Acórdão Nº 5005407-34.2020.8.24.0008 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 03-05-2022

Número do processo5005407-34.2020.8.24.0008
Data03 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5005407-34.2020.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER

APELANTE: MARIA SALETE SUTIL (AUTOR) APELADO: BANCO INTER S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Maria Salete Sutil interpôs Recurso de Apelação (Evento 80, APELAÇÃO1) contra sentença prolatada pela Magistrada oficiante na Unidade Estadual de Direito Bancário que, nos autos da "AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA COM PEDIDO LIMINAR DE TUTELA DE URGENCIA C/C REPETIÇAO DE INDÉBITO E INDENIZACÃO POR DANOS MORAIS", ajuizada em face de Banco Inter S.A., julgou improcedente a pretensão vertida na exordial, cuja parte dispositiva se transcreve:

Ante o exposto, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo improcedentes os pedidos consubstanciados na inicial.

Revogo a antecipação de tutela anteriormente concedida.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios do patrono do réu, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), ex vi o artigo 85, §8º do Código de Processo Civil.

A exigibilidade das despesas processuais e dos honorários advocatícios está suspensa com relação à(s) parte(s) ativa, durante o prazo extintivo de 5 (cinco) anos, em face da concessão dos benefícios da Gratuidade da Justiça, nos termos dos arts. 98 a 102 do CPC e da Lei 1.060/1950.

Os litigantes estão obrigados a indenizar as despesas adiantadas no curso do processo, observada a mesma proporção antes fixada, admitida a compensação, conforme art. 82, § 2º, do CPC.

Publique-se Registre-se Intime-se.

Em caso de apelação, verificado o cumprimento dos requisitos dos parágrafos 1º e 2º do art. 1.009 do CPC, ascendam os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça, nos termos do parágrafo 3º do art. 1.010.

Transitada em julgado, arquive-se.

(Evento 61, SENT1, autos de origem).

Houve oposição de Embargos de Declaração pela Apelante (Evento 67, EMBDECL1), os quais foram rejeitados.

Em suas razões recursais, a Requerente aduziu, em apertada síntese, que: (a) "A Recorrente é idosa, tem 69 anos de idade, é aposentada e analfabeta"; (b) "Um ano após ter aberta a reclamação junto ao PROCON, fls. 37, Evento 7, a Recorrente descobriu que um escritório do Estado do Paraná, havia ingressado com duas ações em seu nome para reaver os valores dos empréstimos mais indenização"; (c) "a Recorrente já havia sofrido outras situações onde teve seu direito lesado. Um exemplo, seria um valor mensal que estava sendo descontado da sua conta junto à Caixa Econômica Federal, e muito embora tenha ocorrido por erro, passou por mais essa situação. A autora foi confundida com outra pessoa, como demonstra abaixo. Vejam Nobre Julgadores, que essa primeira foto se trata de MARIA SALETE WILL, enquanto na segunda foto trata-se de MARIA SALETE SUTIL (autora da ação e prova documental que a recorrente é analfabeta)"; (d) "a Recorrente é pessoa hipossuficiente dentro dessa relação contratual, que foi lesada e merece que esse juízo analise as provas trazidas aos autos e dê o direito a quem de direito o tenha"; (e) "entende majoritariamente que a celebração de contrato por pessoa analfabeta deve ser realizada através de instrumento público, ou, se por instrumento particular, a traves de procurador constituído por procuração pública. Tal exigência visa a segurança do contratante que, por ser analfabeto, em princípio, não entende o que está contratando. Assim sendo, deve ser assegurada a sua plena ciência acerca dos termos do negócio jurídico que está celebrando"; e (f) "É de rigor a anulação do contrato debatido nos autos, seja pela ocorrência de fraude, seja pela ausência das formalidades necessárias para a contratação com pessoa analfabeta, devendo a Recorrente".

Empós o oferecimento das contrarrazões (Evento 89, CONTRAZAP1) ascenderam os autos a este grau de jurisdição e distribuídos a esta relatoria.

É o necessário escorço.

VOTO

Esclareço, por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no Novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz se deu em outubro de 2021, isto é, já na vigência do CPC/2015.

1 Do Recurso

1.1 Da declaração de inexistência de débito

A Demandante ajuizou "AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA COM PEDIDO LIMINAR DE TUTELA DE URGENCIA C/C REPETIÇAO DE INDÉBITO E INDENIZACÃO POR DANOS MORAIS" em face do Banco Inter S.A., argumentando que a Instituição Financeira impôs de forma dissimulada a contratação de empréstimo via cartão de crédito, com desconto em folha do valor mínimo da fatura, de modo que acreditou que estava realizando um empréstimo nos moldes tradicionais.

Aflora da peça inaugural que a Autora almeja: (a) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável RMC e a conversão da aludida avença para a modalidade empréstimo consignado; (b) a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente em folha de pagamento; e (c) a condenação do Réu ao pagamento de indenização por danos morais.

A Magistrada a quo julgou improcedentes os pedidos articulados na peça vestibular (Evento 61, SENT1).

No caderno processual é incontroverso que os Contendores firmaram mútuo, porém inexiste consenso acerca da sua modalidade.

Enquanto a Autora sustenta que seu intento era apenas adquirir empréstimo consignado "comum", a Instituição Financeira defende que a Demandante teve plena ciência de que estava anuindo com a operação creditícia denominada "Termo de Adesão - cartão de crédito consignado INTERMEDIUM autorização para Desconto em Folha de Pagamento" (Evento 41, OUT5).

A partir de um cotejo analítico do arcabouço jurisprudencial deste Areópago acerca da declaração de inexistência de contratação de empréstimo via cartão de crédito com contrato de reserva de margem consignável, a corrente majoritária ruma no sentido de reconhecer a abusividade da referida pactuação, pois em casos similares "o Banco, deliberadamente, impõe ao consumidor o pagamento mínimo da fatura mensal, o que para ele é deveras vantajoso, já que enseja a aplicação, por muito mais tempo, de juros e demais encargos contratuais" (Apelação Cível n. 0304923-40.2017.8.24.0039, Rela. Desa. Soraya Nunes Lins, j. 10-5-18).

Gizo que a prática abusiva e ilegal suso esmiuçada difundiu-se, tendo, lamentavelmente, atingido uma gama enorme de aposentados e pensionistas. A esse respeito, vale também conferir o inteiro teor do julgamento da Apelação Cível n. 0002355-14.2011.8.24.0079, de lavra do eminente relator Desembargador Robson Luz Varella, julgado em 17-4-18.

Foram juntados aos autos documentos que atestam a efetiva instrumentalização de negócio jurídico com reserva de margem consignável em cartão de crédito, cujo pagamento parcial se dá pelo desconto no benefício previdenciário da Autora do valor mínimo da fatura, sendo que o restante do débito permanece registrado como saldo em aberto na fatura do cartão, sofrendo incidência de encargos mês a mês.

Ocorre que tal documentação, isoladamente, não é suficiente para atestar a lisura da contratação. Ora, o exercício da livre manifestação de vontade da Requerente no ato da assinatura deve ser também esmiuçado.

Considerando o conteúdo das razões recursais e a totalidade do contexto fático-probatório amealhado ao feito, concluo que no caso em testilha a Instituição de Crédito não atuou com a diligência e a boa-fé que se exige na concretização de todo negócio jurídico, circunstância que implica na nulidade contratual.

A Autora é idosa, pensionista e beneficiária da gratuidade da Justiça.

Da análise do extrato de empréstimos consignados do benefício n. 096.353.051-8 da Requerente (Evento 1, EXTR6 e Evento 1, OUT7), constato a existência de: (a) empréstimos consignados ativos; e (b) descontos a título de empréstimo RMC.

É importante notar que o ajuste estabeleceu que o montante emprestado/sacado fosse depositado diretamente na conta-corrente da Autora - nos mesmos moldes do empréstimo consignado - de forma que não foi sequer necessário o uso do cartão de crédito para ter acesso ao valor negociado.

Outrossim, não há qualquer prova no feito que demonstre o envio do cartão de crédito à Autora e tampouco que tal instrumento foi utilizado para efetuar compras ordinárias em seu dia a dia, o que corrobora a alegada ausência de interesse na pactuação deste serviço.

Destaco que eventual esgotamento da margem consignável de 30% não autoriza o raciocínio de que a Consumidora efetivamente tenha optado por celebrar mútuo com reserva de margem consignável.

Brota não ser lógico afirmar que na impossibilidade de contratação do empréstimo consignado comum - cujas taxas são sensivelmente mais brandas do que usualmente se vê praticado em operações análogas - a Pensionista realmente estava disposta a comprometer seu rendimento mensal com modalidade de crédito substancialmente mais onerosa do que aquela.

Enfatizo que a reserva de margem consignável para cartão de crédito desconta da folha de pagamento apenas o valor mínimo da fatura, dando a falsa impressão de que o montante emprestado será integralmente pago por tal meio.

A quantia remanescente, contudo, permanece sendo debitada mês a mês na fatura de cartão de crédito, aumentando com a incidência de encargos financeiros ao longo do tempo. É justamente por isso que no momento da celebração do pacto o detalhamento das informações que envolvem o saldo devedor é imprescindível para que a Consumidora possa exprimir sua vontade.

Diante dos aspectos acima destacados somados à similaridade da denominação das duas operações de crédito em comento - empréstimo consignado e empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável - e até mesmo a complicada sistemática do crédito concedido por meio de cartão com RMC, não é razoável afirmar que a Hipossuficiente...

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