Acórdão Nº 5005453-32.2021.8.24.0026 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 25-08-2022

Número do processo5005453-32.2021.8.24.0026
Data25 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5005453-32.2021.8.24.0026/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: DALMA DA SILVA PEDRO (AUTOR) APELADO: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

DALMA DA SILVA PEDRO interpôs recurso de apelação contra a sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau Rogério Manke, nos autos da ação anulatória c/c indenizatória proposta contra BANCO BRADESCO S.A., em curso perante o juízo da 1ª Vara da Comarca de Guaramirim, que julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:

Trata-se de Ação de Declaração de Inexistência de Débito c/c Restituição de Valores e Indenização por Danos Morais ajuizada por DALMA DA SILVA PEDRO contra BANCO BRADESCO S.A. na qual a parte ativa relata que: a) acreditou ter pactuado contrato de empréstimo consignado junto à requerida, quando na verdade se tratava de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (contrato nº de proposta 1642627), com desconto sobre a RMC de R$ 49,90 mensais no seu benefício previdenciário; b) tem direito à restituição em dobro dos valores descontados indevidamente, a ser apurado em liquidação de sentença e c) sofreu dano moral em razão dos descontos indevidos por contrato que não solicitou a ser indenizado no valor de R$ 10.000,00. Ao final requereu a declaração de inexistência do débito, bem como a procedência dos demais pedidos. Requereu a concessão da Justiça Gratuita. Juntou documentos.

A justiça gratuita foi concedida.(Ev. 5).

Citada (Ev. 10), a ré apresentou contestação (Ev. 12) arguindo, preliminarmente: a) inépcia da inicial por ausência de provas acerca do danos e b) irregularidade na representação processual. No mérito, sustentou, em síntese, que: a) o autor contratou o cartão de crédito com reserva de margem consignável (contrato nº de proposta 1642627) na data de 19/03/2019; b) o autor realizou compras com o cartão de crédito, o que demonstra a ciência inequívoca da contratação de cartão de crédito e não de empréstimo consignado e c) a contratação é válida, pois a autora foi devidamente informada acerca dos termos da contratação, sendo celebrada com sua autorização mediante documentos pessoais e assinatura. Ao final, requereu a improcedência dos pedidos autorais. Juntou documentos.

A parte autora apresentou réplica no Ev. 15.

Intimada as partes sobre a produção de provas, a ré requereu o julgamento antecipado da lide (Ev. 22), quedando-se silente a parte autora.

É o relatório.

Os autos vieram conclusos para sentença.

FUNDAMENTAÇÃO

Trata-se de Ação de Declaração de Inexistência de Débito c/c Restituição de Valores e Indenização por Danos Morais ajuizada por Dalma da Silva Pedro contra Banco Bradesco S.A. na qual a parte ativa requer a condenação da parte requerida à restituição em dobro dos valores descontados indevidamente do seu benefício previdenciário, bem como indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00.

Conheço diretamente do pleito inicial, conforme permissivo do artigo 355, I, do Código de Processo Civil. Os aspectos decisivos da causa estão suficientemente líquidos, pelo o que prescindem de dilação probatória, pois verifico a existência de elementos suficientes à formação do convencimento motivado além do que, intimada, as partes não requereram outras provas.

Neste sentido:

Cabe ao magistrado verificar a existência de provas suficientes nos autos para ensejar o julgamento antecipado da lide ou indeferir a produção de provas consideradas desnecessárias, conforme o princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional. (STJ, AgRg no AREsp n. 852.090/SC, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 10.05.2016).

Inicialmente, mantenho a concessão da Justiça Gratuita, visto que a parte ré não trouxe nenhum elemento probatório no sentido de indicar que, diversamente do decidido, aparte autora tenha condições de arcar com as despesas processuais.

No que tange à representação processual, constando que o advogado Jefferson Lauro Olsen está devidamente subscrito na OAB/SC, conforme procuração ad judicia de Ev. 1, doc. 2, não há falar em indevida representação processual da parte autora.

Ainda, a preliminar de inépcia da inicial deve ser rejeitada ante à juntada dos documentos essenciais à propositura do feito em conformidade com os arts. 319 e 320 do CPC. Outrossim, as provas serão analisadas no mérito e mediante a observância da distribuição do ônus processual.

Verifico, assim, estarem presentes os pressupostos processuais de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo. Concorrem ao caso as condições da ação, como a legitimidade das partes e o interesse processual, entendidas como de direito abstrato. Também não se vislumbra qualquer vício processual, estando ausentes as hipóteses dos artigos 485 e 330, ambos do Código de Processo Civil.

A petição é apta e o procedimento correspondente à natureza da causa. A pretensão deduzida não carece de pedido ou causa de pedir. Ademais, o pedido é, em tese, juridicamente possível, não havendo incompatibilidade de pedidos, sendo que, a princípio, da narração dos fatos decorre logicamente a conclusão.

Passo, então, à análise meritória.

Mérito

Da incidência do Código de Defesa do Consumidor

O direito do consumidor exsurge com a finalidade de garantir isonomia nas relações de consumo por meio de proteção à parte vulnerável desta relação jurídica - consumidor -, em detrimento da parte detentora de maior capacidade técnica, fática e jurídica, que é o fornecedor do produto ou do serviço.

Assim, a Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) veio definir os sujeitos da relação de consumo:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

[...]

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

No caso concreto, resta evidente a relação de consumo, uma vez que requerente e requerida se encaixam nos conceitos de consumidor e fornecedor, nos termos do art. e , caput, e § 2° do Código de Defesa do Consumidor.

No mais, o STJ já pacificou o entendimento por meio da Súmula 297 ao determinar que "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Da declaração de inexistência do débito

Em linhas gerais, a parte autora relatou na inicial que sofreu ofensa à sua honra subjetiva, visto que acreditou ter contratado empréstimo consignado junto à ré, mas posteriormente tomou ciência de que se tratava de um contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, o que em momento algum autorizou.

Diante do panorama desenhado, observo que a parte autora alegou fato negativo: a inexistência de relação negocial entre as partes que pudesse dar origem ao débito cobrado.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, replicando entendimento do Superior Tribunal de Justiça, já se manifestou sobre a solução em caso de colisão de fato negativo com fato positivo, no sentido de que aquele que alega o fato positivo deve prová-lo:

Na colisão de um fato negativo com um fato positivo, quem afirma um fato positivo tem de prová-lo, com preferência a quem afirma um fato negativo" (AgRg no Ag 1181737/MG, Min. Arnaldo Esteves Lima). 2. Pela própria dimensão da conduta ilícita, a utilização do nome do autor e de seus documentos, sem autorização, para a contratação dos serviços de publicidade e instalação de linha telefônica são hábeis a assolar a esfera íntima daquele, ensejando o pleito de indenização por danos morais (TJSC, Apelação Cível n. 2011.093440-6, de Itajaí, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 26-02-2013).

No caso em testilha, a parte ré, ao acentuar o consenso da parte autora em relação ao contrato pactuado, trouxe o "Proposta para Emissão de Cartões de Crédito Consignado Bradesco", nº de proposta 1642627 juntamente com a cópia de seus documentos pessoais (Ev. 12, doc. 3) e as faturas do cartão de crédito consignado (Ev. 12, doc. 5).

Em análise detida às faturas do cartão de crédito, observa-se que a autora utilizou o plástico para realizar diversas compras no mercado de consumo, sendo que os registros estão em todas as faturas trazidas pela ré desde 08/08/2019 até 08/06/2021 (Ev. 12, doc. 5).

Assim, utilizou e vem utilizando fartamente o cartão de crédito desde o tempo da contratação, o que demonstra ciência das cláusulas contratuais do contrato de cartão de crédito, não havendo falar em vício de consentimento por acreditar estar contratando empréstimo consignado.

Nesse sentido, cito o seguinte precedente:

NULIDADE DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO, RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. APELO DO DEMANDANTE. DESCONTOS, EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, CONCERNENTES À RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) PARA PAGAMENTO MÍNIMO DE FATURA DE CARTÃO DE CRÉDITO. NULIDADE DA CONTRATAÇÃO NÃO EVIDENCIADA. CARTÃO DE CRÉDITO UTILIZADO PELO CONSUMIDOR EM SUA FUNÇÃO PRECÍPUA, QUAL SEJA, REALIZAÇÃO DE COMPRAS. VÍCIO DE CONSENTIMENTO INEXISTENTE. A oferta de cartão de crédito com reserva de margem consignável nos benefícios previdenciários dos consumidores é ilegal quando não reflete o desejo do contratante, que externava a intenção de contrair mero empréstimo consignado com taxas inferiores, e também abusiva, por violar o dever de informação, notadamente em relação à natureza da pactuação. Todavia, é certo que o uso do cartão de crédito para realização de compras no comércio (função precípua do plástico, frisa-se), demonstra que a consumidora tinha ciência da modalidade contratual pactuada, o que derrui a tese calcada na ocorrência de vício na manifestação de vontade e acarreta a improcedência da pretensão inicial. (TJSC, Apelação n. 5006275-34.2021.8.24.0054, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Gilberto Gomes de Oliveira, Terceira Câmara de Direito...

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