Acórdão Nº 5005302-33.2019.8.24.0092 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 15-12-2020

Número do processo5005302-33.2019.8.24.0092
Data15 Dezembro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5005302-33.2019.8.24.0092/SC



RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN


APELANTE: JOSE RENATO COELHO (AUTOR) ADVOGADO: MARISA DE ALMEIDA RAUBER (OAB SC027068) APELADO: BANCO BMG SA (RÉU) ADVOGADO: MAIARA SOARES DALPIAZ (OAB SC036381) ADVOGADO: HENRIQUE GINESTE SCHROEDER (OAB SC003780)


RELATÓRIO


José Renato Coelho ajuizou ação de restituição de valores c/c com pleito de indenização por danos morais em face de Banco BMG S/A, ao argumento de que está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contratação de cartão de crédito que aduz ter sido realizada mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.
Diante dessas circunstâncias, o demandante requereu o acolhimento dos argumentos declinados na exordial e, consequentemente, o provimento integral de seus pleitos recursais.
Contestação apresentada no evento 10.
Réplica no evento 15.
Ato contínuo, sobreveio sentença de resolução do mérito (evento 19): da qual se extrai a seguinte parte dispositiva:
Diante do exposto, julgo improcedente o pedido, condenando o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor atualizado da causa, na forma do art. 85, § 2º, do CPC/2015, observados os critérios do grau de zelo do profissional, lugar da prestação do serviço, natureza e importância da lide, o trabalho realizado e o tempo exigido, cuja exigibilidade fica suspensa por ser beneficiario da gratuidade judiciária (Evento 3).
Irresignado com o decisum de primeiro grau, o requerente apresentou recurso de apelação (evento 24) no qual aduziu, em síntese, que a sentença vergastada deve ser reformada para: a) reconhecer a ilegalidade do contrato de empréstimo consignado por meio de cartão de crédito e, por consectário, dos descontos realizados em seu benefício previdenciário a título de reserva de margem consignável (RMC); b) condenar a requerida ao pagamento de indenização por danos morais; c) determinar a repetição do indébito em dobro, nos termos do art. 42, do Código de Defesa do Consumidor. Ao final, pugnou pelo conhecimento e provimento do reclamo, bem como pela inversão dos ônus de sucumbência.
Contrarrazões no evento 31.
Por conseguinte, os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.
É o relato do necessário

VOTO


Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que, no âmbito da presente ação de conhecimento, julgou improcedentes os pleitos formulados na peça exordial. Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.
1 Legalidade do contrato firmado entre as partes
Sustenta o apelante que a sentença singular deve ser reformada para declarar a inexistência da contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, o qual originou os descontos a título de reserva de margem consignável, realizados no seu benefício previdenciário. Para tanto, alega que sua intenção era apenas a de fazer um empréstimo consignado simples e jamais a de contratar cartão de crédito, o qual aduz nunca sequer ter utilizado ou desbloqueado. Argumenta, ainda, que a manutenção dos termos do contrato sub judice implicará em uma dívida vitalícia e impagável, a qual representa obrigação totalmente desproporcional ao consumidor.
Depreende-se, portanto, que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo de numerário, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.
Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se por incontroverso, que houve uma transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo de dinheiro, o qual se consolidou por meio do documento denominado "Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado Banco BMG e Autorização para desconto em folha de pagamento" (evento 10 - Doc. 17).
Entretanto, apesar do referido documento estar formalmente perfeito e possuir a assinatura do ora recorrente, o contexto fático-probatório coligido nos autos revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que houve um desvirtuamento da real intenção do requerente que, ao que tudo indica, desejava apenas realizar um empréstimo de dinheiro, sem, contudo, adquirir/contratar qualquer cartão de crédito.
Oportunamente, cabe destacar que, conforme infere-se das faturas acostadas pela própria casa bancária no evento 10 - Docs. 22-23, o cartão de crédito supostamente contratado jamais fora utilizado pela parte autora para fins de aquisição de produtos ou pagamento de serviços. Pelo contrário, os únicos lançamentos que constam nas mencionadas faturas são aqueles referentes à encargos contratuais e impostos oriundos da operação financeira firmada entre as partes.
Doutro vértice, dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrida sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço do autor o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pelo requerente. Neste ponto, cabe frisar que em audio juntado pela casa bancária requerida (evento 10 - audio 3), o próprio autor confirma expressamente que não possui o cartão consigo.
Sendo assim, revela-se evidente que a pretensão do autor, ora apelante, era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).
Importante destacar, também, que diante das especificidades concernentes a quaestio ora debatida, torna-se imprescindível elucidar a diferença existente entre o empréstimo consignado simples e o empréstimo de numerário via cartão de crédito, o qual se dá por meio de reserva de margem consignável (RMC). A esse respeito, tem-se excerto extraído do voto proferido pelo eminente Desembargador Robson Luz Varella, nos autos da Apelação Cível n. 0301157-67.2017.8.24.0042, o qual esclarece as características e diferenças pertinentes as mencionadas operações financeiras. Vejamos:
"Sobre essas duas modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.Asp). Já a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).
Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção do requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar um cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.
De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade do requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios menos onersos), destacando as diferenças dos custos e encargos.
Logo, em que pese a parte autora ter lançado sua assinatura no documento mencionado, sobressai límpida a existência de mácula na manifestação de vontade deste (apelante), porquanto há fortes indícios de que a casa bancária requerida não prestou informações claras e adequadas acerca da modalidade contratual firmada entre as partes (empréstimo de dinheiro por meio de contratação de cartão de crédito), a qual é extremamente mais onerosa para o consumidor.
Convém enfatizar, ainda, que a gravação de áudio existente nos autos (evento 10 - Doc. 18), com a conversa entre o demandante e um representante da instituição bancária requerida, não demonstra efetivamente que a pessoa jurídica recorrida prestou as informações necessárias, ou seja, àquelas inerentes aos termos contratuais e especificidades do contrato bancário em análise.
Com efeito, o teor do referido diálogo é extremamente genérico de modo a sobrelevar que, na hipótese ora analisada, não houve o cumprimento do dever de informação previsto no Código de Defesa do Consumidor. Sublinha-se, oportunamente, que o fato de existir uma gravação de áudio entre autor e banco não demonstra, por si só, a anuência do consumidor.
Nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATO, COM PEDIDOS DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO. DESCONTOS DE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA, COM APLICAÇÃO DE MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. RECLAMO DA PARTE AUTORA. ALEGADA NULIDADE...

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