Acórdão Nº 5006009-03.2021.8.24.0004 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 06-10-2022

Número do processo5006009-03.2021.8.24.0004
Data06 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5006009-03.2021.8.24.0004/SC

RELATOR: Desembargador DINART FRANCISCO MACHADO

APELANTE: ROSA LOPES MACHADO (AUTOR) ADVOGADO: IVONE DA ROCHA ALBORGHETTI (OAB SC002324) APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU) ADVOGADO: RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA (OAB SC047610)

RELATÓRIO

ROSA LOPES MACHADO interpôs recurso de apelação cível contra a sentença (evento 38, SENT1) que julgou improcedentes os pedidos formulados na "ação de restituição de valores c/c indenização por dano extrapatrimonial" por ela ajuizada em desfavor de BANCO PAN S. A., ora apelado, cujo dispositivo foi redigido nos seguintes termos:

3. Face ao exposto, julgo improcedente a demanda.

Condeno o autor no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor do procurador do requerido, que fixo em 10% sobre o valor da causa, devendo ser observado o art. 98, § 3º, do CPC.

Em suas razões recursais (evento 43, APELAÇÃO1), a parte autora/apelante sustenta, em síntese: que nunca contratou ou pretendeu contratar os serviços de cartão de crédito consignado (RMC); que foi induzida em erro ao contratar produto bancário diverso do almejado, porquanto nunca desejou qualquer cartão de crédito, apenas um empréstimo consignado padrão; que a prática realizada pelo réu induz o consumidor a acreditar ter realizado um empréstimo consignado "padrão", porém os descontos realizados diretamente em seu benefício previdenciário se limitam a pagar apenas os encargos do cartão supostamente utilizado, tornando, assim, a dívida impagável.

Aduz que a prática é abusiva pois representa venda casada; que os contratos são nulos, uma vez que a cláusula que permite o desconto do débito oriundo de cartão de crédito diretamente no benefício previdenciário coloca o consumidor em exagerada desvantagem perante a instituição financeira; que houve falha na prestação de serviço em razão da falta de informações claras acerca da contratação que estava sendo formalizada; que há dano moral in re ipsa, uma vez que o banco réu realiza débitos mensais em seu benefício por um serviço nunca contratado.

Requereu, ao final, o provimento do apelo e a reforma da sentença, para que seja declarada a inexistência da contratação de empréstimos consignados na modalidade RMC, com a condenação do banco réu/apelado a restituir em dobro os valores descontados a título de RMC, bem como ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

O banco réu/apelado apresentou contrarrazões (evento 48, CONTRAZ1).

Em seguida, os autos ascenderam a esta Corte.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

1 Do contrato de cartão de crédito consignável

Cinge-se a controvérsia acerca da contratação de empréstimos consignados pela via de cartão de crédito, por meio do qual é permitido ao banco credor a retenção de valores mediante reserva de margem consignável (RMC) em benefício previdenciário.

Inicialmente, necessário referir que o desconto denominado "reserva de margem consignável" (RMC) é o "limite reservado no valor da renda mensal do benefício para uso exclusivo do cartão de crédito" (art. 2º, XIII, da Instrução Normativa n. 28/INSS/PRES, de 16 de maio de 2008).

E tal desconto possui previsão legal, conforme disposto no art. 6º da Lei n. 10.820/2003, com a redação dada pela Lei n. 13.172/2015:

Art. 6º. Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1º e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS.

[...]

§ 5º Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para:

I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou

II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (grifei).

No presente caso, o banco réu comprovou a existência de liame contratual entre as partes mediante a juntada do "Termo de adesão ao regulamento para utilização do cartão de crédito consignado PAN" ns. 713109369, 721472332 e 738714803 e da "Solicitação de Saque via cartão de crédito - transferência de recursos do cartão de crédito PAN", firmados os dois primeiros em 25-5-2010 e o último em 13-10-2020 (evento 32, CONTR5, evento 32, CONTR6 e evento 32, CONTR7).

Além disso, os comprovantes de TED's apresentados (evento 32, DOC2, evento 32, DOC3 e evento 32, DOC4) comprovam a efetivação do depósito do valor referente à "liberação de operações de crédito", no montante de R$ 1.045,00 (um mil e quarenta e cinco reais), em data de 26-12-2016, R$ 551,00 (quinhentos e cinquenta e um reais), em data de 3-7-2018, R$ 362,00 (trezentos e sessenta e dois reais) em data de 25-8-2020, em conta-corrente de titularidade da parte autora, cuja disponibilização dos numerários não foi em nenhum momento negada pela parte autora.

E, ao que se observa do extrato de empréstimos consignados e histórico de créditos no benefício previdenciário da parte autora (aposentadoria por idade - NB 1485459408), apresentado juntamente com a inicial (evento 1, EXTR6e evento 1, EXTR7), consta "empréstimo sobre a RMC" com reserva de margem para cartão de crédito, no valor de R$ 59,32 (cinquenta e nove reais e trinta e dois centavos).

Assim, infere-se que houve a formalização de contratos entre as partes, bem como a liberação do valor referente ao saque do cartão de crédito na conta-corrente da parte autora.

Ressalta-se, no entanto, que a parte autora não nega ter celebrado contratos de empréstimo com o réu, o qual afirma ter pactuado. A sua irresignação diz respeito à modalidade do empréstimo realizado, haja vista que sua intenção era contratar um empréstimo consignado "padrão", e não um empréstimo via "saque" em cartão de crédito, com reserva de margem consignada (RMC) de 5% (cinco por cento) de seu benefício, a qual somente abate parcela mínima da fatura do cartão.

Com efeito, em contratos deste jaez, sabe-se que o pagamento mínimo da fatura - que é aquele descontado pela reserva de margem consignável - mal serve para abater os encargos moratórios e os valores referentes ao IOF, o que torna a dívida quase infindável, porquanto acrescida mensalmente de encargos moratórios invencíveis, que dificultam a sua quitação em um tempo razoável.

In casu, o banco foi intimado para efetuar a juntada das faturas do cartão de crédito (evento 24, DESPADEC1), porém não cumpriu tal ordem, tampouco justificou eventual impossibilidade de fazê-lo.

Portanto, tendo em vista que a parte autora/apelante alegou, na inicial, que jamais recebeu qualquer cartão de crédito e, consequentemente, não o utilizou, bem como considerando-se que o banco réu/apelado deixou de trazer aos autos qualquer documento que comprove o contrário - ônus que lhe incumbia, a teor do art. 373, II, do CPC/2015 -, tal fato corrobora a alegação da autora de que a sua intenção era apenas contratar um empréstimo consignado e não o serviço de cartão de crédito com reserva de margem consignável, o qual serviu exclusivamente para a finalidade de saque.

Aliás, mister registrar que, "[...] a alegação de que a parte autora não dispunha de margem para contratação de empréstimo consignável ao tempo da celebração da avença - restando somente a opção de obter o crédito pretendido mediante adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável - não afasta a demonstração de que, no caso sub judice, houve vício no consentimento da consumidora ao contratar modalidade de empréstimo muito mais gravosa do que aquela que pretendia (Apelação n. 5002331-57.2020.8.24.0022. Rel. Des. ROBERTO LUCAS PACHECO j. 22/10/2020)" (TJSC, Apelação n. 5001477-46.2021.8.24.0081, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Rodolfo Tridapalli, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 28-4-2022).

Nesse prisma, é evidente que a avença celebrada em modalidade diversa daquela pretendida pela parte autora - com prazo e valores fixos - mostra-se mais onerosa e prejudicial ao consumidor.

Desse modo, o caso dos autos deve ser apreciado à luz do Código de Defesa do Consumidor, nos termos da Súmula 297 do STJ, porquanto evidente a vulnerabilidade do consumidor frente ao banco réu.

Assim, muito embora tenha o banco réu comprovado a...

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