamente se relacionar com ela, fato que o desagradou.

1.2. Do emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima

O crime foi cometido com o emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, uma vez que o denunciado Samuel de Souza Costa correu em direção à vítima Jonathan Jacinto Silveira, e, de inopino, passou a atacá-la com golpes de faca, surpreendendo-a enquanto ela conversava com outra pessoa no local, e não lhe propiciando condições de reagir.

Encerrada a instrução preliminar, foi julgado parcialmente admissível o pleito formulado na Exordial e, em consequência, a Magistrada a quo pronunciou Samuel de Souza Costa, nos termos da Inicial, e impronunciou Valdirene dos Santos de Jesus, de acordo com o art. 414, do Código de Processo Penal (Evento 163 do processo de origem).

Inconformado, o réu Samuel interpôs, de próprio punho, Recurso em Sentido Estrito (Evento 186 dos autos de origem). Nas Razões do Evento 201, a Defesa pugna pela reforma da decisão de origem com a absolvição ou impronúncia do réu por ausência de provas acerca da autoria delituosa, com incidência do princípio do in dubio pro reo, apontando, ainda, como fundamento o art. 386, incisos III, V, VI e VII, e art. 414, ambos do Código de Processo Penal.

Subsidiariamente, requer o afastamento das qualificadoras do motivo fútil, uma vez que o ciúme não caracterizaria a futilidade, e do emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, por inexistência de indícios de que esta tenha sido surpreendida. Por fim, pleiteia a majoração dos honorários advocatícios pela atuação nesta Instância.

Apresentadas as Contrarrazões (Evento 206 dos autos de primeiro grau), e mantida a decisão pelos próprios fundamentos (Evento 193 daquele processo), os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Genivaldo da Silva, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento da insurgência (Evento 28).

Este é o relatório.

VOTO

O recurso merece ser conhecido, por próprio e tempestivo.

Pugna a Defesa pela absolvição ou impronúncia, por entender que não há provas acerca da autoria delituosa. Razão não lhe assiste. Vejamos.

Sabe-se que, por força do artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição da República, compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, dentre os quais se inclui o homicídio, tentado ou consumado (art. 74, §1º, do Código de Processo Penal).

É exatamente por isso, inclusive, que vigora na primeira fase do procedimento escalonado dos crimes da alçada do Tribunal do Júri, disciplinado entre os artigos 406 e 421 do Código de Processo Penal, o brocardo in dubio pro societate, no sentido de que, na dúvida, compete ao Conselho de Sentença deliberar sobre a matéria.

Nesse sentido, colhe-se desta Câmara o Recurso em Sentido Estrito n. 0000012-58.2012.8.24.0031, rel. Des. Salete Silva Sommariva, julgado em 13-06-2017:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO POR TRÊS VEZES ( CP, ART> 121, § 2º, II E IV, C/C 14, II - PRONÚNCIA - INCONSTITUCIONALIDADE DO BROCARDO IN DUBIO PRO SOCIETATE - INOCORRÊNCIA - PREVALÊNCIA DO CARÁTER POPULAR E DEMOCRÁTICO DAS DECISÕES PROFERIDAS PELO TRIBUNAL DO JÚRI - PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA - PRETENSO RECONHECIMENTO DA LEGÍTIMA DEFESA - AUSÊNCIA DE PROVA INDUVIDOSA ACERCA DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE - PEDIDO DE AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS - INVIABILIDADE - MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA NÃO DEMONSTRADA - RECURSOS DESPROVIDOS. (grifou-se)

Do corpo do acórdão, extrai-se:

A compatibilidade do brocardo in dubio pro societate com o texto constitucional decorre da própria garantia constitucional atribuída à instituição do Júri, prevista no art. 5º, XXXVIII, da CF, no qual se privilegia o caráter popular e democrático dos veredictos em situações que se viole o bem jurídico vida.

Desse modo, a observância à tal máxima no momento da decisão de pronúncia, cuja índole é de um juízo de admissibilidade acerca da imputação levada a cabo pela acusação, a fim de submeter o feito à apreciação pelo Tribunal do Júri, não significa uma decisão de mérito a respeito do caso, senão uma forma de assegurar o exercício da garantia fundamental por aqueles que, constitucionalmente, detêm a prerrogativa de julgar crimes dolosos contra a vida, isto é, a sociedade ou comunidade.

Portanto, no microssistema do Tribunal do Júri, não há falar-se em incompatibilidade ou prevalência de um princípio sobre outro, pois, enquanto na etapa de admissibilidade a dúvida é resolvida em benefício da sociedade, na fase de julgamento do mérito a incerteza sobre a autoria de crime doloso contra a vida conduz à absolvição do réu, em que incide a máxima do in dubio pro reo.

Diante disso, os brocardos em referência não podem ser considerados mutuamente excludentes justamente porque, nesse procedimento autônomo, a sua incidência opera-se em etapas distintas, nas quais são proferidas decisões de natureza diversas, de modo a justificar a aplicação de tais princípios em cada uma delas.

Isso posto, descabe cogitar de inconstitucionalidade do art. 413 do CPP, pois sua aplicação visa enaltecer o preceito constitucional contido no art. 5º, XXXVIII, "d", proibindo-se a interferência do juiz singular em hipóteses nas quais a Constituição assegura a participação popular e democrática.(grifou-se)

Prevalece o entendimento de que, nesta etapa processual, isto é, na fase do judicium accusationis, deve-se adotar postura deferente à competência constitucional do Tribunal do Júri, com incidência do princípio do in dubio pro societate.

Assim, passa-se à análise do conjunto probatório até agora produzido, a fim de se verificar, no termos do art. 413 do Código de Processo Penal, a existência de provas da materialidade e indícios suficientes de autoria do crime de homicídio qualificado, no qual o Recorrente foi dado como incurso, para fins de pronúncia.

Pois bem.

A materialidade deflui inconteste dos documentos juntados ao feito, especialmente o Boletim de Ocorrência (Evento 1, INQ1, Páginas 2/4), Relatório de Investigação (Evento 1, INQ1, Páginas 16/29) e Laudos Periciais cadavérico e de local do crime (Evento 1, INQ2, Páginas 1/29 e Evento 1, LAUDO3, Páginas 1/12), todos dos autos 5004852-92.2021.8.24.0004.

Os indícios de autoria, de seu turno, podem ser extraídos da prova oral colhida nas duas etapas da persecução penal.

Nesse sentido, o Delegado de Polícia Civil Jair Pereira Duarte, relatou em juízo:

[...] esse fato aconteceu numa madrugada, num sábado pra domingo, se eu não me engano, e foi atendido por uns policiais da DIC, eu não estava em Araranguá naquele momento, mas assim que cheguei já iniciamos as investigações e ai através de informações que chegaram pra nós, a gente chegou na suspeita do Samuel que seria o autor; começamos a ouvir testemunhas, entre elas o próprio irmão do réu, que ele relatou em depoimento que no dia do fato pela manhã o Samuel teria telefonado para ele, Natanael se eu não me engano, e informado que teria matado o primo, que seria o conhecido como 'Maçarico'; ouvimos outras testemunhas também, todas assistiram o vídeo, reconheceram o réu como sendo o autor das facadas; ele foi ouvido também, foi interrogado, ele confirmou os fatos de uma maneira bem tranquila e também apontou a Valdirene como sendo a pessoa que tivesse solicitado a ele ou falado pra ele "mate o 'Maçarico' se não ele vai te matar", é um resumo do que a gente apurou; [...] havia parece que um caso antigo do réu com a Valdirene e nos últimos tempos a Valdirene estaria ficando com o 'Maçarico', as testemunhas, a maior parte, falaram que a situação toda aconteceu por ciúmes; se eu não me engano a própria Valdirene falou que essa atitude do Samuel seria por ciúmes; [...] o que eu percebi ali é que havia muita briga entre eles, tanto a Valdirene e os dois ali pela disputa da Valdirene e eles tinham já uma relação antiga, parece que tinham terminado, atualmente ela tava ficando com o 'Maçarico' e ai fez esse triângulo e essa discussão entre eles (se sabe se Valdirene estava em...

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