Acórdão Nº 5006016-06.2019.8.24.0023 do Primeira Câmara de Direito Público, 18-10-2022

Número do processo5006016-06.2019.8.24.0023
Data18 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5006016-06.2019.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ FERNANDO BOLLER

APELANTE: SUPERMERCADO SCHMOLLER LTDA (IMPETRANTE) APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Cuida-se de Apelação interposta por Supermercado Schmoller Ltda., em objeção à sentença prolatada pela magistrada Cleni Serly Rauen Vieira - Juíza Substituta lotada e em exercício na 3ª Vara da Fazenda Pública da comarca da Capital -, que no Mandado de Segurança n. 5006016-06.2019.8.24.0023, impetrado contra ato tido como abusivo e ilegal imputado ao Diretor de Administração Tributária da Secretaria da Fazenda do Estado de Santa Catarina, denegou a ordem postulada, nos seguintes termos:

SUPERMERCADO SCHMOLLER LTDA. impetrou mandado de segurança, com pedido liminar, contra ato administrativo atribuído ao DIRETOR DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA, vinculado à SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA DE SANTA CATARINA, requerendo o seguinte:

b) Presentes os requisitos da certeza do direito, do perigo de dano e de risco ao resultado útil do processo, seja deferida tutela de urgência de natureza antecipada para:

b.1) Liminarmente afastar a exigência da apuração e do pagamento do ICMS complementar nas hipóteses em que forem realizadas vendas por valor superior à base de cálculo presumida, até que definitivamente julgada a presente demanda;

b.2) Subsidiariamente, acaso este juízo preliminar não entenda evidente a falta de suporte constitucional e legal para a cobrança do ICMS complementar, afastar a exigência da apuração e do pagamento do ICMS complementar nas hipóteses em que forem realizadas vendas por valor superior à base de cálculo presumida até 27/02/2019, em respeito ao princípio da anterioridade nonagesimal; e

b.3) Independentemente das medidas pleiteadas nas alíneas "b.1" e "b.2", determinar o afastamento da aplicação da nova sistemática do ICMS-ST criada por meio da Lei 17.538/2018 (que modificou a Lei 10.297/96), do Decreto nº 1.818/2018 e da Portaria SEF nº 378/2018 - no que diz respeito às novas obrigações acessórias e escriturações contábeis e fiscais - até 03/03/2019, aplicando-se, assim, por analogia, o princípio da anterioridade nonagesimal como forma de assegurar o respeito aos princípios da segurança jurídica, da não surpresa e da razoabilidade;

[...]

d) Ao final, seja julgada totalmente procedente a presente ação, para o fim de: e1) DECLARAR a inexistência da relação jurídica tributária que obrigue as Impetrantes ao recolhimento do ICMS complementar nas hipóteses em que forem realizadas vendas por valor superior à base de cálculo presumida, na medida em que tal imposto adicional carece de fundamento constitucional e legal de validade;

e2) Subsidiariamente, DECLARAR a inexistência da relação jurídica tributária que obrigue as Impetrantes ao recolhimento do ICMS complementar nas hipóteses em que forem realizadas vendas por valor superior à base de cálculo presumida relativamente às operações de venda realizadas no período de 01/03/2018 a 27/02/2019 por afronta ao princípios da irretroatividade e anterioridade nonagesimal previstos no artigo 150, III, a e c, da Constituição Federal;

e3) Independentemente dos pedidos formulados nas alíneas "e.1" e "e.2", DECLARAR a inexistência da relação jurídica tributária que obrigue as Impetrantes à implementação das novas obrigações acessórias e escriturações contábeis e fiscais previstas pela Lei 17.538/2018 (que modificou a Lei 10.297/96), pelo Decreto nº 1.818/2018 e pela Portaria SEF nº 378/2018 relativamente aos fatos geradores ocorridos no período de 29/11/2018 e 03/03/2019, aplicando-se, assim, por analogia, o princípio da anterioridade nonagesimal como forma de assegurar o respeito aos princípios da segurança jurídica, da não surpresa e da razoabilidade (e.1).

[...]

Ante o exposto, DENEGO o mandado de segurança impetrado por SUPERMERCADO SCHMOLLER LTDA. contra ato administrativo atribuído ao DIRETOR DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA, resolvendo o mérito do processo, forte no art. 487, I, do CPC.

Malcontente, Supermercado Schmoller Ltda. argumenta que:

[...] o fato gerador é marcado pela definitividade, excepcionando-se, nos termos do parágrafo 7º do artigo 150 da CF, o direito à restituição total/parcial, nos casos de simples não ocorrência do fato gerador, bem como de sua ocorrência em menor expressão econômica. Fora essas duas situações, prevalece a definitividade.

[...] não há, portanto, nem no texto constitucional, nem na decisão do STF, permissão para os Estados Membros cobrarem um ICMS complementar quando o preço praticado na operação seja superior à base de cálculo presumida.

[...] tem-se, portanto, uma evidente AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DE VALIDADE deste complemento de ICMS, razão pela qual resta claro que o Estado de Santa Catarina extrapolou a sua competência tributária para tratar do tema relativo à substituição tributária.

[...] independentemente da flagrante ilegalidade e inconstitucionalidade da previsão de cobrança de um ICMS complementar, a aplicação dessa sistemática de ajuste do ICMS-ST sem a observância da anterioridade nonagesimal e irretroatividade fere também o princípio da não surpresa, da razoabilidade e da boa-fé administrativa.

Nestes termos, brada pelo conhecimento e provimento do apelo.

Na sequência sobrevieram as contrarrazões, onde o Estado de Santa Catarina refuta uma a uma as teses manejadas, exorando pelo improvimento do reclamo.

Em Parecer do Procurador de Justiça Alex Sandro Teixeira da Cruz, o Ministério Público opinou pelo conhecimento e desprovimento da insurgência.

Em apertada síntese, é o relatório.

VOTO

Conheço do recurso porque, além de tempestivo, atende aos demais pressupostos de admissibilidade.

A controvérsia se restringe ao exame da legalidade - ou não -, da exigência de complementação do ICMS-Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, nas hipóteses em que realizadas vendas por valor superior ao presumido.

Pois bem.

Sem rodeios, adianto: a irresignação de Supermercado Schmoller Ltda. não prospera.

Sobre a temática - por consubstanciar circunstância análoga que merece idêntica solução -, trago a lume a interpretação da norma consagrada na decisão lançada pela Desembargadora Bettina Maria Maresch de Moura, quando do julgamento da congênere Apelação Cível n. 0305291-29.2019.8.24.0023, à qual adiro e reproduzo, justapondo-a em meu voto, nos seus precisos termos, como ratio decidendi:

O Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS está previsto no inciso II do artigo 155 da Constituição Federal de 1988, que assim dispõe:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...]II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; [...]

Outrossim, prescreve o artigo 146, inciso III, alínea "a", da Carta Magna, que "Cabe à lei complementar: [...] estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes".

A Constituição Federal limita-se a prever diretrizes para a conformação legal do Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, notadamente no tocante à referibilidade da operação ou da prestação realizada, sendo que as normas gerais acerca de tal exação, estão previstas na Lei Complementar n. 87/96, a chamada "Lei Kandir".

De acordo com a referida legislação infraconstitucional, cada Estado institui o Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS por lei ordinária, a qual é regulamentada através de decreto, chamado de regulamento do ICMS ou RICMS. Em Santa Catarina, o Regulamento do Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços - RICMS, foi instituído pelo Decreto n. 2.870/2001.

Para otimizar o mecanismo arrecadatório do Estado, a legislação pátria prevê o regime da substituição tributária, por meio da qual a responsabilidade pelo pagamento do Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS é atribuída a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação.

Dispõe o Código Tributário Nacional:

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

Assim, tem-se que no regime da substituição tributária, como bem destacou o Procurador de Justiça, Dr. Basílio Elias De Caro, em seu...

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