Acórdão Nº 5005419-97.2021.8.24.0045 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 15-12-2022

Número do processo5005419-97.2021.8.24.0045
Data15 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5005419-97.2021.8.24.0045/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: UNIAO ASSESSORIA E FOMENTO COMERCIAL LTDA (EMBARGADO) APELADO: EVELIN NAZARIO (EMBARGANTE)

RELATÓRIO

UNIAO ASSESSORIA E FOMENTO COMERCIAL LTDA interpôs recurso de apelação da sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau Ezequiel Garcia, nos autos da ação de embargos à execução ajuizada por DENTE DE LEITE COMÉRCIO DE ARTIGOS DO VESTUÁRIO LTDA, representada por EVELIN NAZARIO, em curso perante o juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Palhoça, que julgou procedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:

I - RELATÓRIO

DENTE DE LEITE COMÉRCIO DE ARTIGOS DO VESTUÁRIO LTDA, representada por EVELIN NAZARIO, ajuizou embargos à execução contra UNIAO ASSESSORIA E FOMENTO COMERCIAL LTDA, todos devidamente qualificados e representados no feito.

Em síntese, a embargante suscitou preliminar de ilegitimidade passiva. Afirmou que as notas promissórias que fundamentam a execução foram firmadas quando a pessoa jurídica executada ainda era empresa individual de SAMANTA DE SOUZA ROSA, e que, por inexistirem diferenças entre a pessoa jurídica e a pessoa física do empresário individual, somente esta é responsável pela dívida. No mérito, afirmou que as notas promissórias estão vinculadas a contrato de fomento mercantil e foram emitidas como forma de garantir operações de factoring, o que desconstitui sua autonomia e sua natureza de título executivo. Por fim, aduziu que há vício formal nas notas promissórias, em razão da ausência da indicação do lugar em que se deve dar o pagamento. Requereu a procedência dos embargos e a extinção da execução. Juntaram documentos.

Os embargos foram recebidos sem efeito suspensivo.

Regularmente intimada, a embargada apresentou impugnação no evento 12. Não suscitou preliminares. No mérito, contrapôs-se aos argumentos e pedidos articulados na petição inicial.

Houve réplica.

Vieram-me os autos conclusos.

II - FUNDAMENTAÇÃO

Os documentos acostados aos autos bastam ao conhecimento dos fatos relevantes ao julgamento da causa (CPC, arts. 355, I e 920, II).

Ilegitimidade passiva

O contrato de fomento mercantil e as notas promissórias acostadas à inicial da execução (evento 1, doc. CONTR5) foram firmados por SAMANTA DE SOUZA ROSA, na condição de empresária individual, que foi transformada posteriormente em sociedade limitada: DENTE DE LEITE COMÉRCIO DE ARTIGOS DO VESTUÁRIO LTDA (evento 1, DOCUMENTACAO9).

Por óbvio, a simples alteração da formatação jurídica da empresa não faz desaparecer suas dívidas anteriores.

Aliás, o Código Civil é por demais claro sobre o tema: "Art. 1.115. A transformação não modificará nem prejudicará, em qualquer caso, os direitos dos credores."

Por isso, afasto a preliminar de ilegitimidade passiva.

Mérito

A execução funda-se em 16 notas promissórias vinculadas ao contrato de fomento mercantil n. 371/1, firmado pelas partes em 21 de dezembro de 2017.

Essas notas promissórias foram emitidas pela faturizada (cedente) em favor da faturizadora (cessionária), como garantia do pagamento dos títulos de crédito que lhe foram cedidos.

Por meio do contrato de fomento mercantil, a embargada comprou títulos de crédito da embargante (duplicatas), antecipando a esta o recebimento dos respectivos valores (descontada a sua remuneração) e assumindo o risco de inadimplemento destes.

Justamente em razão da assunção desse risco pela faturizadora (embargada), não se justifica a emissão de notas promissórias em garantia, nem qualquer iniciativa tendente a cobrar da faturizada (embargante) os débitos constantes nas duplicatas impagas.

Com o inadimplemento das duplicatas cedidas à embargada, cabia-lhe apenas a execução destas, contra os terceiros devedores, porquanto não pode a cessionária se voltar contra a cedente para cobrança do débito advindo da inadimplência dos sacados.

A jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça tem decidido que no contrato de factoring (fomento mercantil) a faturizada (cedente) não responde pela insolvência dos créditos cedidos, sendo nula eventual disposição contratual nesse sentido e inválidos os títulos de crédito emitidos como forma de garantir a operação - cujo risco integral e exclusivo é da faturizadora. A responsabilidade da faturizada existe apenas em relação à existência do crédito à época em que ele foi cedido.

"RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE FACTORING. 1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. NECESSIDADE DE OPOSIÇÃO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA ORIGEM. RECONHECIMENTO. IMPOSIÇÃO DE MULTA. AFASTAMENTO. 2. CLÁUSULA QUE ESTABELECE A RESPONSABILIZAÇÃO DA FATURIZADA, NÃO APENAS PELA EXISTÊNCIA, MAS TAMBÉM PELA SOLVÊNCIA DOS CRÉDITOS CEDIDOS À FATURIZADORA, INCLUSIVE COM AEMISSÃO DE NOTAS PROMISSÓRIAS DESTINADAS A GARANTIR TAL OPERAÇÃO, A PRETEXTO DE ATENDIMENTO AO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE E APLICAÇÃO DO ART. 290 DO CÓDIGO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE. VULNERAÇÃO DA PRÓPRIA NATUREZA DO CONTRATO DE FACTORING. RECONHECIMENTO 3. AVAL APOSTO NAS NOTAS PROMISSÓRIAS EMITIDAS PARA GARANTIR A INSOLVÊNCIA DOS CRÉDITOS CEDIDOS EM OPERAÇÃO DE FACTORING. INSUBSISTÊNCIA. INTERPRETAÇÃO DO ART. 899, § 2º, DO CÓDIGO CIVIL. 4. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

1. O aresto recorrido, coerente com o entendimento adotado, com suficiente fundamentação, não padece do vício de julgamento apontado. No entanto, não se pode deixar de reconhecer a absoluta pertinência da oposição dos embargos de declaração, para que a parte sucumbente, sobretudo em virtude da reforma da sentença de procedência, obtivesse, na origem, a efetiva deliberação judicial acerca de matéria relevante, a fim de autorizar seu questionamento perante esta Corte Superior. Afastamento da multa imposta.

2. O contrato de factoring não se subsume a uma simples cessão de crédito, contendo, em si, ainda, os serviços prestados pela faturizadora de gestão de créditos e de assunção dos riscos advindos da compra dos créditos da empresa faturizada. O risco advindo dessa operação de compra de direitos creditórios, consistente justamente na eventual inadimplência do devedor/sacado, constitui elemento essencial do contrato de factoring, não podendo ser transferido à faturizada/cedente, sob pena de desnaturar a operação de fomento mercantil em exame.

2.1 A natureza do contrato de factoring, diversamente do que se dá no contrato de cessão de crédito puro, não dá margem para que os contratantes, ainda que sob o signo da autonomia de vontades que regem os contratos em geral, estipulem a responsabilidade da cedente (faturizada) pela solvência do devedor/sacado. Por consectário, a ressalva constante no art. 296 do Código Civil - in verbis: "Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor" - não tem nenhuma aplicação no contrato de factoring.

3. Ratificação do posicionamento prevalecente no âmbito desta Corte de Justiça, segundo o qual, no bojo do contrato de factoring, a faturizada/cedente não responde, em absoluto, pela insolvência dos créditos cedidos, afigurando-se nulos a disposição contratual nesse sentido e eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring, cujo risco é integral e exclusivo da faturizadora. Remanesce, contudo, a responsabilidade da faturizadora pela existência do crédito, ao tempo em que lhe cedeu (pro soluto). Divergência jurisprudencial afastada.

4. A obrigação assumida pelo avalista, responsabilizando-se solidariamente pela obrigação contida no título de crédito é, em regra, autônoma e independente daquela atribuída ao devedor principal. O avalista equipara-se ao avalizado, em obrigações. Sem descurar da autonomia da obrigação do avalista, assim estabelecida por lei, com relevante repercussão nas hipóteses em que há circulação do título, deve-se assegurar ao avalista a possibilidade de opor-se à cobrança, com esteio nos vícios que inquinam a própria relação originária (engendrada entre credor e o avalizado), quando, não havendo circulação do título, o próprio credor, imbuído de má-fé, é o responsável pela extinção, pela nulidade ou pela inexistência da obrigação do avalizado.

4.1 É de se reconhecer, para a hipótese retratada nos presentes autos, em que não há circulação do título, a insubsistência do aval aposto nas notas promissórias emitidas para garantir a insolvência dos créditos cedidos em operação de factoring. Afinal, em atenção à impossibilidade de a faturizada/cedente responder pela insolvência dos créditos cedidos, afigurando-se nula a disposição contratual nesse sentido, a comprometer a própria existência de eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a operação de fomento mercantil, o aval ali inserido torna-se, de igual modo, insubsistente.

4.2 Esta conclusão, a um só tempo, obsta o enriquecimento indevido por parte da faturizadora, que sabe ou deveria saber não ser possível transferir o risco da operação de factoring que lhe pertence com exclusividade, e não compromete direitos de terceiros, já que não houve circulação dos títulos em comento.

5. Recurso especial parcialmente provido, apenas para afastar a multa imposta na origem.

(REsp n. 1.711.412, de Minas Gerais. Terceira Turma. Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. Julgado em 04/02/2021)

Conforme ensina Fábio Ulhoa Coelho1, "pelo contrato de fomento mercantil, um dos contratantes (faturizador) presta ao empresário (faturizado) o serviço de administração do crédito, garantindo o pagamento das...

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