Acórdão Nº 5006019-82.2020.8.24.0036 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 28-06-2022

Número do processo5006019-82.2020.8.24.0036
Data28 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5006019-82.2020.8.24.0036/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: OSMAR OSCAR NAGEL (AUTOR) ADVOGADO: JEFFERSON LAURO OLSEN (OAB SC012831) APELADO: BANCO OLE CONSIGNADO S.A. (RÉU) ADVOGADO: EUGENIO COSTA FERREIRA DE MELO (OAB MG103082)

RELATÓRIO

Osmar Oscar Nagel ajuizou ação declaratória de nulidade de ato jurídico, devolução de valores cobrados indevidamente em dobro e danos morais (RMC) em face de Banco Olé Consignado S.A. (atualmente Banco Santander (Brasil) S.A.), ao argumento de que, em síntese, está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contrato de cartão de crédito que aduz ter sido contratado mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

Diante dessas circunstâncias, requereu, em suma: 1) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com RMC; 2) a restituição do indébito em dobro; e, 3) a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais (evento 1).

Concedido o benefício da gratuidade da Justiça (evento 17 do AI n. 5015166-46.2020.8.24.0000).

Contestação apresentada (evento 19).

Réplica no evento 20.

Sobreveio sentença de mérito, nos seguintes termos (evento 27):

Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por OSMAR OSCAR NAGEL em face de BANCO OLE BONSUCESSO CONSIGNADO S.A..

Na forma do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais e mais honorários de sucumbência de 10% sobre o valor atualizado da causa. Fica suspensa a exigibilidade das verbas de sucumbência na forma do art. 98, § 3º, do CPC, em razão do benefício da Justiça Gratuita.

Diante da incorporação noticiada, retifique-se o polo passivo da presente demanda, substituindo o BANCO OLE BONSUCESSO CONSIGNADO S.A. pelo BANCO SANTANDER (BRASIL) S/A, conforme requerido.

Autorizo a restituição de eventuais diligências não utilizadas, a ser solicitada na forma da Resolução CM N. 10 de 27 de agosto de 2019.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, cumpridas as formalidades legais, arquive-se.

Irresignada, a parte requerente interpôs recurso de apelação (evento 31), no qual alegou o desconhecimento acerca dos termos da pactuação e requereu: a) a declaração de inexistência de débito; b) a condenação da instituição financeira ré ao pagamento de danos morais e repetição do indébito em dobro.

Contrarrazões no evento 41.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que, no âmbito da presente ação, julgou improcedentes os pleitos formulados na peça exordial. Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.

Legalidade do contrato firmado entre as partes

Sustenta a parte apelante que a sentença singular deve ser reformada para declarar a inexistência da contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, o qual originou os descontos a título de reserva de margem consignável, realizados no seu benefício previdenciário.

Para tanto, alega que sua intenção era apenas a de fazer um empréstimo consignado simples e jamais a de contratar cartão de crédito, o qual aduz nunca sequer ter utilizado ou desbloqueado. Argumenta, ainda, que a manutenção dos termos do contrato sub judice implicará em uma dívida vitalícia e impagável, a qual representa obrigação totalmente desproporcional ao consumidor.

Depreende-se, portanto, que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo de numerário, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se por incontroverso, que houve uma transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo de dinheiro, o qual se consolidou por meio do documento acostado no evento 19.

Entretanto, apesar de o referido documento estar formalmente perfeito e possuir a assinatura da ora parte recorrente, o contexto fático-probatório coligido nos autos, revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que a parte autora foi induzida a contratar o cartão de crédito em questão com o fim único e exclusivo de viabilizar uma operação financeira de mútuo, qual seja, o empréstimo na modalidade consignado, o qual lhe é disponibilizado em razão da sua condição de aposentado pelo Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.

Oportunamente, cabe destacar que, conforme infere-se das faturas acostadas pela própria casa bancária o cartão de crédito supostamente contratado jamais fora utilizado pela parte autora para fins de aquisição de produtos ou pagamento de serviços. Pelo contrário, os únicos lançamentos que constam nas mencionadas faturas são aqueles referentes à encargos contratuais e impostos oriundos da operação financeira firmada entre as partes.

Doutro vértice, dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrida sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço da parte autora, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pelo requerente.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão da parte autora, ora apelante, era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Com efeito: "O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção do requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar um cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.

De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade da parte requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios (menos onerosos), destacando as diferenças dos custos e encargos. Fosse assim, não haveria dúvidas que o ora apelante iria utilizar-se do meio menos custoso, ou seja, o empréstimo consignado "simples", com juros reduzidos, números de prestações e, principalmente, com termo final.

Logo, em que pese a parte autora ter lançado sua assinatura no documento mencionado, sobressai límpida a existência de mácula na manifestação de vontade desta (apelante), porquanto há fortes indícios de que a casa bancária requerida não prestou informações claras e adequadas acerca da modalidade contratual firmada entre as partes (empréstimo de dinheiro por meio de contratação de cartão de crédito), a qual é extremamente mais onerosa para o consumidor.

Portanto, muito embora a celebração do contrato de empréstimo por meio de cartão de crédito consignado esteja formalmente correta, observa-se, em verdade, que houve a utilização de modalidade mais gravosa para o consumidor (e mais vantajosa para a casa bancária), fato que ocasionou o desvirtuamento da real intenção do requerente, ferindo, assim, o princípio da lealdade e da boa-fé que regem as relações comerciais.

A respeito, tem-se as seguintes disposições do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...] III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

[...] III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...] IV - estabeleçam obrigações consideradas...

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