Acórdão Nº 5005695-67.2022.8.24.0054 do Quarta Câmara Criminal, 17-11-2022

Número do processo5005695-67.2022.8.24.0054
Data17 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Execução Penal Nº 5005695-67.2022.8.24.0054/SC

RELATOR: Desembargador ALEXANDRE D'IVANENKO

AGRAVANTE: DEIVID RICARDO LAURINDO (AGRAVANTE) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVADO)

RELATÓRIO

Trata-se de agravo em execução penal interposto pelo apenado Deivid Ricardo Laurindo, inconformado com a decisão (seq. 55.1 SEEU) proferida pelo Juízo da Vara Criminal da comarca de Rio do Sul , que, nos autos do PEP n. 0001774-53.2019.8.24.0035, indeferiu o afastamento do caráter hediondo (por equiparação) referente à condenação pelo crime de tráfico de drogas após a vigência da Lei n. 13.964/2019 para o fim de progressão de regime.

Em síntese, o agravante, representado por defensor constituído, alegou que diante das omissões legislativas, impõe-se a aplicação da analogia in bonam partem e a incidência dos princípios da legalidade, taxatividade e retroatividade da lei mais benéfica, razão pela qual, na análise do pedido de afastamento da hediondez do tráfico ilícito de entorpecentes para fins de progressão de regime, deverão ser aplicados estes mesmos parâmetros hermenêuticos dos delitos comuns.

Concluiu requerendo o provimento do recurso, objetivando o seguinte: "que seja determinado a realização de novos cálculos , para a concessão da progressão ao regime semiaberto; devendo ser considerados as frações de crime comum ( 1/6 ) para condenação pelo delito de tráfico de drogas com base na Lei n. 13.964/2019" (Evento 1 - petição inicial 1).

Com as contrarrazões (Evento 6), e mantida a decisão impugnada por seus fundamentos em atenção ao preconizado no art. 589 do Código de Processo Penal (Evento 8), os autos formados por instrumento ascenderam a esta Corte.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Marcílio de Novaes Costa, que se manifestou pelo conhecimento e não provimento do recurso (Evento 10 - promoção 1).

VOTO

O agravo é próprio (art. 197 da LEP), tempestivo (art. 586 do CPP), encontra-se regularmente processado e presente se faz o legítimo interesse recursal, motivos pelos quais deve ser conhecido.

Como visto, o apenado DEIVID RICARDO LAURINDO, ora agravante, cumpre pena privativa de liberdade de reclusão, pela prática do delito previsto no art. 33, "caput", da Lei 11.343/2006, e pretende seja afastada a natureza hedionda do crime de tráfico de drogas, ao argumento de que, com a vigência da Lei n. 13.964/2019, referido dispositivo não foi incluído no rol de crimes hediondos. E, assim, requer a alteração da fração necessária para a progressão de regime, como se crime comum fosse.

Razão não lhe assiste, adiante-se.

De início, cumpre salientar que recentemente diversos agravos têm surgido com a tese defendida pelo agravante. Essa tese jurídica está baseada em artigo publicado no site https://canalcienciascriminais.com.br/o-afastamento-da-hediondez-do-crime-de-trafico-ilicito-de-entorpecentes/, de autoria de Carlo Velho Masi, em 9-11-2021, além de outros textos doutrinários.

Embora se reconheça a validade da abordagem teórica e a discussão no campo doutrinário, é certo que a Lei n. 13.964/2019 não retirou o caráter de equiparado a hediondo do crime de tráfico de drogas, pelo qual o agravante resgata sua pena, nem mesmo para o fim de progressão de regime penitenciário.

Apenas no caso do tráfico de drogas no qual incide a causa de diminuição de pena, por se tratar de agente primário, de bons antecedentes, que não se dedica a atividades criminosas e não integra organização criminosa (art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06), é que se tem afastado a equiparação a hediondo, conforme já decidido pelo STF (HC 118.533/MS, j, 23-6-2016) e pelo STJ (AgRg no HC 455.227/SP, 13-11-2018).

Aliás, a tese jurídica ora posta em discussão já foi recentemente enfrentada - e rejeitada - por esta Corte, 09-11-2021, no julgamento do Agravo de Execução Penal n. 5004564-41.2021.8.24.0006, cujo relator foi o eminente Desembargador Sérgio Rizelo.

Eis a ementa do acórdão, que é autoexplicativa e aplica-se ao caso concreto:

RECURSO DE AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL. DECISÃO QUE INDEFERE RETIFICAÇÃO DO REQUISITO OBJETIVO DA PROGRESSÃO DE REGIME. RECURSO DO APENADO. TRÁFICO DE DROGAS (LEI 11.343/06, ART. 33, CAPUT). HEDIONDEZ EQUIPARADA (CF, ART. 5º, XLIII; LEI 8.072/90, ART. 2º, CAPUT). PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITO OBJETIVO. PRIMARIEDADE. 40% DA PENA (LEP, ART. 112, CAPUT, V). O crime de tráfico de drogas é, por força de previsão constitucional e legal, equiparado a hediondo, e o requisito objetivo para a progressão de regime referente a delito dessa natureza, quando se tratar de condenado primário ou não reincidente específico em crimes hediondos ou equiparados sem resultado morte, é de 40% da pena, nos termos do art. 112, caput, V, da Lei de Execução Penal. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Do corpo do acórdão se extrai a seguinte fundamentação, que se adota, inclusive, como razão de decidir:

A afirmação de que a Lei 13.964/19 afastou a hediondez equiparada do crime de tráfico de drogas e que, assim, a progressão para este delito seria na mesma porcentagem dos crimes comuns é evidentemente equivocada.Aliás, se assim tivesse ocorrido, seria o caso de arguir ao Órgão Especial deste Tribunal a inconstitucionalidade da norma, uma vez que o crime de tráfico de drogas é equiparado aos hediondos por força do disposto no art. 5º, XLIII, da Constituição da República: "a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem".A Lei 8.072/90 estabelece, em seu intocado art. 2º, caput, que "Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de" "anistia, graça e indulto" (inciso I) e "fiança" (inciso II).O crime de tráfico de drogas é, inegavelmente, equiparado a hediondo.Guilherme de Souza Nucci ensina:Figuras equiparadas aos delitos hediondos: a tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e o terrorismo somente não são considerados hediondos - embora sejam igualmente graves e repugnantes - porque o constituinte, ao elaborar o art. 5.º, XLIII, CF, optou por mencioná-los expressamente como delitos insuscetíveis de fiança, graça e anistia, abrindo ao legislador ordinário a possibilidade de fixar uma lista de crimes hediondos, que teriam o mesmo tratamento. Assim, essas três modalidades de infrações penais são, na essência, tão ou mais hediondas que os crimes descritos no rol do art. 1.º da Lei 8.072/90 (Leis penais e processuais penais comentadas. v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 534).Em 23.1.20, entrou em vigor a Lei 13.964/19, que expressamente revogou o art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90 (art. 19) e fixou novos percentuais para a progressão de regime na Lei de Execução Penal, a qual passou a centralizar a matéria. A exigência de maiores percentuais para a progressão quando a condenação decorrer da prática de crime hediondo ou equiparado, no entanto, persiste, e o art. 112, caput, I e V, da Lei de Execução Penal traz exatamente a situação do Agravante: "16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça" mais "40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário".Assim, com relação à pena do crime de tráfico de drogas, equiparado a hediondo, o...

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