Acórdão Nº 5005601-41.2020.8.24.0038 do Primeira Câmara de Direito Civil, 16-09-2021

Número do processo5005601-41.2020.8.24.0038
Data16 Setembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5005601-41.2020.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador GERSON CHEREM II

APELANTE: LINDALVA PIRES (AUTOR) APELADO: ZURICH MINAS BRASIL SEGUROS S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Cuida-se de agravo interno (art. 1.021, do CPC/15) interposto por Lindalva Pires contra a decisão monocrática que negou provimento ao apelo da autora, em ação de cobrança movida contra Zurich Minas Brasil Seguros S.A., nos seguintes termos (evento 8, eproc 2G):

Ante o exposto, com fulcro no art. 932, VIII, do CPC/15, c/c o art. 132, XV, do RITJSC, conheço do recurso e nego-lhe provimento. Fixo honorários sucumbenciais apelatórios em favor da recorrida, no importe de 2% (dois por cento) do valor atualizado da condenação, sustados nos termos do art. 98, § 3º, do CPC/15.

Custas pela recorrente, suspensas de acordo com o art. 98, § 3º, do CPC/15.

Inconformada, a agravante sustentou a impossibilidade de julgamento monocrático na hipótese. No mérito, reiterou a tese levantada em sede de apelo, apontando a existência de ofensa ao dever de informação da consumidora, pois não tivera prévio conhecimento sobre as limitações de cobertura do seguro. Pleiteou, assim, a reforma da decisão (evento 26, eproc 2G).

Com contraminuta (evento 29, eproc 2G), os autos vieram conclusos.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos legais, conhece-se do recurso.

O art. 1.021, caput, do CPC, autoriza a interposição de agravo interno, direcionado ao órgão colegiado, contra decisão monocrática proferida pelo relator.

Consabido igualmente que "compete à parte, ao fazer uso do referido recurso, atacar especificadamente os fundamentos da decisão agravada, não sendo suficiente a simples repetição de razões já expendidas no recurso anterior ou o ataque genérico do decisum. É preciso que a nova insurgência impugne, combata ou demonstre, através de uma argumentação própria e adequada, o desacerto daquilo que restou decidido, sob pena de não conhecimento (STJ, AgInt no AREsp nº 946.778/PR, rel. Min. Moura Ribeiro, j. em 21.02.2017; AgInt no REsp nº 1.628.702/GO, rel. Min. Assusete Magalhães, j. em 21.02.2017; AgInt no AREsp nº 979.739/RJ, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 16.02.2017; AgInt no AREsp nº 680.414/RJ, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. em 16.02.2017. Do TJSC: Agravo nº 0156237-34.2014.8.24.0000/50000, rel. Des. Rogério Mariano do Nascimento, j. em 23.02.2017; Agravo nº 0025883-47.2016.8.24.0000/50000, rel. Des. Eduardo Mattos Gallo Júnior, j. em 15.12.2016)." (Agravo n. 4017002-13.2016.8.24.0000, rel. Des. Luiz Antônio Zanini Fornerolli, j. em 30.03.2017).

O reclamo ataca decisório que negou provimento ao apelo da autora contra a sentença de parcial procedência do pleito de cobrança do seguro de vida em grupo.

1) Da legalidade do julgamento monocrático:

Inicialmente, citando precedentes, apontou a inviabilidade do julgamento monocrático operado pelo relator diante da ausência de entendimento uniforme no TJSC.

Como é cediço, o art. 1.021, caput, do CPC, autoriza a interposição de agravo interno, direcionado ao órgão colegiado, contra decisão proferida monocraticamente. Consoante o art. 932, VIII, do CPC/15, incumbe ao relator "exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal." Por sua vez, o art. 132, XV, do RITJSC/18, autoriza o relator a negar provimento ao recurso "quando esteja em confronto com enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal" (grifou-se).

Em suas razões recursais, a insurgente afirma que o caso não se amoldaria às hipóteses que viabilizam o julgamento unipessoal.

No entanto, a parte dispositiva indica com clareza as regras legais nas quais se fulcrou o julgamento realizado.

Há referência à norma do Regimento Interno, que prevê a possibilidade de o relator negar provimento ao recurso que esteja em confronto com enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça catarinense.

Outrossim, o corpo da decisão elenca quais os precedentes jurisprudenciais a amparar a negativa.

Verifica-se que a fluidez da fundamentação no corpo da monocrática faz coro às conclusões nela obtidas, no sentido de que a tese recursal confronta jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça, possibilitando assim o julgamento monocrático.

Malgrado as alegações da recorrente, a decisão proferida pelo signatário (evento 8, eproc 2G) encontra-se fulcrada na jurisprudência ampla e reiterada desta Corte de Justiça.

Sendo assim, a hipótese dos autos autorizava o julgamento pela via monocrática, na forma prevista em lei.

2) Do dever de informação e da cobertura contratual:

A insurgente reforça a incidência do Código de Defesa do Consumidor, com ênfase no dever de informação do fornecedor, descumprido pela seguradora, diante do desconhecimento prévio do conteúdo das cláusulas restritivas.

Razão não lhe assiste.

De plano, vale destacar o escólio de Arnaldo Rizzardo, para quem o seguro configura-se no negócio jurídico em que "um dos contratantes se obriga a indenizar o outro, ou terceiros, mediante o recebimento de determinada importância, denominada prêmio, de prejuízos decorrentes de riscos futuros e especificamente previstos" (in Contratos. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 539).

Com efeito, nos contratos de seguro torna-se possível listar as limitações à abrangência do risco, sobre o qual o prêmio é computado. As seguradoras não estão obrigadas a indenizar o bem submetido a qualquer tipo de dano, sem restrições, o que poderia inviabilizar a própria atividade delas.

Todavia, tais ressalvas devem seguir os ditames do Código de Defesa do Consumidor, cujo § 4º, do art. 54, determina:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. [...]§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

Se persistirem dúvidas acerca do significado e alcance dos termos contratuais, especialmente aqueles que limitam direitos do consumidor, a solução é dada pelo comando do art. 47 do CDC: "as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor". Aliás, o art. 46, do CDC, enuncia a imprescindibilidade da cognição prévia do contrato aos que a ele anuírem. Confira-se dos referidos dispositivos:

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Sobre o tema, leciona Nelson Nery Junior:

Os princípios da teoria da interpretação contratual se aplicam aos contratos de consumo, com a ressalva do maior favor ao consumidor, por ser a parte débil da relação de consumo. Podemos extrair os seguintes princípios específicos da interpretação dos contratos de consumo: a) a interpretação é sempre do que à literalidade da manifestação de vontade (art. 85, Código Civil); c) a cláusula geral de boa-fé reputa-se ínsita em toda relação jurídica de consumo, ainda que não conste expressamente do instrumento do contrato (arts. 4º, caput e nº III, e 53, nº IV, do CDC); d) havendo cláusula negociada individualmente, prevalecerá sobre as cláusulas estipuladas unilateralmente pelo fornecedor; e) nos contratos de adesão as cláusulas ambíguas e contraditórias ser fazem contra sitpulatorem, em favor do aderente (consumidor); f) sempre que possível interpreta-se o contrato de modo a fazer com que suas cláusulas tenham aplicação, extraindo-se delas um máximo de utilidade (princípio da conservação). (Grinover, Ada Pelegrini; et. al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 7. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 488/489).

Por outro lado, torna-se impossível a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC), porquanto "tal benefício não exclui a obrigação do recorrente de carrear aos autos elementos probatórios mínimos a corroborar seus argumentos" (AC n. 2013.059228-0, rel. Des. Jairo Fernandes Gonçalves, j. em 30.06.2014).

Cumpre observar, ainda, que as seguradoras fazem parte do Sistema Nacional de Seguro Privados (SNSP), encimado pelo Ministério da Economia, responsável por formular a política de seguros privados, estabelecer as normas e fiscalizar as operações no mercado nacional, o qual é igualmente integrado pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), com competência para regulamentar a oferta e fiscalizar a comercialização dos contratos de seguro.

O CNSP editou a Resolução n. 117/2004, consolidando as regras de funcionamento e os critérios para operação das coberturas de risco oferecidas em plano de seguro de pessoas, ao passo que a SUSEP publicou a Circular n. 302/2005, com normas complementares de funcionamento e os critérios para operação das coberturas de risco oferecidas em plano de seguro de pessoas, passando a prever as seguintes coberturas relacionadas à incapacidade do segurado: invalidez permanente por acidente (IPA); invalidez laborativa permanente total por doença (ILPD); e invalidez funcional permanente total por doença (IFPD).

Da mencionada Circular n. 302/2005 extraem-se vários conceitos:

Art. 11. A cobertura de invalidez permanente por acidente garante o pagamento de uma indenização relativa à perda, à redução ou à impotência funcional definitiva, total ou parcial, de um membro ou órgão por lesão física, causada por acidente pessoal coberto.[...]Art. 15. Garante o pagamento de indenização em caso de invalidez laborativa permanente total, conseqüente de doença.§ 1º Para todos os efeitos desta norma é considerada invalidez laborativa permanente total por doença aquela para a qual não se...

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