Acórdão Nº 5005304-48.2021.8.24.0022 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 07-07-2022

Número do processo5005304-48.2021.8.24.0022
Data07 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5005304-48.2021.8.24.0022/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: MARLETE NEVES VIEIRA (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

MARLETE NEVES VIEIRA interpôs recurso de apelação contra a sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau Elton Vitor Zuquelo, nos autos da ação anulatória c/ indenizatória proposta contra BANCO BMG S.A, em curso perante o juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Curitibanos, que julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:

Marlete Neves Vieira qualificada, ajuizou AÇÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL, CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER, RESTITUIÇÃO DE VALORES E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS contra Banco BMG S.A também qualificado, ao argumento de que percebe benefício previdenciário de pensão por morte, NB: 094.131.737-4 e, nesta condição realizou contratos de empréstimos consignados em vários Bancos, inclusive junto ao Réu. Relata que acreditava estar realizando mais um empréstimo nesta modalidade, sendo informada que o pagamento seria realizado com os descontos mensais diretamente em seu benefício, conforme sistemática de pagamento dos empréstimos consignados. Entretanto, informa que foi surpreendida com o desconto de Reserva de Margem Consignável de Cartão de Crédito - RMC, dedução muito diferente do empréstimo consignado almejado. Afirma que nunca recebeu o cartão de crédito, tão pouco utilizou-se dele para algo, e mesmo assim estão ocorrendo descontos em seu benefício. Esclarece que os serviços em momento algum foram solicitados ou, contratados, já que apenas requereu e autorizou empréstimo consignado e não via cartão. Aduz que a modalidade de empréstimo via cartão, na prática, é impagável, pois, ao realizar a reserva da margem de 5% e efetuar o desconto do valor mínimo diretamente nos proventos da parte autora, debita-se mensalmente apenas os juros e encargos de refinanciamento do valor total da dívida. Postula a tutela de urgência. Apresenta sua fundamentação jurídica e demais argumentos a seu favor. Junta documentos. Pede a procedência.

Citado, o banco Réu manifesta-se no feito suscitando preliminar de falta de interesse de agir pela inexistência de margem consignável e inépcia da inicial. Meritualmente, defende que houve solicitação para emissão do cartão de crédito, cuja pactuação se deu através de contrato escrito, e que o valor foi liberado na modalidade de antecipação do crédito diretamente na conta da autora, e de uso dos valores mediante saques. Disse que essas condições foram previamente esclarecidas à postulante, que as aceitou e utilizou regularmente os serviços fornecidos pela parte acionada. A alegação de desconhecimento nesses casos é inadmissível, pois o negócio jurídico é legal, houve cumprimento do dever de informação e uso dos serviços, sendo impositiva a improcedência dos pedidos iniciais. Juntou documentos.

Houve réplica.

DECISÃO:

Prescindível a colheita de outras provas, visto como as questões postas são eminentemente de direito, sendo os documentos anexados nos autos bastantes à dirimência do pleito.

Relativamente à falta de interesse processual considerando a inexistência de margem para contratação de empréstimo consignado, é matéria ligada ao mérito e será com ele analisado.

Por igual, dá-se por apta a exordial, pois, delineada a causa de pedir e deduzido pedido consentâneo, admite-se o processamento da demanda.

Atendendo a relação de consumo entre as partes, aplica-se ao julgamento desta ação o Código de Defesa ao Consumidor.

A modalidade de contratação de empréstimos via reserva de margem consignável foi autorizada pela medida provisória nº 681/2015, que foi convertida na lei nº 13.172/2015.

Portanto, possível a legalidade do negócio jurídico, desde que estabelecido de acordo com a norma específica regencial, quer dizer, instrução normativa INSS/PRES nº 28, de 16 de maio de 2008 - dou de 19/05/2008, que, em seu art. 15, prevê:

Art. 15. Os titulares dos benefícios previdenciários de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão constituir RMC para utilização de cartão de crédito, de acordo com os seguintes critérios, observado no que couber o disposto no art. 58 desta Instrução Normativa:

I - a constituição de RMC somente poderá ocorrer após a solicitação formal firmada pelo titular do benefício, por escrito ou por meio eletrônico, sendo vedada à instituição financeira: emitir cartão de crédito adicional ou derivado; e cobrar taxa de manutenção ou anuidade;

II - a instituição financeira poderá cobrar até R$15,00 (quinze reais) de taxa pela emissão do cartão que, a critério do beneficiário, poderá ser parcelada em até três vezes.

Inobstante a previsão regencial para constituição de reserva de margem consignável, há de se atentar para a necessidade de solicitação formal firmada pelo titular do benefício para instituição da margem consignável.

Apresenta o Banco réu, contrato realizado entre as partes, no evento 12.3. O documento prevê a liberação de valor para a conta corrente titularizada pela postulante. A contratante apôs sua assinatura e recebeu o crédito, daí que se consideram autênticas as peças.

Ademais disso, consoante histórico apresentado no evento n. 17.2 à época do mútuo, não poderia a autora ter negociado empréstimo consignado comum, pois a margem destinada àquela modalidade estava ocupada quase que em sua totalidade. Considerando o montante contratado, só poderia a consumidora usufruir dos valores utilizando a porcentagem disponível junto à RMC.

Dos demais documentos, verifica-se as faturas geradas pelo cartão de crédito contratado, evento n. 12.2, pg. 19 a 166, bem como a liberação de valores em favor da autora em quatro oportunidades, eventos n. 12.4 a 12.7.

Frisa-se que a possibilidade de saques no decorrer da contratação, não é opção ofertada no contrato de empréstimo consignado comum, e sim, na modalidade de cartão de crédito. Oportunidade na qual o mutário, na posse do instrumento, recebe valores, em períodos diferentes, bastando solicitação à casa bancária ou saque pelo cartão de crédito recebido.

Em circunstâncias assim, não se reconhece o alegado vício de consentimento, nem a fraude imputada ao réu. Pelo que se repele a tese de que a beneficiária desconhecia o contrato negociado.

Outrossim, a liberação de crédito por documento hábil que não via saque junto ao próprio contrato de cartão de crédito, com envio ou não do plástico ao consumidor, não autoriza interpretação que se trata de negócio diverso, máxime quando expressamente contratada.

No contrato, dados relevantes:

TERMO DE ADESÃO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO EMITIDO PELO BANCO BMG S.A. E AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO

VI- CLÁUSULAS E CONDIÇÕES ESPECIAIS APLICÁVEIS AO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO EMITIDO PELO BANCO BMG S.A. Autorização para desconto: 6.1. O(A) TITULAR autoriza a sua fonte empregadora, de forma irrevogável e irretratável, a realizar o desconto mensal em sua remuneração/benefício, em favor do BANCO BMG S.A. para o pagamento correspondente ao valor mínimo indicado na fatura mensal do cartão de crédito consignado ora contratado. 6.2. O(A) TITULAR declara estar ciente de que o produto ora contratado refere-se à um Cartão de Crédito Consignado.

Com efeito, os termos contratuais aos quais aderiu a postulante são claros, afastando-se a alegação de vícios e falta de informação, evidenciado a natureza própria de adesão a cartão de crédito e, diante da regulação normativa específica, não há que se falar na anulação do avençado:

Certo que o contrato de empréstimo por meio de saque via cartão de crédito "RMC - RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL" tem previsão legal e regulamentar e, desde que a contratação esteja provada e o valor efetivamente liberado em favor do autor pela instituição financeira, o negócio é legítimo. (TJSC, Recurso Inominado n. 0300075-72.2017.8.24.0083, de Correia Pinto, rel. Des. Sílvio Dagoberto Orsatto, Sexta Turma de Recursos - Lages, j. 22-03-2018).

Entrementes, embora fosse viável verificar se a taxa de juros praticada atende à instrução normativa INSS/PRES nº 28, de 16 de maio de 2008 - Dou de 19/05/2008, há precedente no sentido de que essa providência só pode ser adotada em havendo pedido expresso da parte autora, sob pena da sentença ser considerada extra petita. Precedente:

PRONUNCIAMENTO "EX OFFICIO" NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA POR JULGAMENTO "EXTRA PETITA". CIRCUNSTÂNCIA QUE PODE E DEVE SER CONSTATADA E DECLARADA, DE OFÍCIO, NESTE GRAU DE JURISDIÇÃO, POR FORÇA DO EFEITO TRANSLATIVO DO RECURSO. INICIAL QUE NÃO CONTEMPLA FUNDAMENTAÇÃO E NEM PEDIDO PARA REVISÃO DA TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS PREVISTA NO CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES, MAS SE INSURGE ESSENCIALMENTE CONTRA O TIPO DE CRÉDITO E NATUREZA DA OPERAÇÃO CONTRATADA. LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS QUE REPRESENTA REVISÃO CONTRATUAL PROMOVIDA DE OFÍCIO, VEDADA PELO ORDENAMENTO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO. ARTIGOS. 141 E 492 DO CPC/2015. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA QUE DEMANDA A CASSAÇÃO DA SENTENÇA NO PONTO EM QUE ESTA EXORBITA OS LIMITES OBJETIVOS DA LIDE, 2 Gabinete Desembargador Luiz Zanelato AFASTANDO-SE A LIMITAÇÃO IMPOSTA AOS JUROS REMUNERATÓRIOS CONTRATADOS, E O RECÁLCULO DO SALDO DEVEDOR, DELA DECORRENTE, DETERMINADO NA SENTENÇA. (Apelação Cível n. 0301100-75.2018.8.24.0022, de Curitibanos Relator: Desembargador Luiz Zanelato).

Em casos tais, tendo o juízo se pronunciado pela legalidade do negócio jurídico estabelecido entre as partes e estando inviabilizada a análise revisional, impõe-se a rejeição da pretensão.

Nem mesmo subsiste o pedido autoral alternativo, uma vez que, havendo comprovação da contratação de cartão de crédito consignado, ao qual está vinculada a beneficiária, sem evidências de máculas, deve respeitar as cláusulas a que se comprometeu.

Também não há falar em dano moral, posto que o negócio jurídico realizado entre as partes ocorreu dentro da normalidade, não havendo, portanto, dano a ser...

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