Acórdão Nº 5005490-08.2022.8.24.0064 do Terceira Câmara Criminal, 26-07-2022

Número do processo5005490-08.2022.8.24.0064
Data26 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Execução Penal Nº 5005490-08.2022.8.24.0064/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5005490-08.2022.8.24.0064/SC

RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA

AGRAVANTE: GABRIEL LINS DE SOUZA NETO (AGRAVANTE) ADVOGADO: LUDMILA GRADICI CARVALHO DRUMOND (DPE) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVADO)

RELATÓRIO

Gabriel Lins de Souza Neto interpôs agravo em execução penal contra contra a decisão da Vara de Execuções da Comarca de São José que, dentre outras providências, indeferiu o pedido de afastamento do caráter de crime equiparado a hediondo da conduta prevista no art. 33, caput, da Lei 11.343/06 e a consequente adequação da fração para fins de progressão de regime e/ou concessão do livramento condicional (Seq. 93.1 dos autos n. 0106644-11.2007.8.24.0023 - SEEU).

Irresignado, o agravante alegou, em síntese, que o crime de tráfico de drogas não é considerado hediondo e que, após a revogação do art. 2º, §2º, da Lei 8.072/90 pela Lei 13.964/2019 (pacote anticrime) "não há nenhum dispositivo legal que "equipara" o tráfico de drogas aos crimes hediondos ou que preveja a aplicação de fração específica para progressão de regime em relação a este delito". Acrescenta ser "forçoso reconhecer que a progressão do crime de tráfico de drogas está condicionada ao cumprimento de 1/6 da pena, como todos os crimes comuns". Com isso, requer "que seja deferida a aplicação retroativa da lei posterior mais benéfica ao apenado, com o consequente afastamento da hediondez por equiparação do crime de tráfico de drogas, condicionando-se a progressão de regime ao cumprimento de 1/6 da pena e o livramento condicional ao cumprimento de 1/3 da pena, se primário, ou de ½ da pena, em caso de reincidência" (Evento 1 - Petição Inicial).

Foram apresentadas as contrarrazões (Evento 11).

A decisão agravada foi mantida (Evento 5).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Pedro Sérgio Steil, pelo conhecimento e desprovimento do agravo (Evento 8 - 2º Grau).

Em decisão monocrática proferida por esta Relatoria, nos termos do art. 132, XV, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, negou-se provimento ao recurso (Evento 10).

Em face disso, a defesa interpôs agravo interno, em cujas razões, em síntese, além de apontar dados do sistema prisional brasileiro, sustenta que "não existe a categoria legal dos "crimes equiparados a hediondos" e que não é possível atribuir tal caráter ao crime de tráfico de drogas, a despeito do art. 5º, XLIII, da Constituição Federal e art. 112, §5º, da Lei de Execução Penal. Acrescenta que "com a entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, que revogou o art. 2.º, § 2.º, da Lei n. 8.072/1990, simplesmente deixou de subsistir qualquer dispositivo legal que exija um requisito temporal específico para a progressão de regime dos condenados por tráfico de drogas". Com isso, requer a submissão do caso à análise do Órgão Colegiado, a fim de afastar o caráter equiparado a hediondo do crime de tráfico de drogas, com a conseguinte alteração da fração exigida para fins de progressão e/ou de concessão do livramento condicional (art. 112, I e II, da LEP) (Evento 18).

Este é o relatório.

VOTO

Presentes os seus pressupostos intrínsecos e extrínsecos, conhece-se do presente recurso.

O agravo interno manejado por Gabriel Lins de Souza Neto objetiva reformar decisão monocrática proferida por esta Relatoria, nos termos do art. 132, XV, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que negou provimento ao recurso em agravo em execução por si interposto, no qual se sustenta que o crime de tráfico de drogas, após o advento da Lei 13.964/2019 (pacote anticrime), não poderia ser equiparado a crime hediondo, motivo pelo qual seria devida a alteração da porcentagem exigida para fins de progressão e/ou para a concessão do livramento condicional (art. 112, I e II, da LEP).

Não foram levantadas preliminares.

No mérito, a defesa além de apontar dados do sistema prisional brasileiro, sustenta que "não existe a categoria legal dos "crimes equiparados a hediondos" e que não é possível atribuir tal caráter ao crime de tráfico de drogas, a despeito do art. 5º, XLIII, da Constituição Federal e art. 112, §5º, da Lei de Execução Penal. Acrescenta que "com a entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, que revogou o art. 2.º, § 2.º, da Lei n. 8.072/1990, simplesmente deixou de subsistir qualquer dispositivo legal que exija um requisito temporal específico para a progressão de regime dos condenados por tráfico de drogas". Com isso, requer a submissão do caso à análise do Órgão Colegiado, a fim de afastar o caráter equiparado a hediondo do crime de tráfico de drogas, com a conseguinte alteração da fração exigida para fins de progressão e/ou de concessão do livramento condicional (art. 112, I e II, da LEP) (Evento 18).

Sem razão, no entanto.

Ingressando no mérito, de acordo com o Relatório da Situação Processual Executória, infere-se que o apenado Gabriel Lins de Souza Neto cumpre pena total de 43 (quarenta e três) anos, 6 (seis) meses e 14 (quatorze) dias de reclusão, pela prática do crimes comuns e delito de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei 11.343/06 - autos n. 5020822-83.2020.8.24.0064), encontrando-se atualmente recolhido em regime semiaberto:

Após pedido formulado pelo apenado (Seq. 81.1), o Magistrado de origem negou o pretenso afastamento do caráter equiparado a hediondo do crime de tráfico de drogas, o que fez nos seguintes termos (Seq. 93.1 - SEEU):

Cuido de pedidos de renovação de saída temporária e afastamento da hediondez do crime de tráfico de drogas para fins de progressão de regime e livramento condicional, formulados em favor do apenado GABRIEL LINS DE SOUZA NETO (seq. 81.1).

Instado, o Ministério Público manifestou-se pelo deferimento parcial do pleito (seq. 90.1). Decido.

1. Do pedido de afastamento da hediondez do crime de tráfico de drogas

Em que pese a argumentação defensiva, razão não lhe assiste.

A entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, popularmente denominada como "Pacote Anticrime" , trouxe uma série de significativas mudanças para ordenamento jurídico brasileiro. Algumas delas com aplicação retroativa, em razão de seu favorecimento aos réus/apenados, outras com aplicação apenas a partir da entrada em vigor, já que notoriamente prejudiciais aos apenados/réus.

In casu, a defesa argumenta que, com a entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, o tráfico de drogas, previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, deixou de ser crime equiparado a hediondo para fins de progressão de regime, razão pela qual deve ser aplicada retroativamente a novel legislação, alterando-se os percentuais até então aplicados.

Ocorre que, a despeito da revogação parcial do art. 2º da Lei n. 8.072/1990, especificamente o § 2º do artigo mencionado, que estabelecia os percentuais para progressão de regime dos crimes hediondos e equiparados, verifica-se que previsão do caput, que além da Constituição Federal, equipara o crime de tráfico de drogas aos crimes hediondos, permanece intacta.

Assim, ainda que a novel legislação tenha modificado o local de previsão do percentual necessário para progressão de regime, em momento algum revogou, expressa ou tacitamente, a equiparação do crime de tráfico de drogas aos crimes hediondos, que está prevista no caput do dito artigo.

Gize-se, por oportuno, que sequer poderia, porquanto a equiparação decorre do previsto na Constituição Federal, que em seu art. 5º, inciso XLIII, estabelece que "a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;" Sobre o tema, colhe-se da doutrina: "A justificativa para o constituinte originário ter separado os crimes hediondos dos equiparados a hediondos está diretamente relacionada à necessidade de assegurar maior estabilidade na consideração destes últimos como crimes mais severamente punidos. Em outras palavras, a Constituição Federal autoriza expressamente que uma simples Lei Ordinária defina e indique quais crimes serão considerados hediondos. No entanto, para os crimes equiparados a hediondos, o constituinte não deixou qualquer margem de discricionariedade para o legislador ordinário, na medida em que a própria Constituição Federal já impõe tratamento mais severo à tortura, ao tráfico de drogas e ao terrorismo. (LIMA, 2015, p. 55)" Assim, evidenciada a não revogação da equiparação do crime de tráfico de drogas aos crimes hediondos, cabe registrar que é inviável a alteração do montante necessário para progressão de regime, já que o art. 112 da LEP, com a redação dada pela Lei n. 13.964/2019, estabeleceu patamares específicos para os condenados para crimes hediondos e equiparados (incisos V e VII), in verbis: "Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos: [...] V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário; [...] VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;" Acerca do assunto, colhe-se da mais recente jurisprudência: "AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. INSURGÊNCIA DA DEFESA CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE RETIFICAÇÃO DO PATAMAR DE PROGRESSÃO DE REGIME DE 2/5 PARA 1/6 EM RELAÇÃO À CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DE DELITO EQUIPARADO A HEDIONDO. ALEGAÇÃO DE QUE O REEDUCANDO FAZ JUS AO PATAMAR MAIS BRANDO, PORQUANTO AS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI N. 13.964/19 (PACOTE ANTICRIME) TERIAM AFASTADO A HEDIONDEZ DO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS. NÃO ACOLHIMENTO. NATUREZA EQUIPARADA A HEDIONDA DO CRIME QUE DECORRE DE PREVISÃO CONSTITUCIONAL. ADEMAIS, RESSALVA PREVISTA NO §5º, DO ART....

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