Acórdão Nº 5005459-31.2023.8.24.0103 do Segunda Câmara Criminal, 26-03-2024

Número do processo5005459-31.2023.8.24.0103
Data26 Março 2024
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão










Recurso em Sentido Estrito Nº 5005459-31.2023.8.24.0103/SC



RELATOR: Desembargador ROBERTO LUCAS PACHECO


RECORRENTE: AMILTON JOSE CIDRAL (RECORRIDO) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (RECORRENTE)


RELATÓRIO


Na comarca de Araquari, o Ministério Público ofereceu denúncia contra Eduardo Teixeira, Djonattas Willian da Rocha, Valtecir Rosa, Jones Lopes dos Santos, Rafael Luciano Dutra, Amilton José Cidral, Valtencir Alves de Quadros, Gilberto Alves de Lima e Pâmela Cristina Ferreira dos Santos, imputando-lhes a prática das condutas descritas no art. 121, § 2º, I e IV, por cinco vezes, e art. 121, § 2º, I e IV, combinado com o art. 14, II, por duas vezes, todos do Código Penal, pelos fatos assim narrados na peça acusatória (evento 1, DENUNCIA1 - ipsis litteris, com notas de rodapé adicionadas ao texto entre colchetes):
Homicídios qualificados consumados
No dia 6 de dezembro de 2019, por volta das 14h, na rua Prefeito Itamar Bertino Cordeiro, Centro, na localidade popularmente conhecida como "área de invasão", na Cidade de Araquari, os denunciados mataram Cristiane Teixeira Eufrásio [Laudo Pericial n. 9406.19.06092], Jair Cordeiro [Laudo Pericial n. 9406.19.06090], Marquesom da Silva Ferreira [Laudo Pericial n. 9406.19.06093], Samuel Rodrigues de Lima [Laudo Pericial n. 9406.19.06091] e Zilda Agripina da Silva [Laudo Pericial n. 9406.19.06094], mediante o disparo de diversos projéteis de arma de fogo.
Depreende-se da investigação realizada que os denunciados integram a Organização Criminosa autodenominada de "PGC - Primeiro Grupo Catarinense", e que a motivação da chacina promovida pelo grupo consistiu em disputas em relação a pontos de comercialização de drogas.
A partir da análise do aparelho celular do denunciado Rafael Luciano Dutra, apreendido quando da lavratura do Auto de Prisão em Flagrante n. 459.2019.103, e primordialmente das mensagens trocadas entre os membros da mencionada facção no aplicativo Whatsapp Messenger, logrou-se identificar a participação direta dos denunciados na empreitada criminosa que ceifou a vida das vítimas referidas.
Do teor das mensagens verifica-se que a "ordem de missão" - no caso, o assassinato das vítimas como forma de quitação de dívidas perante os membros inadimplentes - foi emanada pelos denunciados EDUARDO TEIXEIRA, DJONATTA WILLIAN DA ROCHA, JONES LOPES DOS SANTOS e VALTECIR ROSA.
Cabe destacar que o denunciado EDUARDO TEIXEIRA integra o chamado "2º Ministério" e, como tal, é um dos líderes da organização, a quem cabe a responsabilidade de repassar aos faccionados da base as ordens e diretrizes oriundas diretamente do Primeiro Ministério. Nessa condição, tinha pleno conhecimento e domínio de fato sobre as ações empreendidas pelos demais denunciados com o fim de praticar a chacina.
DJONATTAS WILIAN DA ROCHA (.40, Pipoca ou Maquinista) tinha a função de "Disciplina Geral", a quem incumbe atividades como organizar o tráfico de drogas nas cidades de Araquari e Balneário Barra do Sul, distribuir os locais que ocorrem a traficância, controlar as dívidas de revendedores e usuários e, fundamentalmente, aplicar sanções a quem violar as regras impostas pela organização. Nesse condição, DJONATTAS chefiava e controlava a ação dos demais agentes.
JONES LOPES DOS SANTOS e VALTECIR ROSA também integram a Cúpula da Célula da Facção Criminosa atuante em Araquari e Balneário Barra do Sul e, sob o comando de EDUARDO e DJONATTAS, participam ativamente da organização, distribuindo tarefas, definindo lista de devedores e forma de cobrança e estipulando as "missões", comumente consistentes em execuções de desafetos do grupo.
Na ocasião dos fatos, os denunciados DJONATTA WILLIAN DA ROCHA, VALTENCIR ALVES DE QUADROS e AMILTON JOSÉ CIDRAL, juntamente com outro indivíduo identificado apenas como Andy, se deslocaram até a residência palco dos acontecimentos, munidos com armas de fogo [Destaca-se que na residência foram encontrados diversos estojos de duas armas diferentes, de calibres .40 e .38, além de um revólver .38 cromado.], local onde iniciou-se um breve diálogo e logo após iniciaram-se os disparos repentinos que culminaram na morte de Cristiane, Jair, Marqueson e Samuel, os quais estavam no interior da casa, e de Zilda, idosa residente nas proximidades que acabou atingida por um projétil.
Os denunciados RAFAEL LUCIANO DUTRA e GILBERTO ALVES DE LIMA foram os responsáveis por garantir a fuga dos atiradores em uma motocicleta e em um veículo não identificados, fornecer "cobertura" para eventual aproximação policial e esconder as armas utilizadas no massacre.
No mesmo rumo, a denunciada PÂMELA CRISTINA FERREIRA DOS SANTOS, companheira de Djonatta, realizou a reserva de dois apartamentos no Hotel San Francisco, situado na Praia do Ervino, na cidade de São Francisco do Sul, para que os atiradores pudessem se evadir da ação imediata da polícia, demonstrando sua adesão e prévio conhecimento acerca do plano delituoso e rota de fuga utilizada.
Homicídios qualificados tentados
Nas mesmas circunstâncias de tempo, local e modus operandi, os denunciados tentaram matar as vítimas Gustavo Kuhnen e Leandro Selzlein, os quais também se encontravam nas imediações da residência, fatos que não se consumaram em razão do pronto atendimento médico recebido e dos projéteis não terem atingidos regiões vitais das vítimas.
Qualificadoras
Destaca-se que os crimes narrados na presente denúncia foram praticados por motivação fútil, decorrente do acerto de contas envolvendo o tráfico ilícito de drogas e disputa de pontos de comercialização.
Houve também a utilização de meio que dificultou a defesa dos ofendidos, visto que vários agentes efetuaram múltiplos disparos de forma repentina, diminuindo a possibilidade de defesa das vítimas.
Concluída a instrução, o juiz a quo pronunciou o réu Amilton José Cidral pela prática, em tese, dos delitos tipificados art. 121, § 2º, II e IV, por cinco vezes, e art. 121, § 2º, II e IV, combinado com o art. 14, II, por duas vezes, todos do Código Penal, para serem submetidos a julgamento pelo Tribunal de Júri (evento 9, SENT1).
Não resignado, o réu Amilton José Cidral interpôs recurso em sentido estrito (evento 589, MAND1). Em suas razões, requereu a despronúncia em razão da inexistência de indícios suficientes de autoria e falta de materialidade delitiva (evento 593, RAZRECUR1).
Foram apresentadas contrarrazões (evento 601, CONTRAZ1).
Em juízo de retratação, a decisão foi mantida por seus próprios fundamentos (evento 609, DESPADEC1).
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Genivaldo da Silva, que opinou pelo não provimento do recurso (evento 8, PARECER1)

VOTO


1 Fase da pronúncia
Inicialmente, impende tecer alguns comentários sobre os procedimentos relativos aos processos de competência do Tribunal do Júri.
Em relação ao processamento, notadamente no que concerne à decisão interlocutória que encerra a primeira fase e que culmina com a pronúncia do réu, disciplina o Código de Processo Penal:
Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.
§ 1.º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.
Logo, para que os acusados venham a ser pronunciados e tenham o seu julgamento em plenário, é necessária a existência de elementos que comprovem a materialidade do delito e a presença de indícios suficientes da autoria, prescindindo, nessa fase, de absoluta certeza quanto à prática ilícita e às peculiaridades que o crime possa envolver.
A propósito, leciona Fernando da Costa Tourinho Filho:
Dês que haja prova da materialidade do fato e indícios suficientes de que o réu foi o seu autor, deve o Juiz pronunciá-lo. A pronúncia é decisão de natureza processual, mesmo porque não faz coisa julgada, em que o Juiz, convencido da existência do crime, bem como de que o réu foi seu autor (e procura demonstrá-lo em sua decisão), reconhece a competência do Tribunal do Júri para proferir o julgamento [...] Mesmo que o Juiz fique na dúvida quanto à pronúncia, a jurisprudência entende deva ele proferi-la, porquanto não exige ela juízo de certeza. A pronúncia encerra, isto sim, juízo fundado de suspeita. Daí porque, na dúvida, deve o Juiz pronunciar. Havendo prova da existência do crime e indícios suficientes de que o réu foi o seu autor, deve o Juiz submetê-lo à decisão do Tribunal popular (Código de processo penal comentado. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.v. 2, p. 36 e 40).
Sobre o assunto:
Segundo o disposto no caput do artigo 413 do Código de Processo Penal, basta para a pronúncia do acusado o convencimento acerca da materialidade do fato e a existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, não se exigindo prova cabal como a necessária para alicerçar sentença condenatória proferida pelo Juiz Singular. A pronúncia nada mais é que o juízo de admissibilidade da acusação a ser apreciada com maior profundidade pelo Conselho de Sentença, juiz natural para o julgamento do mérito nos crimes dolosos contra a vida (Recurso Criminal n. 2012.047121-3, Quarta Câmara Criminal, de Joinville, rel. Des. Jorge Schaefer Martins, j. em 30.8.2012).
Assim, deve-se apenas perquirir se as provas coligidas nos autos são suficientes para justificar a suspeita em desfavor do acusado. Confirmada tal hipótese, a pronúncia revela-se imperiosa.
Feitas essas considerações, passa-se às teses recursais.
2 Despronúncia
Embora a defesa alegue a ausência de materialidade dos crimes, cumpre destacar estar ela satisfatoriamente comprovada no Boletim de Ocorrência (autos n....

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