Acórdão Nº 5005316-20.2022.8.24.0930 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 04-05-2023

Número do processo5005316-20.2022.8.24.0930
Data04 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5005316-20.2022.8.24.0930/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO


APELANTE: NELSON VIEIRA (AUTOR) APELANTE: BANCO CETELEM S.A. (RÉU) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Nelson Vieira e Banco Cetelem S/A interpuseram recursos de apelação cível em face da sentença proferida pelo juízo da Unidade Estadual de Direito Bancário, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na "ação declaratória de nulidade contratual cumulada com restituição de valores e com indenização por dano moral", nos seguintes termos (evento 25, autos do 1º grau):
NELSON VIEIRA ajuizou a presente "ação declaratória de nulidade contratual e inexistência de relação jurídica c/c repetição de indébito e indenização por danos morais", contra o BANCO CETELEM S.A., ambos qualificados nos autos.
Alegou a parte autora que, na condição de beneficiária do INSS, realizou empréstimo consignado com a instituição ré, mas foi surpreendida com um desconto diferenciado em seus proventos, denominado "RMC", o qual resulta em baixa mensal no percentual de 5% sobre o valor do seu benefício previdenciário.
Aduziu que tal modalidade contratual (empréstimo consignado via cartão de crédito) jamais foi solicitada, tampouco utilizou-se de qualquer cartão fornecido pelo réu para esta finalidade, tendo sido induzida em erro, motivo pelo qual ajuizou a presente demanda.
Diante disso, requereu: a) a declaração de inexistência do contrato de cartão de crédito consignado, determinando-se o retorno das partes ao status quo anterior; b) subsidiariamente, a conversão do contrato de cartão de crédito consignado em empréstimo consignado tradicional; c) a repetição em dobro do indébito e a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais. Valorou a causa e juntou documentos (evento 1).
A gratuidade da justiça foi deferida e restou determinada a citação do réu para que apresentasse resposta e trouxesse o instrumento contratual objeto dos autos (evento 4).
O réu contestou (evento 12) sustentando que a parte demandante anuiu expressamente com o contrato de cartão de crédito consignado, não tendo que se falar em ilegalidade da contratação; que não houve ato ilícito a justificar a repetição do indébito e a indenização por danos morais; e que a parte autora alterou a verdade dos fatos e ajuizou lide temerária, razão pela qual deve ser condenado ao pagamento de multa por litigância de má-fé. Por fim, pugnou pela improcedência total dos pedidos e pela condenação da parte autora ao pagamento de multa por litigância de má-fé e também das verbas sucumbenciais. Juntou documentos.
A parte autora apresentou réplica (evento 23), na qual impugnou os argumentos trazidos em defesa e ratificou o já exposto em sede de inicial.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. Fundamento e decido.
O feito comporta julgamento antecipado do mérito, conforme o artigo 355, I, do CPC, pois a questão não demanda produção de provas em audiência, sendo suficientes para o deslinde do caso as provas documentais já acostadas aos autos.
Tal situação não importa cerceamento de defesa, tendo em vista que a produção de prova oral torna-se prescindível para o deslinde da controvérsia.
Nesse sentido, os princípios da livre admissibilidade da prova e da persuasão racional autorizam o julgador a determinar as provas que repute necessárias ao deslinde da controvérsia.
Ainda, o juiz tem o poder-dever de julgar a lide antecipadamente, quando constatar que o acervo documental é suficiente para nortear e instruir o seu entendimento. (STJ, AgRg no AREsp 177142/SP, rel. Min. João Otávio de Noronha, Terceira Turma, j. 12.08.14).
Do mérito
Trata-se de ação declaratória e condenatória proposta por consumidor em face de instituição financeira fornecedora, fundada em vício de consentimento, visando à declaração de anulabilidade do negócio jurídico, bem como à reparação dos danos morais sofridos.
O cerne do presente conflito gravita em torno da análise da (i)legalidade da contratação de empréstimo consignado pela via de cartão de crédito, cuja concessão ocorre mediante reserva de margem consignável em benefício previdenciário. Em verdade, a discussão cinge-se quanto à existência ou não de vício de consentimento, uma vez que a parte autora afirma que sua intenção era contratar um empréstimo consignado, de modo que não foi informada pela ré acerca da modalidade do contrato firmado, sendo induzida em erro, e que não teria recebido cartão algum para uso e por consequência lógica não teria realizado o desbloqueio do referido cartão. Ademais, alega que os encargos incidentes sobre o saldo devedor do cartão de crédito seriam abusivos, tornando a dívida impagável.
Dessa forma, a parte autora pugnou pela declaração de anulabilidade da contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável junto ao seu percebimento de previdência pública, com a consequente suspensão, sendo condenado o réu à repetição do indébito e ao pagamento de indenização por danos morais.
A instituição financeira ré, de outra banda, refutou os argumentos expendidos pela parte autora, defendendo a validade do pacto e dos descontos efetuados junto ao benefício previdenciário, visto que a parte contratante teve plena ciência do objeto avençado, aderindo voluntariamente aos serviços de cartão de crédito consignado e restando plenamente válido o negócio jurídico firmado entre as partes litigantes. Pontuou, ainda, a ausência dos requisitos autorizadores da responsabilidade civil, além da inexistência de danos morais passíveis de indenização, já que teria agido no exercício regular de direito.
Apesar de se reconhecer que não há ilegalidade na Reserva de Margem Consignável (RMC), a qual encontra amparo na Instrução Normativa INSS/PRES n. 28, de 16 de maio de 2008, bem como na Lei nº 10.820, de 17/12/2003, observa-se que esta deve ser prévia, regular e expressamente aceita pelo contratante.
A matéria foi muito bem delimitada pelo Des. Robson Luz Varella por ocasião do julgamento, na Segunda Câmara de Direito Comercial, da Apelação Cível nº 0002355-14.2011.8.24.0079, de Videira, em 17.04.2018, de cujo teor colhe-se:
Sobre essas duas modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.Asp).
Já a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito.
Ressalte-se que a prática abusiva e ilegal difundiu-se, tendo atingido uma gama enorme de aposentados e pensionistas que foram ajuizadas diversas ações, inclusive visando tutelar o direito dos consumidores coletivamente considerados, a fim de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto via "RMC".
O "modus operandi" utilizado pelas instituições financeiras foi assim descrito pelo Núcleo de Defesa do Consumidor da defensoria Pública do Estado do Maranhão, na ação civil pública ajuizada pelo órgão na defesa dos interesses dos "aposentados e pensionistas do INSS": O cliente busca o representante do banco com a finalidade de obtenção de empréstimo consignado e a instituição financeira, nitidamente, ludibriando o consumidor, realiza outra operação - a contratação de cartão de crédito com RMC." Assim, na folha de pagamento é descontado apenas um pequeno percentual do valor obtido por empréstimo e o restante desse valor é cobrado através de fatura de cartão de crédito, com incidência de juros duas vezes mais caros que no empréstimo consignado normal.
A situação acima é, também, justamente o caso da presente demanda, na medida em que forçoso concluir que a modalidade de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável acarreta expressivo prejuízo a parte autora.
Isso porque, ao imputar o desconto do valor mínimo indicado na fatura do benefício previdenciário do usuário, "deliberadamente impõe ao consumidor o pagamento mínimo da fatura mensal, o que para ela é deveras vantajoso, já que enseja a aplicação, por muito mais tempo, de juros e demais encargos contratuais" (TJSC, Apelação Cível n. 0304923-40.2017.8.24.0039, de Lages, rel. Des. Soraya Nunes Lins, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 10-05-2018).
Agindo dessa forma, a casa bancária impede a quitação do empréstimo, haja vista que o mínimo cobrado, a título de reserva de margem, corresponde, tão somente, aos encargos e juros do financiamento, gerando uma dívida permanente e impagável, o que ofende a boa-fé contratual.
In casu, diante do elucidado, tem-se que o contrato transpareceu para a parte autora como mero empréstimo consignado, sendo presumido que esta era a sua real vontade quando firmou a avença. A consequência é que, induzida em erro, a parte consumidora acreditou que do seu benefício previdenciário estariam a ser descontadas parcelas de um empréstimo consignado, quando, em verdade, o que se deduziam eram somente os juros e encargos moratórios referentes a uma fatura de cartão de crédito inadimplida.
Caso a Instituição Financeira informasse adequadamente aos consumidores sobre as opções e diferenças entre os seus serviços, certamente que a parte contratante, se fosse devidamente esclarecida e pudesse optar livremente entre um empréstimo consignado, com juros reduzidos, e um cartão de crédito consignado, com juros muito superiores e cujo...

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