Acórdão Nº 5005549-30.2021.8.24.0064 do Quinta Câmara Criminal, 19-08-2021

Número do processo5005549-30.2021.8.24.0064
Data19 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Execução Penal Nº 5005549-30.2021.8.24.0064/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA

AGRAVANTE: EZEQUIEL DE MELLO (AGRAVANTE) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVADO)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de agravo em execução penal interposto por EZEQUIEL DE MELLO, por intermédio da Defensoria Pública do Estado, contra decisão proferida no processo de execução criminal 00011492320188240045, por meio da qual o juízo da Vara de Execuções Penais da Comarca de São José indeferiu pedido de retificação de cálculo de penas para efeito de progressão de regime, estabelecendo a necessidade de resgate de 60% (sessenta por cento) (3/5) da reprimenda referente à condenação do crime previsto no art. 157, § 3º, parte final, na forma do art. 29, ambos do Código Penal, imposta nos autos 00036031020178240045.

Em suas razões, a defesa requer o provimento do recurso, "a fim de que seja deferida a aplicação retroativa da lei posterior mais benéfica ao apenado no tocante ao crime hediondo com resultado morte, a fim de que a progressão de regime seja condicionada ao cumprimento de 50% da pena, nos termos do art. 112, VI, da LEP" (grifei).

Argumenta que as alterações promovidas pela Lei n. 13.964/19 modificaram os parâmetros para progressão de regime de modo que o(a) apenado(a), não reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado com resultado morte, deverá resgatar 50% (cinquenta por cento) (1/2) da sua condenação pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, a fim de ser transferido(a) para regime menos rigoroso, consoante interpretação do art. 112, VI, a, da Lei n. 7.210/84, incluído pela Lei n. 13.964/19 (ev. 1).

Apresentadas às contrarrazões (ev. 11) e mantida a decisão objurgada (ev. 13), os autos ascenderam à esta Corte.

Com vista, a Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer lavrado pelo(a) Exmo(a). Sr(a). Dr(a). Luiz Ricardo Pereira Cavalcanti, posicionou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (ev. 9).

É o relato do necessário.

VOTO

Infere-se do presente recurso e também dos autos principais que a Juíza de Direito Karina Maliska Peiter, na decisão atacada, entendeu pela inexistência de lei penal mais benéfica em decorrência da vigência da Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019, motivo pelo qual deixou de retificar o cálculo de benefícios do(a) agravante nos seguintes termos:

Trata-se de processo de execução penal de ZEQUIEL DE MELLO, já qualificado, no qual postula a aplicação retroativa de norma penal mais benéfica (pacote anticrime - Lei nº 13.964/2019).

Com vista dos autos, o representante do Ministério Público manifestou-se pelo indeferimento do pedido.

É o relato. Decido.

O art. 2º, § 2o, da Lei n. 8.072/90 (Lei n. 13.964/2019) disciplinava que:

[...]

Desta feita, nota-se que o legislador passou a exigir reincidência específica na prática de crime hediondo ou equiparado para a aplicação da fração de 3/5 (60%), não havendo previsão expressa, a partir da vigência do ''Pacote Anticrime'', para a aplicação da maior fração nos casos em que o apenado é reincidente em crime comum, não específico em crime hediondo.

Colhe-se da lição de Gustavo Junqueira, Patrícia Vanzolini, Paulo Henrique Fuller e Rodrigo Pardal:

Para o "reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado", a fração é de 60%, também equivalente aos 3/5 já previstos na legislação. Aqui, no entanto, é evidente a ocorrência de nova lei benéfica, se a reincidência não for específica na prática de crime hediondo ou equiparado. Na antiga legislação, era prevista a fração de 3/5 da pena para todo condenado por crime hediondo, se reincidente. Assim, não importava se a reincidência era específica em crime hediondo, ou não. Bastava a condenação por crime hediondo, e a reincidência do réu. Era realmente a interpretação que se extraía da letra do art. 2º, § 2º, da Lei de Crimes Hediondos: "A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente". Possível notar que pela antiga redação a reincidência exigida para aumentar o requisito temporal não é qualificada, ou seja, qualquer reincidência seria suficiente. A nova redação do art. 112 da LEP, por outro lado, exige uma reincidência qualificada, ou, nos termos legais, "reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado". A diferença é evidente, e deve ser respeitada.

A conclusão inafastável é que, para o reincidente específico em crime hediondo ou equiparado (hediondo + hediondo), o lapso para a progressão persiste o mesmo, de 60%, equivalente aos 3/5 da antiga lei. Para o condenado por crime hediondo que é reincidente, mas cuja condenação anterior se deu por crime não hediondo, deve ser reconhecida nova lei benéfica, com exigência de tão somente 2/5 da pena para progressão (Lei anticrime comentada: artigo por artigo. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 50-51).

Embora tratando do inciso IV do art. 112 da Lei de Execução Penal, que cuida dos reincidentes em crimes violentos (que segue a mesma linha dos delitos hediondos e equiparados, como destacado), Rogério Sanches Cunha esclarece:

O dispositivo faz referência à reincidência específica em crime com violência ou grave ameaça. Mas e se o reeducando for reincidente, mas não especifico, ou seja, somente um dos crimes, passado ou presente, tiver sido cometido com violência ou grave ameaça? Lendo e relendo o artigo em comento, concluímos que estamos diante de uma lacuna, cuja integração, por óbvio, deverá observar o princípio do in dubio pro reo. A fração deve ser a mesma do primário , levando-se em conta o crime pelo qual foi considerado reincidente: se violento, aplica-se a mesma fração do inciso III (25%); se não violento, a fração do inc. II (20%). Vamos deixar ainda mais claro nosso raciocínio com um exemplo: se o agente, tendo cumprido pena pelo crime de furto, comete delito de roubo, é reincidente, mas não específico em crime violento. Sendo o crime violento o delito pelo qual foi declarado reincidente, a fração da progressão segue o inc. III (25%). Num cenário diametralmente oposto, isto é, o roubo é o crime pretérito, sendo o furto o crime presente, a progressão nesse, caso, segue o inc. Il (20%) ( Pacote anticrime: comentários às alterações no CP, CPP e LEP. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 371).

Ainda que não seja entendimento unânime na Corte Catarinense, constam os julgados:

[...]

No caso em tela, observa-se que apenado foi condenado nos autos n. 0003603- 10.2017.8.24.0045, pela prática do crime de latrocínio consumado, razão pela qual o requisito objetivo para a progressão de regime foi fixado no patamar de 3/5 (três quintos) ante a condição de reincidente, nos termos do § 2º, do art. 2º, da Lei dos Crimes Hediondos.

Ocorre que, nos termos da manifestação do Ministério Público, o réu é condenado por crime hediondo, com resultado morte, de modo a atrair a previsão do art. 112, inc. VI, da LEP, com a redação conferida pela aventada Lei n. 13.964/2019(o pacote anticrime), com os seguintes termos:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:

[...]

V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;

VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:

a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional;

b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou

c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;

VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;

Percebe-se, pois, que o legislador conferiu regime mais gravoso ao condenado primário por crime hediondo ou equiparado com resultado morte, atribuindo-lhe o direito de progredir para o regime menos gravoso após o cumprimento de 50% (cinquenta por cento) da pena. Contudo, concomitantemente, vedou-lhe o direito à obtenção do benefício do livramento condicional.

Nesse contexto, acolho a manifestação ministerial, já que, de fato. a aplicação retroativa da supramencionada disposição, in casu, não será mais benéfica ao apenado.

Aliás, destaca-se acerca da inviabilidade de se aplicar a retroatividade apenas no tocante ao requisito objetivo. Afinal, mostra-se vedado ao juiz, diante do conflito de leis no tempo, combinar partes benéficas de cada norma, de forma a criar uma terceira regra inexistente.

A reincidência é circunstância de caráter pessoal, passível de reconhecimento pelo juízo da execução penal mesmo quando não considerada na sentença condenatória, e estende-se a todas as condenações impostas e somadas, ainda que ao tempo de alguma delas o apenado fosse primário. A reincidência exigida pelo art. 112 da Lei de Execução Penal, com a redação dada pela Lei 13.964/19, para o agravamento das frações de progressão de regime, é a específica em crimes da mesma natureza e, inexistente previsão quanto ao reincidente genérico, deve ser adequado à situação positivada ao condenado primário.

Não é permitido ao magistrado, diante de conflito de leis no tempo, mesclar as partes benéficas de cada norma, criando uma terceira, não prevista pelo legislador; a avaliação da lex mitior acontece casuisticamente , a fim de que, a depender do resultado da aplicação na íntegra de uma ou outra, se decida pela ultra-atividade da lei revogada ou a retroatividade da lei nova.

Se, ao calcular as frações que seriam necessárias para a progressão de regime de acordo com o ordenamento antes e depois da vigência da Lei 13.964/19, verifica-se que a incidência integral desta é mais favorável ao apenado que a normativa anterior...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT