Acórdão Nº 5005882-74.2022.8.24.0022 do Quinta Câmara Criminal, 27-10-2022

Número do processo5005882-74.2022.8.24.0022
Data27 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5005882-74.2022.8.24.0022/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA

RECORRENTE: JACKSON JULIO FLORINDO (RECORRENTE) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (RECORRIDO)

RELATÓRIO

Na Comarca de Curitibanos, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Jackson Júlio Florindo pelo cometimento, em tese, dos delitos tipificados no art. 121, § 2°, incisos I e IV, c/c art. 14, inciso II e art. 150, § 1°, todos do Código Penal, conforme narra a peça acusatória (evento 1):

"O denunciado JACKSON JULIO FLORINDO foi casado com Gislaine Padilha da Rosa por 6 (seis) anos. Todavia, há alguns meses o casal rompeu o relacionamento, sendo que desde então Gislaine passou a conviver maritalmente com a vítima João Antônio Gois de Almeida.

Diante disso, no dia 22 de novembro de 2021, por volta das 3h45min, o denunciado, inconformado com o término do relacionamento, bem como movido por ciúmes pelo fato de Gislaine ter iniciado um namoro com João Antônio Gois de Almeida, decidiu se vingar e ceifar a vida de João.

Assim, pondo em prática o crime arquitetado e imbuído de manifesto animus necandi, o denunciado dirigiu-se à residência da ex-companheira, localizada na Rua Virgílio Dolberth, nº 37, bairro São Luiz, nesta cidade de Curitibanos/SC e após pular uma janela, com o auxílio de uma escada, invadiu o imóvel e teve acesso ao cômodo em que ao casal dormia, quando, de forma inesperada e repentina, bem como de posse de uma faca, passou a desferir diversos golpes contra o ofendido, que se encontrava desprevenido (dormindo), tornando impossível qualquer chance de defesa.

Apesar de ter atingido a vítima em regiões letais (cabeça e pescoço) o denunciado não consumou o crime por circunstâncias alheias à sua vontade, uma vez que o ofendido teve prestado socorro imediato, sendo encaminhado ao hospital.

Registre-se que na prática delitiva JACKSON JULIO FLORINDO utilizou-se de recurso que dificultou ou mesmo impossibilitou a defesa da vítima, que estava dormindo, sem razões próximas ou remotas para esperar o inusitado ataque, haja vista que as agressões não foram precedidas de qualquer discussão, tendo o denunciado chegado ao local com a faca em punho e de imediato desferido os golpes.

Observa-se, por fim, que o denunciado decidiu ceifar a vida de João Antônio Gois de Almeida por vingança em razão de a vítima estar namorando com sua ex-companheira, demonstrando a torpeza de seus motivos".

Encerrada a primeira etapa da instrução e apresentada as derradeiras alegações, o sentenciante julgou admissível a denúncia, nos seguintes termos (evento 94):

"Ante o exposto, nos termos do artigo 413 do Código de Processo Penal, julgo admissível a denúncia formulada pelo Ministério Público no evento 1 para, em consequência, PRONUNCIAR JACKSON JULIO FLORINDO, já qualificado nos autos, para submetê-lo a julgamento perante o Tribunal do Júri desta Comarca como incurso nas sanções dos crimes tipificados nos artigos 121, §2º, incisos I e IV, c/c art. 14, II e 150, §1º, todos do Código Penal.

Atento ao disposto no art. 413, § 3º, do CPP, NEGO ao acusado o direito de recorrer em liberdade, pois permanecem hígidos os motivos que deram fundamento à segregação cautelar - ordem pública e conveniência da instrução criminal -, além de inexistir qualquer causa superveniente capaz de desconstituir a prisão preventiva. Pelo contrário, deve-se ressaltar a relevante malha probatória produzida até a presente fase processual. No mais, destaca-se que durante grande parte do transcurso processual permaneceu segregado, não existindo razão, agora, para eventual revogação da prisão preventiva, conforme bem disposto, aliás, na decisão constante do evento 34. Isso dito, estando presente fundamento do art. 312 do Código de Processo Penal, a manutenção da prisão cautelar é a medida de rigor".

Irresignado com a decisão, por intermédio da Defensoria Pública, o acusado interpôs recurso em sentido estrito. Em resumo, busca a reforma do decisum para que seja decretada a impronúncia do apelante no que toca ao crime de violação de domicílio, eis que no seu entender se mostra configurado o princípio da consunção com o delito de homicídio tentado (evento 10 - autos n. 5005882-74.2022.8.24.0022).

Contrarrazões ofertadas, o representante Ministerial pugnou pelo conhecimento e desprovimento do apelo (evento 14 - autos n. 5005882-74.2022.8.24.0022).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Henrique Limongi, manifestando-se pelo desprovimento do recurso (evento 10 destes autos).

Este é o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conhece-se do recurso.

Pretende o recorrente a impronúncia do crime conexo de violação de domicílio, sob o argumento da existência irrefutável do princípio da consunção com o delito de homicídio tentado praticado contra a vítima João Antônio Gois de Almeida, já que teriam sido executados em um mesmo contexto fático.

Contudo, a insurgência não merece provimento.

Sabe-se que a decisão de pronúncia se destina a filtrar a imputação, exercendo a função de encaminhar à apreciação do Tribunal Popular tão somente os casos que detenham provas mínimas a gerar dúvida razoável no espírito do Magistrado, em expressão do princípio in dubio pro societate, como juízo de admissibilidade da acusação.

O decisum encerra, portanto, "um mero juízo de admissibilidade, onde examinam-se somente indícios de autoria e materialidade do fato. Assim, deve o Magistrado ser comedido ao fundamentá-la, sob pena de invadir a competência do Tribunal do Júri, juiz natural da causa" (STJ, HC n. 170.716/MG, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 28.2.2012).

Ademais, consoante enunciado no art. 413 do Código Processual Penal, há de ocorrer a pronúncia quando, convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, identifique elementos mínimos para potencial e futura condenação, cabendo a apreciação e resolução de eventuais controvérsias ao juízo natural constitucionalmente instituído. Por outro lado, o juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado nas hipóteses elencadas ao art. 415 do Código de Processo Penal, ou ainda, constatada a ausência de elementos bastantes a autorizar a reunião do júri, necessária a impronúncia do agente (art. 414, Código de Processo Penal).

Da análise do caderno probatório, verificam-se as provas da materialidade delitiva, demonstradas por meio do auto de prisão em flagrante n. 12.21.00119, boletim de ocorrência, laudos periciais ns. 2021.25.01332.21.002-88 e 2021.25.01332.21.003-50 (evento 1, Auto de Prisão em Flagrante 6, fl. 01, 10/15; evento 36 - autos n. 5008541-90.2021.8.24.0022) e pelos demais elementos de convicção a corroborar a versão apresentada pelo parquet.

Quanto à autoria, existem indicativos suficientes a demonstrar que o acusado cometeu, em tese, o crime conexo de violação de domicílio (art. 150, § 1º, do Código Penal), o que deverá ser submetido ao Tribunal do Júri, conjuntamente ao crime de tentativa de homicídio qualificado (art. 121, §2º, incisos I e IV, c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal) atribuído ao réu Jackson Júlio Florindo.

Aliás, conforme verificado, o magistrado singular consignou que haveriam indicativos do cometimento do delito de violação de domicílio; e como se sabe, o delito é conexo, devendo a análise do contexto probatório destinar-se ao Tribunal do Júri, sem qualquer apreciação probatória, mesmo porque haverá nova produção de provas em Plenário, com a oitiva da vítima, eventuais testemunhas e do acusado.

A propósito, "em se tratando de infrações penais conexas e pronunciado o réu pelo crime doloso contra a vida, tal conduta igualmente deverá ser apreciada pelos jurados, cabendo ao magistrado tão somente o seu encaminhamento, sem proceder à apreciação, mínima que seja, de mérito ou de admissibilidade quanto a ela, conforme dispõe o art. 78, I, do Código de Processo Penal, justamente por não ser possível, nesta fase processual, melhor aquilatar sobre a consunção do delito conexo com o crime de homicídio, já que envolve matéria de fato e deve ser objeto de julgamento pelo Tribunal do Júri, no exercício de sua competência constitucional" (TJSC, Recurso em Sentido Estrito n. 0000511-78.2017.8.24.0124, rel. Des. Luiz Cesar Schweitzer, j. 14-03-2019) - grifou-se.

De mais a mais, diferentemente do que entende o recorrente, há elementos em coligir que o crime conexo se deu, também, em oportunidade antecedente ao cometimento do crime de homicídio em subsidiar a sua manutenção até a apreciação do Conselho de Sentença. É o que se extraí do decisum de pronúncia, in verbis:

"De igual forma, encontram-se presentes indícios de autoria suficientes para que o acusado seja pronunciado.

Nesses termos, a vítima João Antonio Gois de Almeida, ainda na fase extrajudicial, expôs os fatos de forma clara ao aduzir que estava na casa da esposa, ex-companheira do acusado, quando este invadiu o imóvel, pulando a janela, durante a madrugada enquanto dormiam e sacou uma faca, vindo a lhe golpear com a arma branca (ev.1, VÍDEO5, do IP):

"[...]Delegada: O que aconteceu essa madrugada, João? Vítima: Eu e a minha esposa estávamos deitados, o ex-marido dela veio, pulou uma janela ou ela falou que ele pulou uma janela, eu não vi. Delegada: Você estava dormindo? Vítima: Eu estava dormindo e ela também estava dormindo do meu lado, mas se acordou a hora que ele me deu a primeira. Deu a primeira facada, acho que a primeira eu não sei onde que acertou, não lembro nada, eu lembro que a última foi a minha perna que pegou a faca. Sorte que saiu de perto, se assustou, achou que tinha matado. Eu levantei, ele veio, foi onde pegou na perna, dei um "pezasso" no peito, derrubei em cima do sofá, levantei e fui até o outro quarto, peguei uma cadeira, caso ele viesse eu ia empurrar. Ameaçou, demorou um monte e foi embora. Delegada: Ele fugiu? Vítima: Fugiu. Delegada: E você viu que era ele...

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