Acórdão Nº 5005597-67.2021.8.24.0038 do Segunda Câmara Criminal, 14-09-2021

Número do processo5005597-67.2021.8.24.0038
Data14 Setembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5005597-67.2021.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL

APELANTE: SAMUEL INDALENCIO (ACUSADO) ADVOGADO: ANA PAULA ZAPELINI (OAB SC047975) ADVOGADO: ANTONIO LUIZ LAVARDA (OAB SC005689) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Joinville, o Ministério Público ofereceu Denúncia contra Samuel Indalêncio, dando-o como incurso nas sanções do art. 33, caput, c/c art. 40, VI, ambos da Lei n. 11.343/06, e art. 2º, §§ 2º e 4º, inciso I da Lei n. 12850/13, em razão dos fatos assim descritos (Evento n. 1):

[...] Ao menos a partir do início de 2021, o denunciado passou a integrar ativamente a organização criminosa armada Primeiro Grupo Catarinense - PGC, com atuação em todo estado de Santa Catarina, com vinculação aos delitos comuns a ela, especialmente, no caso, ao tráfico de drogas.

A organização criminosa Primeiro Grupo Catarinense, conhecida como PGC, criada no ano de 2013, como é de conhecimento público e notório, mantém a associação de mais de quatro pessoas, estrutura ordenada por regimento próprio com divisão de tarefas entre seu integrantes e objetiva a obtenção de vantagem pecuniária ilícita por meio do comércio de drogas e armas de fogo e prática de crimes patrimoniais de roubo e furto, entre outros, cujas penas máximas são superiores a 4 (quatro) anos.

Além disso, a organização criminosa PGC emprega armas de fogo para consecução de seus fins e envolve adolescentes nas suas atividades criminosas, sendo comum a organização determinar a morte com emprego de arma de fogo e com requintes de crueldade de integrantes de organizações rivais e de próprios membros que não sigam suas diretrizes.

Ainda, é exigido de seus integrantes o repasse de contribuições mensais denominadas "dízimos" e "sagrado", valores estes utilizados para o fortalecimento, estruturação e manutenção do grupo organizado.

Na estrutura da organização criminosa, o denunciado era responsável pelo recebimento e guarda das drogas pertencentes ao PGC em Joinville e região, assim como pela distribuição das mesmas para os integrantes que efetuavam a venda e repassavam os valores auferidos com a atividade para o PGC de modo a promover sua manutenção, fortalecimento e financiamento.

Assim, conforme função desempenhada na estrutura da organização criminosa, o denunciado recebeu no início do mês de fevereiro de 2021, aproximadamente 902kg (novecentos e dois quilogramas) de Maconha - substância capaz de causar dependência física e/ou psíquica conforme a Portaria 344/98 da ANV/MS -, proveniente do estado do Mato Grosso do Sul, pertencentes ao PGC, guardando-a no imóvel localizado no final da Estrada Quiriri, altura do poste 158, Distrito de Pirabeiraba, Joinville, alugado pela aludida organização para armazenamento e posterior distribuição da droga.

Para o êxito na guarda e na distribuição da maconha recebida, o denunciado era auxiliado pelo adolescente T. G. A. F., de 17 (dezessete) anos, também pertencente ao PGC, a quem incumbia a segurança da droga no imóvel, mediante a supervisão do denunciado.

No dia 3 de fevereiro de 2021, por volta das 11h30min, policiais militares apreenderam a aludida quantidade de Maconha guardada pelo denunciado e o adolescente em prol do PGC no referido imóvel localizado no final da Estrada Quiriri, Distrito de Pirabeiraba, Joinville, procedendo a detenção de ambos.

Ainda no imóvel, foram apreendidos uma balança de precisão utilizada para pesagem da maconha para sua distribuição, um aparelho celular, utilizado pelo denunciado e pelo adolescente no exercício da atividade ilícita, e um contrato de locação em nome de Adriana Waltmann. [...]

Encerrada a instrução, foi julgada procedente a Exordial para condenar Samuel Indalêncio à pena privativa de liberdade de 13 (treze) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente fechado, bem como ao pagamento de 920 (novecentos e vinte) dias-multa, na fração de 1/30 do salário mínimo vigente na data dos fatos, pelo cometimento do crime tipificado no art. 33, caput, c/c art. 40, VI, ambos da Lei n. 11.343/06, e art. 2º, §§ 2º e 4º, inciso I da Lei n. 12.850/13 (Evento n. 175).

Inconformada, a Defesa interpôs Recurso de Apelação, em cujas Razões (Evento n. 201) pleiteia, preliminarmente, pelo reconhecimento de nulidade do feito por ilegalidade na produção da prova, uma vez que decorrente de violação de domicílio (art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal).

No mérito, busca a absolvição por insuficiência probatória, com o reconhecimento do princípio do in dubio pro reo.

Alternativamente, em relação ao delito de tráfico ilícito de entorpecentes, requer a fixação da pena-base no mínimo legal, o afastamento da majorante descrita no art. 40, inciso VI, da Lei n. 11.343/06 e o reconhecimento da causa especial de diminuição de pena prevista no §4°, do artigo 33, da Lei n. 11.343/06, em seu grau máximo.

Almeja, ainda, quanto ao crime art. 2º, §§ 2º e 4º, inciso I, da Lei n. 12.850/13, a exclusão das majorantes do emprego de arma de fogo e envolvimento de crianças e adolescentes.

Por fim, pugna pela fixação de regime mais brando para o início do cumprimento da pena.

Apresentadas as Contrarrazões (Evento n. 205), os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra do Exmo. Sr. Dr. Rogério A. da Luz Bertoncini, manifestou-se pelo parcial conhecimento e, nesta extensão, não provimento do Apelo (Evento n. 8 - segundo grau).

Este é o relatório.

VOTO

O recurso merece ser conhecido, por próprio e tempestivo.

Da preliminar

O Apelante alega nulidade do feito por ilegalidade na produção da prova, uma vez que decorrente de violação de domicílio. Contudo, razão não lhe assiste.

Compulsando os autos, verifica-se que os Policiais Militares, após receberem denúncias dando conta que havia sido entregue uma carga de drogas pertencentes a organização criminosa PGC na residência localizada no final da Estrada Quiriri, na altura do Poste n. 158, cidade de Joinville, realizaram uma operação para averiguar a situação.

Na oportunidade, os Agente Públicos, ao se aproximarem da residência, avistaram os entorpecentes próximos à varanda onde se encontrava o adolescente T. G. A. de F., oportunidade em que procederam sua abordagem. Ainda, durante a ocorrência, chegou ao local o Apelante, o qual também foi abordado.

Ato contínuo, realizadas buscas na referida residência, foram localizadas "1 (uma) embalagem plástica verde contendo 12 (doze) porções de maconha, com peso total aproximado de 3530,0g, 192 (cento e noventa e duas) porções de maconha, acondicionadas individualmente em embalagem de fita adesiva parda, com peso bruto de 158000,0g e 34 (trinta e quatro) fardos embalados em fita adesiva parda, contendo, cada um, diversos tabletes de erva, apresentando a massa total de 742100,0g", balança de precisão, celular e um contrato de locação em nome de A. W.

Diante das circunstâncias, o Apelante e o adolescente T. G. A. de F. foram conduzidos até a Delegacia de Polícia e, naquela oportunidade, a Autoridade Policial lavrou o Auto de Prisão em Flagrante e de Apreensão por Ato Infracional.

Observa-se que a denúncia realizada aos Policiais Militares, através do número 190, apenas serviu de base para a investigação que resultou na confirmação da efetiva ocorrência dos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e integração de organização criminosa pelo Apelante e o adolescente.

É de se destacar que inexistem inconsistências nos depoimentos prestados pelos Policiais, os quais apresentam harmonia entre si e com o colhido na instrução. Aliás, não existem motivos para derruir a presunção de veracidade de seus testemunhos, inclusive, porquanto apresentados sob o crivo do contraditório.

Ainda, o fato de os policiais não terem realizado investigação prévia, campana e oitiva de testemunhas para corroborar a versão por eles apresentada, não encontra nenhuma mácula.

Vale ressaltar, que é dispensável a solicitação de Mandado Judicial em casos de crime de natureza permanente, pois o estado de flagrância se prolonga enquanto não cessar a permanência.

Ademais, a realização de um cerco na casa e a espera pela emissão do competente mandado possivelmente frustraria a ação dos policiais, uma vez que o material ilícito poderia ser dispensado.

Verifica-se, também, que os agentes policiais ao identificar uma situação de flagrante delito, tem o dever de agir, conforme art. 301, do Código de Processo Penal.

Nesse aspecto, cumpre esclarecer que não há nulidade nas diligências dos Policiais, uma vez que havia provas da realização dos crimes de tráfico de entorpecentes e de integrar organização criminosa, condutas que são de natureza permanente, prolongando-se o estado de flagrância enquanto não cessar sua permanência, conforme art. 303 do Código de Processo Penal, sendo desnecessário o competente Mandado.

Logo não prospera a alegação do Apelante de nulidade do feito, pois, conforme relato dos policiais, a situação de flagrante delito autorizou a entrada dos agentes públicos na residência.

A propósito, a busca domiciliar ou pessoal será procedida quando fundadas razões autorizarem, conforme art. 240, §1º, do Código de Processo Penal, como no caso em análise, visto que o Apelante foi preso em flagrante pela prática dos delitos de tráfico de entorpecentes e integrar organização criminosa.

Sobre o tema, leciona Renato Brasileiro de Lima:

Prisão em flagrante em crime permanente: crime permanente é aquele cuja consumação, pela natureza do bem jurídico ofendido, pode protrair-se no tempo, detendo o agente o poder de fazer cessar o estado antijurídico por ele realizado [...] a Constituição Federal autoriza a violação ao domicílio mesmo sem prévia autorização judicial (art. 5º, XI) (in Código penal comentado. 2 ed. Salvador: Juspodium, 217, p. 839).

A respeito do assunto, destaca-se desta Câmara, a Apelação Criminal n. 0004152-95.2017.8.24.0020, de Criciúma, de Relatoria do Desembargador...

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