Acórdão Nº 5005439-92.2022.8.24.0000 do Terceira Câmara de Direito Público, 24-05-2022

Número do processo5005439-92.2022.8.24.0000
Data24 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5005439-92.2022.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS

AGRAVANTE: CELESC DISTRIBUIÇÃO S.A. AGRAVADO: BERNARDO NUNES GONCALVES

RELATÓRIO

Cuida-se de Agravo de Instrumento, com pedido de tutela de urgência, interposto pela CELESC Distribuição S.A., contra decisão que, nos autos da "Ação de Obrigação de Fazer com Pedido de Tutela de Urgência" n. 5008605-17.2021.8.24.0082 ajuizada por Bernardo Nunes Gonçalves, deferiu o pedido antecipatório para que a concessionária promova a ligação do serviço de energia elétrica no imóvel do agravado situado na servidão Candido da Luz, nº 9, no bairro do Sambaqui, Florianópolis/SC.

Sustenta a concessionária agravante, em preliminar, a sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da ação principal e, por isso, deve ser extinto o feito, sem resolução do mérito, de acordo com o disposto no art. 485, inciso VI, do Código de Processo Civil de 2015. No mérito, asseverou "que inexiste qualquer ato abusivo por parte da Recorrente ao não fornecer energia elétrica ao (à) Agravado(a), vez que a Edificação/Residência está irregular, não tendo o Recorrido apresentado o competente Alvará de Licença e nem a regularidade do parcelamento do solo urbano quando da solicitação da ligação de energia elétrica"; que "não há previsão legal para ligações de unidades irregulares"; que inexiste "ilegalidade no fato de o Recorrido cumprir a legislação e exigir do consumidor apresente a devida autorização da Prefeitura Municipal".

Requereram, por isso, que seja concedida a tutela de urgência, "com a consequente reforma da r. decisão atacada, para diante da ilegalidade apresentada pelo Agravado identificada acima, ser suspenso o fornecimento de energia elétrica até que esse regularize seu imóvel ou apresente o Alvará de Licença construtiva emitido pelo Município de Florianópolis".

Foi indeferido o pedido liminar.

Com as contrarrazões, os autos foram encaminhados à douta Procuradoria-Geral de Justiça que, no parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Alexandre Herculano Abreu, opinou pelo conhecimento e provimento do recurso.

VOTO

Antes de adentrar na análise de mérito do presente recurso, cabe registrar que, como consabido, a via processual recursal do agravo de instrumento serve para o combate de decisões proferidas nos juízos originários, de forma que o exercício da instância recursal cinge-se a apreciar o acerto ou o desacerto da decisão recorrida, estando obstruído o exame de questões não tratadas pelo Juízo de origem, sob pena de caracterizar supressão de instância e ofensa ao duplo grau de jurisdição.

A propósito:

O agravo de instrumento constitui recurso que se presta tão só a apreciar o acerto ou desacerto da decisão vergastada, no momento em que foi proferida, razão pela qual é vedado ao juízo ad quem examinar elementos que não foram ainda apreciados pelo juízo de origem, sob pena de indevida supressão de instância e ofensa ao duplo grau de jurisdição. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 0011014-79.2016.8.24.0000, de Blumenau, Rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. em 10.05.2018).

O agravo de instrumento segue direcionado à análise do acerto ou desacerto da decisão agravada, de modo que apenas os tópicos submetidos ao crivo do juízo de origem poderão ser conhecidos. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4005669-64.2016.8.24.0000, de Joinville, Rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, Segunda Câmara de Direito Civil, j. em 22.03.2018).

Pois bem.

A demanda originária versa sobre pedido de fornecimento de energia elétrica em imóvel irregular e o presente agravo de instrumento foi interposto contra decisão da lavra da Juíza Substituta ERICA LOURENCO DE LIMA FERREIRA que deferiu o pedido liminar da ação para que a concessionária promova a ligação do serviço de energia elétrica no imóvel do agravado situado na Servidão Cândido da Luz, nº 9, no bairro do Sambaqui, Florianópolis/SC, nos seguintes termos:

"[...]

A probabilidade do direito está presente, e decorre do fato do imóvel encontrar-se em área urbana consolidada, o que dispensa a apresentação de alvará de construção ou habite-se para a providência pretendida pelo autor, nos termos do art. 11, inc. III, da Lei 13.465/2017, que dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana:

Art. 11. Para fins desta Lei, consideram-se:

III - núcleo urbano informal consolidado: aquele de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município;

Além disso, o autor comprovou que o imóvel está sendo regularizado por meio do processo de REURB-E nº 060579/2021 (evento 1, anexo 12).

O perigo de dano também está presente, pois consta da inicial que o autor e sua família residem no referido imóvel, sem poder usufruir de serviço público essencial, consistente no fornecimento de energia elétrica.

Diante do exposto, defiro o pedido de tutela provisória para determinar que a ré, no prazo de 05 (cinco) dias, contados da intimação desta decisão, instale e ligue a unidade consumidora de energia elétrica no imóvel do autor, com o respectivo relógio medidor, sob pena de multa diária que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais) para o caso de descumprimento, até o limite de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

Cite-se para apresentar resposta no prazo de 15 dias, a teor do art. 231, inciso I e art. 335, inciso III, ambos do CPC.

Diante da Resolução Conjunta GP/CCJ n. 6 de 21 de 9 de setembro de 2021 (art. 7º), indiquem as partes/procuradores se há interesse na realização de audiência virtual, oportunidade em que serão informadas do meio utilizado e do procedimento adotado.

Em caso de impossibilidade ou de desinteresse das partes e/ou dos procuradores em participar da audiência de conciliação virtual, o ato será realizado na forma presencial após o integral retorno das atividades normais do Poder Judiciário.

Intime-se a parte autora". (Evento n. 7, autos principais).

Em que pese a fundamentação exposta pela parte agravante, razão não lhe assiste.

A questão aqui discutida foi devidamente esclarecida por este Relator, quando da prolação da decisão liminar, que indeferiu o pedido de efeito suspensivo formulado nos presentes autos, tendo em vista a ausência no preenchimento dos requisitos imprescindíveis à concessão da medida liminar. Desta forma, com o intuito de evitar desnecessária tautologia, adotam-se como razões do presente voto os fundamentos consignados na referida decisão, nos seguintes termos:

"[...]

Primeiramente, não tem razão a concessionária agravante quanto à preliminar de ilegitimidade passiva que alegou.

Isso porque, na hipótese, a responsabilidade da CELESC é indiscutível, uma vez que foi ela própria a responsável direta pela negativa no fornecimento de energia elétrica à residência do agravado. Desse modo é insustentável a preliminar de ilegitimidade arguida pela concessionária (art. 485, inciso VI, do CPC/15), porquanto, na hipótese, resta configurada a responsabilidade da ré, que negou o fornecimento de energia elétrica à residência do agravado em razão da suposta irregularidade do imóvel.

Portanto, devidamente verificado que quem deu a negativa para o fornecimento de energia elétrica à casa do agravado foi a CELESC, essa circunstância lhe confere legitimidade para figurar sozinha no polo passivo da demanda.

Rejeita-se, pois, a preliminar suscitada pela agravante.

Superado este ponto, adianta-se, há que ser negado o pedido de efeito suspensivo almejado.

Isso porque, não obstante os argumentos levantados pela concessionária estarem em consonância com o entendimento deste Tribunal de Justiça, trata-se de caso excepcional que merece algumas considerações.

Destaca-se, por oportuno, que a matéria em questão já foi analisada em caso semelhante a este, inclusive pela Quinta Câmara de Direito Público, diga-se, com muita percuciência, pelo eminente Des. Hélio do Valle Pereira, quando do julgamento do Agravo de Instrumento n. 4005828-02.2019.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, j. em 6.6.2019. Veja-se a ementa:

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA - FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA - LEI DO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS QUE DISPENSA A APRESENTAÇÃO, À CELESC, DE ALVARÁ DE CONSTRUÇÃO E HABITAÇÃO - JURISPRUDÊNCIA RESTRITIVA DESTA CORTE EM CASOS INDIVIDUALIZADOS - RES. 414/2010 DA ANEEL - AUTORIZAÇÃO DE LIGAÇÃO PROVISÓRIA EM OCUPAÇÕES IRREGULARES POR POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA - COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE ENERGIA - INTERPRETAÇÃO CONFORME DA NORMA LOCAL, ADEQUANDO-SE À JURISPRUDÊNCIA E À RESOLUÇÃO DA AGÊNCIA. 1. O Ministério Público questiona, em ação civil pública, lei do Município de Florianópolis que admite o fornecimento de energia elétrica pela CELESC independentemente da apresentação de alvará de construção ou habitação. A tese do Parquet, essencialmente, é que a dispensa das tais licenças estimula a ocupação desordenada da cidade, e pede que a isenção seja suplantada judicialmente (o que foi atendido na origem). 2. Este Tribunal de Justiça - em situações individualizadas, é verdade - tem adotado um entendimento restritivo quanto ao fornecimento de energia elétrica em casos de ocupações irregulares. Nega-se, por regra, a ligação quando o imóvel do particular não conta com as autorizações necessárias do Poder Público para edificação ou se situa em espaços protegidos (no clássico exemplo, porque de fato muito comum nesta Corte, da construção em APP). Em vias excepcionas, não obstante, por vezes é promovida a mitigação dessa compreensão, como na hipótese de evidente zona urbana consolidada. 3. A Constituição estipula que é da competência privativa da União legislar sobre energia (art. 22, IV, CF) e explorar os serviços de energia elétrica (art. 21, XII, "b", CF). O STF em casos diversos, mas nos quais é possível identificar uma ratio comum, prestigia essa atribuição do ente de maior envergadura e restringe a iniciativa dos demais que interfiram...

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