Acórdão Nº 5006024-15.2021.8.24.0022 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 12-04-2022

Número do processo5006024-15.2021.8.24.0022
Data12 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5006024-15.2021.8.24.0022/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER

APELANTE: MARIA JOSE GOETEM (REQUERENTE) APELADO: BANCO BMG S.A (REQUERIDO)

RELATÓRIO

Maria Jose Goetem interpôs Recurso de Apelação (Evento 26, APELAÇÃO1) contra sentença prolatada pelo Magistrado oficiante na 1ª Vara Cível da Comarca de Curitibanos - doutor Elton Vitor Zuquelo - que, nos autos da "ação declaratória de nulidade de desconto em folha de pagamento c/c repetição de indébito, danos morais e tutela provisória de urgência", ajuizada em face de Banco BMG S.A., julgou improcedente a pretensão vertida na exordial, cuja parte dispositiva se transcreve:

Isso posto, conforme art. 487, I, do CPC, REJEITA-SE a pretensão. Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 15% sobre o valor atualizado da causa, suspensa a exigibilidade dos ônus sucumbenciais, pois a devedora é beneficiária da Justiça Gratuita.

Ao trânsito em julgado, arquivar.

P.R.I.

(Evento 20, autos de origem, destaques do original).

Em suas razões recursais, a Requerente aduziu, em apertada síntese, que: (a) "é cristalino que a contratação ímproba realizada pela apelada, destoou completamente da proposta apresentada à apelante, induzindo-a em erro e a prejudicando financeiramente, já que não houve informações precisas sobre a forma de contratação do crédito solicitado"; (b) "A conduta da apelada caracteriza prática abusiva por embutir à apelante seus serviços prevalecendo de sua situação, induzindo o consumidor a erro por não esclarecer de forma aclarada a forma de que se tratava o fornecimento do serviço"; (c) "a apelada não demonstra robustamente a cientificação do consumidor hipossuficiente acerca do alcance dos termos contratuais, e aos olhos do consumidor, o empréstimo consignado aparenta aquisição de empréstimo pessoal e não vinculado ao uso de crédito existente em cartão de crédito"; (d) "tendo em vista que não ocorreu informações precisas sobre a contratação, e que a autora imagina que o serviço prestado seria um, quando na verdade é uma forma disfarçada de empréstimo consignado que traz um cartão de crédito, deve ser reconhecido a nulidade do contrato"; (e) "quando foi realizada a contratação do valor solicitado, como já mencionado anteriormente, a autora imaginou se tratar de empréstimos consignado como os demais que já realizou, nada foi mencionada sobre cartão de crédito com reserva de margem conhecido como RMC"; (f) "Posterior ao procedimento mencionado, a acionada passa a descontar unicamente os juros mediante débito em folha, situação está da qual o cliente jamais se desvencilhará, pois se mal sobrevive com os escassos valores que lhe resta mensalmente, e estando altamente endividado"; e (g) "Tendo em vista à capacidade econômica das partes, a autora é pessoa simples, idosa, com parcos recursos financeiros e beneficiária da Justiça gratuita, ao passo que a parte demandada é instituição financeira de grande porte e possuidora de notória riqueza".

Empós, o oferecimento das contrarrazões (Evento 32, CONTRAZ1), ascenderam os autos a este grau de jurisdição e distribuídos a esta relatoria.

É o necessário escorço.

VOTO

Primeiramente gizo que uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade, o Recurso é conhecido.

Esclareço, por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no Novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz se deu em novembro de 2021, isto é, já na vigência do CPC/2015.



1 Do Inconformismo

1.1 Da declaração de inexistência de débito

A Demandante ajuizou "ação declaratória de nulidade de desconto em folha de pagamento c/c repetição de indébito, danos morais e tutela provisória de urgência" em face do Banco BMG S.A., argumentando que a Instituição Financeira impôs de forma dissimulada a contratação de empréstimo via cartão de crédito, com desconto em folha do valor mínimo da fatura, de modo que acreditou que estava realizando um empréstimo nos moldes tradicionais.

Aflora da peça inaugural que a Autora almeja: (a) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável RMC e, caso não acolhida a pretensão declaratória, a conversão da aludida avença para a modalidade empréstimo consignado; (b) a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente em folha de pagamento; e (c) a condenação do Réu ao pagamento de indenização por danos morais.

O Magistrado a quo julgou improcedentes os pedidos articulados na peça vestibular (Evento 20, SENT1).

No caderno processual é incontroverso que os Contendores firmaram mútuo, porém inexiste consenso acerca da sua modalidade.

Enquanto a Autora sustenta que seu intento era apenas adquirir empréstimo consignado "comum", a Instituição Financeira defende que a Demandante teve plena ciência de que estava anuindo com a operação creditícia denominada "Termo de adesão cartão de crédito consignado banco BMG S.A e autorização para desconto em folha de pagamento" (Evento 12, CONTR2).

A partir de um cotejo analítico do arcabouço jurisprudencial deste Areópago acerca da declaração de inexistência de contratação de empréstimo via cartão de crédito com contrato de reserva de margem consignável, a corrente majoritária ruma no sentido de reconhecer a abusividade da referida pactuação, pois em casos similares "o Banco, deliberadamente, impõe ao consumidor o pagamento mínimo da fatura mensal, o que para ele é deveras vantajoso, já que enseja a aplicação, por muito mais tempo, de juros e demais encargos contratuais" (Apelação Cível n. 0304923-40.2017.8.24.0039, Rela. Desa. Soraya Nunes Lins, j. 10-5-18).

Sublinho que a prática abusiva e ilegal suso esmiuçada difundiu-se, tendo, lamentavelmente, atingido uma gama enorme de aposentados e pensionistas. A esse respeito, vale também conferir o inteiro teor do julgamento da Apelação Cível n. 0002355-14.2011.8.24.0079, de lavra do eminente relator Desembargador Robson Luz Varella, julgado em 17-4-18.

Foram juntados aos autos documentos que atestam a efetiva instrumentalização de negócio jurídico com reserva de margem consignável em cartão de crédito, cujo pagamento parcial se dá pelo desconto no benefício previdenciário da Autora do valor mínimo da fatura, sendo que o restante do débito permanece registrado como saldo em aberto na fatura do cartão, sofrendo incidência de encargos mês a mês.

Ocorre que tal documentação, isoladamente, não é suficiente para atestar a lisura da contratação. Ora, o exercício da livre manifestação de vontade da Requerente no ato da assinatura deve ser também esmiuçado.

Considerando o conteúdo das razões recursais e a totalidade do contexto fático-probatório amealhado ao feito, concluo que no caso em testilha a Instituição de Crédito não atuou com a diligência e a boa-fé que se exige na concretização de todo negócio jurídico, circunstância que implica na nulidade contratual.

A Demandante é idosa, aposentada e da análise do documento acostado nos autos (Evento 1, HISCRE4), constato a existência de: (a) empréstimos consignados ativos; e (b) descontos a título de empréstimo RMC.

É importante notar que o ajuste estabeleceu que o montante emprestado/sacado fosse depositado diretamente na conta-corrente da Autora - nos mesmos moldes do empréstimo consignado - de forma que não foi sequer necessário o uso do cartão de crédito para ter acesso ao valor negociado.

Outrossim, não há qualquer prova no feito que demonstre o envio do cartão de crédito à Autora e tampouco que tal instrumento foi utilizado para efetuar compras ordinárias em seu dia a dia, o que corrobora a alegada ausência de interesse na pactuação deste serviço.

Destaco que eventual esgotamento da margem consignável de 30% não autoriza o raciocínio de que a Consumidora efetivamente tenha optado por celebrar mútuo com reserva de margem consignável.

Brota não ser lógico afirmar que na impossibilidade de contratação do empréstimo consignado comum - cujas taxas são sensivelmente mais brandas do que usualmente se vê praticado em operações análogas - a Aposentada realmente estava disposta a comprometer seu rendimento mensal com modalidade de crédito substancialmente mais onerosa do que aquela.

Enfatizo que a reserva de margem consignável para cartão de crédito desconta da folha de pagamento apenas o valor mínimo da fatura, dando a falsa impressão de que o montante emprestado será integralmente pago por tal meio.

A quantia remanescente, contudo, permanece sendo debitada mês a mês na fatura de cartão de crédito, aumentando com a incidência de encargos financeiros ao longo do tempo. É justamente por isso que no momento da celebração do pacto o detalhamento das informações que envolvem o saldo devedor é imprescindível para que a Consumidora possa exprimir sua vontade.

Diante dos aspectos acima destacados somados à similaridade da denominação das duas operações de crédito em comento - empréstimo consignado e empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável - e até mesmo a complicada sistemática do crédito concedido por meio de cartão com RMC, não é razoável afirmar que a Hipossuficiente - acostumado a contrair consignado comum - tenha tido a real dimensão das implicações de tal contratação e condições de manifestar sua livre vontade ao assinar o contrato.

O Pergaminho Consumerista considera tais...

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