Acórdão Nº 5005666-78.2020.8.24.0024 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 14-06-2022

Número do processo5005666-78.2020.8.24.0024
Data14 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5005666-78.2020.8.24.0024/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5005666-78.2020.8.24.0024/SC

RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA

APELANTE: JOAO PASCOAL DA PAZ FELIZARDO (AUTOR) E OUTRO ADVOGADO: NERIANE OGNIBENE (OAB SC036127)

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por JOAO PASCOAL DA PAZ FELIZARDO e BANCO PAN S.A. contra sentença de procedência, oriunda da 1ª Vara da Comarca de Fraiburgo (evento 13), prolatada na denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, nos seguintes termos:

Ante ao exposto, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo procedentes os pedidos formulados por João Pascoal da Paz Felizardo na presente ação ajuizada em desfavor de Banco Pan S/A, extinguindo o feito com resolução do mérito, para:

a) declarar a nulidade a contratação do cartão de crédito com Reserva de Margem Consignável - RMC;

b) condenar a parte ré ao pagamento, em favor da parte autora, da importância de R$ 3.000,00 (três mil reais), a título de indenização por danos morais, com a incidência de correção monetária pelo INPC, a contar da data da publicação da presente sentença, e de juros de mora na monta de 1% ao mês, a partir do evento danoso, no caso, o primeiro desconto indevido;

c) condenar a parte ré a restituir em favor da parte autora, em dobro, os valores que lhe foram indevidamente descontados de seu benefício previdenciário, e cujo pagamento seja efetivamente comprovado pela parte autora em fase de liquidação de sentença, por mero cálculo aritmético, na forma do art. 509, § 2°, do novo Código de Processo Civil, com a incidência de correção monetária pelo INPC, a partir de cada desembolso indevido, e de juros de mora na monta de 1% ao mês a contar da citação, admitida a compensação entre créditos e débitos, nos termos da fundamentação. Os valores recebidos pela parte autora por meio dos saques deverão ser devolvidos devidamente corrigidos pelo índice da Corregedoria Geral de Justiça desde a data de cada saque, sem, contudo, a incidência de juros de mora.

Determino a imediata suspensão dos descontos relativos à reserva de margem consignável do benefício previdenciário da parte autora (n. 520.810.421-7).

Oficie-se ao INSS para suspender os descontos, em 10 (dez) dias, sob pena de desobediência.

Nada obstante a ordem ao INSS, determino ao requerido que promova os atos para suspender os descontos no prazo de 10 dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 500,00, limitada a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), sem prejuízo de, na eventual omissão, caracterizar ato de desobediência.

Registro, em tempo, que "É possível a cominação de multa diária para garantir a eficácia de provimento judicial que implique reconhecimento de obrigação de fazer ou de não fazer, na forma do art. 536, § 1º, do CPC e do art. 84 do CDC" (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4020105-91.2017.8.24.0000, de Criciúma, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 16-08-2018).

Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes últimos arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, na forma do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

Em suas razões recursais (evento 26), a casa bancária sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, o recorrido já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Diz que inexiste termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, que se dá na data do vencimento da fatura, que constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores. Também, afirma inexistir danos indenizáveis, requerendo, subsidiariamente, a minoração do "quantum". Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito, na forma simples.

Por sua vez, o autor (evento 18) requer a majoração dos danos morais, bem como dos honorários advocatícios.

Apesar de intimadas, apenas o autor apresentou contrarrazões (evento 33).

Este é o relatório.

VOTO

Insurgem-se ambos os litigantes contra sentença de procedência da ação declaratória de inexistência do contrato de cartão de crédito cumulada com repetição do indébito e indenização por danos morais.

Os pontos atacados nos apelos serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.

Contratação via cartão de crédito consignado (irresignação da ré)

Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.

No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que os valores depositados na conta bancária do autor, atualizados monetariamente pelo INPC, sejam compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pelo banco a título de RMC, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso.

Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência do demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.

Pois bem.

Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Nessa perspectiva, a concessão de crédito através dessas duas modalidades (empréstimo e cartão de crédito), mesmo na consignação, possui considerável distinção, especialmente em relação às taxas de juros e demais encargos, avistando-se maior onerosidade ao consumidor quando se vale do cartão de crédito em detrimento do empréstimo.

Isso se deve, por vezes, em razão de que "o consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, efetuou a contratação de um cartão de crédito, de onde foi realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Inclusive, é sabido que tal prática...

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