Acórdão Nº 5005875-88.2022.8.24.0020 do Quinta Câmara Criminal, 05-05-2022

Número do processo5005875-88.2022.8.24.0020
Data05 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Execução Penal Nº 5005875-88.2022.8.24.0020/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

AGRAVANTE: KARLOS EDUARDO COSTA MACHADO (AGRAVANTE) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVADO)

RELATÓRIO

Cuida-se de agravo em execução interposto por Karlos Eduardo Costa Machado, inconformado com a decisão proferida pela Juíza de Direito da Vara de Execuções Penais da comarca de Criciúma (evento 29 dos autos n. 5011742-96.2021.8.24.0020 - Eproc), que extinguiu a execução da multa penal e manteve a punibilidade do agravante.

Em suas razões, o agravante postula a isenção da multa penal e a extinção de sua punibilidade (evento 01).

Foram apresentadas contrarrazões (evento 10) e após a manutenção da decisão a quo (evento 12), por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Dra. Gercino Gerson Gomes Neto, manifestando-se preliminarmente pela declaração dato de nulidade da decisão agravada, e quanto ao mérito, pelo conhecimento e desprovimento do apelo (evento 7).

Este é o breve relato.

VOTO

O recurso deve ser conhecido porquanto presentes os requisitos de admissibilidade.

Conforme sumariado, cuida-se de agravo em execução interposto por Karlos Eduardo Costa Machado, inconformado com a decisão proferida pela Juíza de Direito da Vara de Execuções Penais da comarca de Criciúma, que extinguiu a execução da multa penal e manteve a punibilidade do agravante.

O agravante busca a reforma da decisão que que extinguiu a execução da pena de multa, a pedido do Ministério Público, contudo manteve a punibilidade do recorrente. Postula a isenção da multa com a consequente extinção da punibilidade, alegando, em suma, a hipossuficiência de recursos e a extinção da punibilidade.

I - Nulidade - desistência da execução da pena de multa - ofensa ao princípio da indisponibilidade da ação penal

O Ilustre Procurador de Justiça alegou a existência de nulidade da decisão agravada, em razão do juízo de execução ter extinta a execução da pena de multa, acatando manifestação do Ministério Público de primeiro grau, o qual optou pela desistência da execução da pena de multa.

A decisão agravada foi assim fundamentada (evento 29 dos autos n. 5011742-96.2021.8.24.0020 do E-proc):

KARLOS EDUARDO COSTA MACHADO, qualificado nos autos, foi condenado(a) ao cumprimento da pena de 13 (treze) dias-multa, pela prática da conduta típica descrita no o art. 157, § 2º, II, do Código Penal (conforme sentença do evento 01). Da análise dos autos verifica-se que a sentença penal condenatória transitou em julgado para o Ministério Público, sendo, portanto, definitiva a pena irrogada ao(à) acusado(a). Em face disso, o representante do Ministério Público, tendo em vista o julgamento pelo STF da ADI n. 3150, onde foi estabelecida a competência para cobrança da multa penal, impetrou a presente demanda. O juízo então determinou a citação do(a) executado(a). O(A) reeducando(a) foi devidamente citado(a), consoante o contido no evento 16. Após, aportou aos autos informação de que decorreu o prazo da citação do(a) reeducando(a), sem que este(a) tenha efetuado o pagamento da pena de multa ou tenha pedido o parcelamento, tampouco garantiu o Juízo. Ato contínuo, tentou-se a realização da constrição sobre bens do (a) reeducando(a), observado o valor da dívida. Por sua vez, o exequente, no caso o Ministério Público, desistiu da ação expropriatória, consoante podemos extrair do evento 27. Após o regular trâmite, os autos vieram conclusos. FUNDAMENTAÇÃO A ação executiva é desenvolvida no interesse do credor, que dela pode desistir a qualquer momento, independentemente da anuência da parte adversa, ressalvada a hipótese de impugnação ou embargos que não versem apenas sobre questões processuais, conforme art. 775 do CPC, a saber: O exequente tem o direito de desistir de toda a execução ou de apenas alguma medida executiva. Parágrafo único. Na desistência da execução, observar-se-á o seguinte: I - serão extintos a impugnação e os embargos que versarem apenas sobre questões processuais, pagando o exequente as custas processuais e os honorários advocatícios; II - nos demais casos, a extinção dependerá da concordância do impugnante ou do embargante. Consoante podemos verificar dos autos, não é necessário que a parte executada concorde com o pedido, uma vez que esta não apresentou qualquer insurgência acerca da presente demanda (impugnação ou embargos). DIANTE DO EXPOSTO: Julgo extinta a presente execução, sem resolução de mérito, com base no art. 775 do CPC, diante do pedido de desistência realizado pelo representante do Ministério Público. Desconstituo eventual penhora efetuada neste processo, devendo ser realizadas as comunicações necessárias para levantamento da constrição. Por fim, comunique-se ao Juízo da condenação, da presente decisão, para fins de inscrição do(a) apenado(a) em dívida ativa. Quanto ao pedido de comunicação da desistência do feito à Procuradoria do Estado da Fazenda Pública, dispensa-se a formalidade, uma vez que ocorrendo a inscrição na dívida ativa pelo juízo de origem, referida comunicação irá ocorrer automaticamente (em face da aludida inscrição).

Referida decisão, como já mencionado acima, acolheu o pedido do Ministério Público de primeiro grau, o qual justificou a desistência da execução da pena de multa em razão de ter mudado de entendimento (somente executaria multas de valor igual ou superior a R$ 1.212,00), bem como alegou o excesso de demandas por ele ajuizadas, falta de estrutura e, por fim, ofensa aos princípios da razoabilidade e economicidade.

Pois bem.

A preliminar deve ser acolhida.

Isso porque vigora em nosso sistema Processual Penal o princípio da indisponibilidade da ação penal (art. 42 do CPP), segundo o qual "O Ministério Público não poderá desistir da ação penal."

Sobre o referido princípio ensina Gustavo Henrique Badaró:

O princípio da indisponibilidade significa que, uma vez proposta a ação penal de iniciativa pública, que é obrigatória, o Ministério Público não poderá dispor da pretensão formulada. Neste sentido, a indisponibilidade (posterior ao exercício do direito de ação) seria um complemento do princípio da obrigatoriedade (anterior ao exercício do direito de ação). O art. 42 do CPP prevê que a ação penal, uma vez proposta, será indisponível. Aponta-se como manifestações desse princípio a possibilidade de o juiz condenar o acusado, mesmo que o Ministério Público tenha se manifestado pela absolviçao (CPP, art. 385), e a impossibilidade de o Ministério Público desistir de recurso interposto (CPP, art. 576). (Processo Penal, 8ª edição revista, atualizada e ampliada - São Paulo:Thonson Reuter Brasil, 2020, pág. 228).

Conforme bem resumido pelo ilustre Doutrinador, o princípio da indisponibilidade seria um complemento do princípio da obrigatoriedade, o qual incide anterior ao exercício da ação, enquanto que o primeiro incide posteriormente ao exercício do direito de ação.

Quanto a indisponibilidade da ação penal, traz-se julgado deste Sodalício sobre a matéria:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. JÚRI. CRIME CONTRA A VIDA. HOMICÍDIO TENTADO (ART. 121, CAPUT, C/C ART. 14, II, TODOS DO CÓDIGO PENAL). PRONÚNCIA DO ACUSADO. DESISTÊNCIA DA AÇÃO PENAL AO ARGUMENTO DE QUE A VÍTIMA (COMPANHEIRA) PERDOOU O RÉU. IMPOSSIBILIDADE. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA, DA QUAL O MINISTÉRIO PÚBLICO DETÉM A TITULARIDADE. ACOLHIMENTO QUE OFENDERIA O PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. Em se tratando de crime doloso contra a vida, a ação penal é pública e incondicionada, na qual é titular o Ministério Público (art. 129, I, CRFB/88), de modo que, a falta de interesse da vítima no prosseguimento da ação penal pública incondicionada é irrelevante, tendo em vista que sequer o Ministério Público, após promovida a ação, poderá dela desistir, em razão do princípio da indisponibilidade da ação penal (art. 42 do CPP). MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA COMPROVADOS. IMPOSSIBILIDADE DE IMPRONUNCIAR OS RÉUS. SENTENÇA DE PRONÚNCIA MANTIDA. Para submissão do processo ao julgamento perante o Conselho de Sentença, não é necessário estar comprovada a autoria, bastando que o juiz se convença que o crime ocorreu e que haja indícios de que o acusado o tenha cometido. SENTENÇA DE PRONÚNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Recurso Criminal n. 2012.011534-6, da Capital, rel. Francisco de Oliveira Neto, Segunda Câmara Criminal, j. 29-05-2012).

É cediço que o princípio da indisponibilidade também incide na fase recursal, senão vejamos do seguinte julgado:

RECURSO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA CIRCUNSTANCIADA (ART. 168, § 1º, II, DO CÓDIGO PENAL). REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. IRRESIGNAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DESISTÊNCIA DO RECURSO. INADMISSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA, QUE TAMBÉM ATINGE A SEARA RECURSAL (CPP, ART. 576). DEVOLUÇÃO A ESTE ÓRGÃO AD QUEM DA MATÉRIA DELIMITADA NO TERMO DE INTERPOSIÇÃO. MÉRITO. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA, CITAÇÃO E OFERECIMENTO DE RESPOSTA À ACUSAÇÃO. DECISÃO SUPERVENIENTE DE REVOGAÇÃO DO RECEBIMENTO DA PEÇA ACUSATÓRIA E DE REJEIÇÃO, COM BASE NO ART. 395, II, DO CPP. ERROR IN PROCEDENDO. DECISÃO CASSADA. PROPRIETÁRIO...

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