Acórdão Nº 5005900-27.2020.8.24.0035 do Quinta Câmara Criminal, 30-06-2022

Número do processo5005900-27.2020.8.24.0035
Data30 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5005900-27.2020.8.24.0035/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

RECORRENTE: LINDOMAR DOMINGUES DOS SANTOS (ACUSADO) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto por Lindomar Domingues dos Santos contra decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de Ituporanga, que o pronunciou com incurso nas sanções dos artigos 121, § 2º, incisos III e IV, c/c 14, inciso II, ambos do Código Penal, e 244-B da Lei n. 8.069/90, determinando que fosse submetido à julgamento pelo Tribunal do Júri.

Pugna o recorrente, em suas razões, pela sua absolvição sumária por ausência de dolo. Subsidiariamente, pleiteia pela desclassificação do crime para homicídio culposo e pelo afastamento da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima (evento 118 da ação penal). Requer, ao final, a concessão do direito de recorrer em liberdade, bem como a fixação dos honorários advocatícios em favor do defensor nomeado.

Apresentadas as contrarrazões (evento 122 da ação penal), e mantida a decisão a quo (evento 124 da ação penal), ascenderam os autos a este egrégio Tribunal.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio de parecer da lavra do eminente Procurador de Justiça Humberto Francisco Scharf Vieira, opinou pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (evento 9 deste procedimento).

Este é o relatório.

VOTO

1. Da admissibilidade:

Inicialmente, esclarece-se que o recurso preenche apenas em parte os respectivos requisitos de admissibilidade.

Isto porque, o pedido para recorrer em liberdade não pode ser conhecido por este Tribunal, eis que o apelante carece da interesse processual.

Infere-se dos autos que o recorrente não se encontra preso em razão deste processo.

Tal fato, inclusive, foi destacado pelo Togado singular na decisão do evento 23.

A propósito, em situação semelhante, cita-se precedente desta Relatora:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SONEGAÇÃO FISCAL (ART, 2º, INCISO II, DA LEI N. 8.137/90). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO. 1. ADMISSIBILIDADE. PEDIDO DE CONCESSÃO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. ACUSADO QUE RESPONDEU O PROCESSO EM LIBERDADE. ADEMAIS, BENESSE RECONHECIDA PELO TOGADO SINGULAR. [...] NÃO CONHECIMENTO NOS PONTOS. [...] RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 0900182-37.2019.8.24.0038, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, Quinta Câmara Criminal, j. 28-04-2022 - grifou-se).

Diante disso, deixa-se de conhecer o recurso nesse ponto e passa-se à análise do mérito.

2. Do mérito:

Como sumariado, trata-se de recurso em sentido estrito interposto por Lindomar Domingues dos Santos, em face da sentença de pronúncia proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de Ituporanga, que julgou admissível a denúncia e, em consequência, o pronunciou para submetê-lo a julgamento perante o Tribunal do Júri, por infração à norma do artigo 121, § 2º, incisos III e IV, c/c 14, inciso II, ambos do Código Penal, e 244-B da Lei n. 8.069/90.

Nas suas razões, o recorrente pleiteia pela sua absolvição sumária, uma vez que "não agiu com manifesto animus de matar a parte contrária e nem mesmo de forma tentada" (evento 118, fl. 5, da ação penal). Subsidiariamente, requer a desclassificação do crime para homicídio culposo ou, ainda, o afastamento da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima. Pugna, também, pela fixação dos honorários advocatícios em favor do defensor nomeado.

Adianta-se que razão não lhe assiste.

Antes de mais nada, deve-se lembrar que, na decisão de pronúncia, o magistrado deve se limitar à análise sobre o convencimento acerca da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

É o que determina o caput e § 1º do artigo 413 do Código de Processo Penal:

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

§ 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.

Não se realiza estreito juízo de valor quanto à autoria, caso contrário estar-se-ía se sobrepondo à competência do Tribunal do Júri.

A absolvição sumária, por sua vez, deve ser observada quando houver prova suficientemente e segura acerca da inocência, não bastando a mera dúvida da autoria, nos termos do artigo 415 do Código de Processo Penal:

Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:

I - provada a inexistência do fato;

II - provado não ser ele autor ou partícipe do fato;

III - o fato não constituir infração penal;

IV - demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

Portanto, dito de modo mais simples, na fase de pronúncia faz-se apenas um mero juízo de admissibilidade da acusação, oportunidade em que é averiguado se o feito reúne condições de ir a julgamento pelo Tribunal do Júri, ou seja, se há provas suficientes da materialidade de algum crime doloso contra a vida, bem como se há indicativos suficientes da autoria ou participação do réu.

No caso dos autos, infere-se da denúncia que o acusado, juntamente com o seu filho F. J. R. (adolescente), ambos com, em tese, manifesto animus necandi, chegaram ao local em que as vítimas Valdijane dos Santos Barbosa e John Kennedy Evangelista Felipe estavam, mais precisamente na frente de um bar, e efetuaram contra estas diversos disparos de arma de fogo, deixando-as gravemente feridas. Na ocasião, o crime aparentemente não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do réu e do seu comparsa (erro na pontaria e movimentação dos ofendidos). Veja-se:

No dia 5 de julho de 2020, por volta das 22h, no "Bar da Tereza", localizado na Rodovia SC 110, bairro Bela Vista, em Ituporanga-SC, o denunciado LINDOMAR DOMINGUES DOS SANTOS, com consciência da ilicitude de seus atos e manifesto animus necandi, em comunhão de esforços e unidade de desígnios com o adolescente F.J.R1 . (seu filho), tentaram matar as vítimas Valdijane dos Santos Barbosa e John Kennedy Evangelista Felipe, pois efetuaram diversos disparos de arma de fogo contra estas.

Em decorrência da conduta do denunciado e seu comparsa, a vítima Valdijane foi atingida na região escapular direita, conforme Laudo Pericial indireto n. 9414.20.0147 (evento 1, fls. 1-2 do IP3) e prontuário médico2 (fls. 38-39 do IP1), e o ofendido Jhon foi atingido na boca, no braço direito e na região cervical esquerda3 , conforme Laudo Pericial indireto n. 9414.20.01046 (evento 1, fls. 3-4 do IP3) e prontuário médico (fls. 27-37 do IP1).

Na ocasião, o denunciado não alcançou a consumação dos crimes por circunstâncias alheias à sua vontade, tendo em vista que, por má pontaria e pela movimentação das vítimas, nem todos os inúmeros disparos (aproximadamente 20 - conforme testemunha José Giovane) atingiram-nas.

Por ocasião dos fatos, o denunciado praticou o delito de modo que dificultou a defesa das vítimas, pois, juntamente com o adolescente, chegaram ao local em que as vítimas estavam e efetuaram os disparos de inopino, quando estas conversavam em frente ao bar e não esperavam a injusta agressão.

Ainda, o crime foi praticado por motivo fútil, apenas porque as vítimas, momentos antes, cumprimentaram um desafeto do denunciado.

Por fim, o crime foi praticado de forma que resultou perigo comum, porquanto o denunciado e o adolescente efetuaram diversos disparos de arma de fogo em via pública e em direção ao estabelecimento comercial em que se encontravam inúmeras pessoas, acarretando-lhes o risco de também serem atingidas, expondo concretamente a incolumidade física de terceiros.

Nota-se, então, que na visão do Órgão acusatório, o acusado tinha a intenção de matar as vítimas, razão pela qual, munido de arma de fogo, efetuou diversos disparos contra os ofendidos, causando-lhes lesões de natureza grave.

Com efeito, a materialidade está amparada por meio dos documentos que instruem os autos do inquérito policial, quais sejam, boletins de ocorrência (evento 1, "INQ1", fls. 3-9 e "INQ2", fls. 6-10), termo de declaração (evento 1, "INQ1", fl. 10), termos de depoimento (evento 1, "INQ1", fls. 15-17, 22-23, e evento 11, "DOCUMENTACAO2", "DOCUMENTACAO4", "DOCUMENTACAO6", fl. 1, e "DOCUMENTACAO7"), termos de exibição e reconhecimento de pessoa por fotografia (evento 1, "INQ1", fls. 18-19 e 24-25, e evento 11, "DOCUMENTACAO6", fls. 2-4, e "DOCUMENTACAO7", fls. 2-4), auto de apreensão (evento 1, "INQ2", fl. 11), termo de apreensão (evento 1, "INQ2", fl. 12), laudo pericial ns. 9414.20.01047 e 9414.20.01046 (evento 1, "INQ3", fls. 1-4), relatório (evento 1, "INQ3", fls. 5-22), bem como pela prova oral colhida ao longo da instrução.

No tocante à autoria, observa-se a presença de indícios desta, sobretudo pelos depoimentos de uma das vítimas e de testemunhas.

Na Delegacia de Polícia, a ofendida Valdijane dos Santos Barbosa narrou que: "[...] na data de ontem, por volta das 22h00, estava na lateral no Bar da Tereza, junto a seu amigo JOHN, quando chegou ao local um carro velho, um escort vermelho, de um indivíduo que reside ao lado do referido bar, junto a seu filho, ocupado por estes dois e mais um que estava dirigindo; QUE do veículo desceu um adolescente, o filho do dono do automóvel, e indo em direção ao declarante, falou: "ow de branco", para quem então o declarante olhou, momento em que viu que o menino estava armado, com um revólver, e começou a disparar contra o declarante; QUE imediatamente virou-se de costas, ocasião em que foi atingido por um disparo na clavícula esquerda, caindo logo em seguida...

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