Acórdão Nº 5006175-62.2021.8.24.0092 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 06-10-2022

Número do processo5006175-62.2021.8.24.0092
Data06 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5006175-62.2021.8.24.0092/SC

RELATOR: Desembargador RODOLFO TRIDAPALLI

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) APELADO: MARCIA GODINHO MARQUES (AUTOR)

RELATÓRIO

Da ação

Adoto o relatório da sentença recorrida (Evento 18), em atenção aos princípios da celeridade e economia processual, por retratar com fidedignidade o trâmite processual no primeiro grau, in verbis:

Marcia Godinho Marques ajuizou a presente "ação anulatória de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, com pedido de antecipação de tutela, cumulada com obrigação de fazer, restituição de valores em dobro e danos morais", contra o Banco BMG S/A, ambos qualificados nos autos.

Alegou a parte autora que, na condição de beneficiária do INSS, realizou empréstimo consignado com a instituição ré, todavia, foi surpreendida com um desconto diferenciado em seus proventos, denominado "RMC", o qual resulta em baixa mensal no percentual de 5% sobre o valor do seu benefício previdenciário.

Aduziu que tal modalidade contratual (empréstimo consignado via cartão de crédito) jamais foi solicitada, tampouco utilizou-se de qualquer cartão fornecido pelo réu para esta finalidade, tendo sido induzida a erro, motivo pelo qual ajuizou a presente demanda pleiteando a concessão de liminar para suspensão dos valores consignados em seu benefício.

Diante disso, requereu a: a) declaração de inexistência do contrato de cartão de crédito consignado; b) restauração da margem consignável; c) repetição em dobro do indébito; d) condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais. Valorou a causa e juntou documentos (evento 1).

A tutela antecipada foi indeferida, tendo sido concedida a gratuidade da justiça e determinada a citação do réu para que apresentasse resposta e trouxesse o instrumento contratual objeto dos autos (evento 4).

Citado (evento 9), o réu contestou (evento 11) suscitando prejudicial de prescrição. No mérito sustentou que a demandante anuiu expressamente com o contrato de cartão de crédito consignado, não tendo que se falar em ilegalidade da contratação; que o autor utilizou o cartão de crédito na realização de "saque autorizado"; que à época da celebração do pacto a autora já tinha atingido o limite de 30% da sua margem consignável, ou seja, não tinha margem disponível para empréstimo consignado tradicional; que não houve ato ilícito que justifique a repetição do indébito e a indenização por danos morais. Por fim, pugnou a total improcedência dos pedidos, com a condenação da parte autora ao pagamento da multa por litigância de má-fé e também das verbas sucumbenciais. Juntou documentos.

A parte autora apresentou réplica (evento 16), na qual impugnou os argumentos trazidos em defesa e ratificou o já exposto em sede de inicial.

Da sentença

A Juíza de Direito, Dra. LUCILENE DOS SANTOS, da 1ª Vara de Direito Bancário da Região Metropolitana de Florianópolis, julgou procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos (Evento 18):

Ante o exposto, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES os pedidos deduzidos na inicial desta "ação anulatória de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, com pedido de antecipação de tutela, cumulada com obrigação de fazer, restituição de valores em dobro e danos morais" movida por MARCIA GODINHO MARQUES em face do BANCO BMG S/A para:

a) declarar a nulidade do contrato objeto da presente ação, retornando as partes ao status quo ante;

b) determinar à parte autora que proceda a devolução ao Banco réu do valor tomado emprestado, com correção monetária pelo INPC, a partir da data do crédito;

c) determinar à Instituição Financeira que proceda a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente do benefício da parte demandante, assim como outros pagamentos eventualmente realizados, os quais devem ser corrigidos monetariamente pelo INPC a partir da data do efetivo desembolso e acrescidos de juros de mora de 1% a.m. (um por cento ao mês), nos termos do art. 406 do Código Civil c/c 161, § 1º, do CTN desde a citação, em consonância com o disposto no art. 405 do CC c/c art. 240 do CPC, oportunizada a compensação dos créditos e débitos (368 do Código Civil);

d) condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais à parte autora, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), que deverá ser corrigido pelo INPC, desde a presente data (Súmula 362 do STJ) e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, a contar da data da inclusão dos descontos no benefício previdenciário da parte autora.

Em razão da procedência dos pedidos, e presentes os requisitos do art. 300 do Código de Processo Civil, conceder a tutela de urgência para determinar: (i) a suspensão dos descontos a título de RMC, relativos ao contrato objeto da lide; (ii) a proibição da parte ré de realizar qualquer tipo de depósito ou transferência em favor da parte autora no decorrer do processo.

Arbitro, em caso de descumprimento, multa mensal no valor de R$ 2.000,00, limitada no patamar máximo de R$ 100.000,001.

Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

Publicada e registrada com a liberação nos autos digitais. Intimem-se.

Transitada em julgado, certifique-se e, após, arquivem-se os autos dando-se baixa na estatística.

Da Apelação

Inconformado com a prestação jurisdicional, o BANCO BMG S.A interpôs recurso de Apelação (Evento 26), no qual alega, em prejudiciais de mérito, a ocorrência da prescrição e da decadência.

Alega, em suma, a legalidade do contrato celebrado. Aduz que o contrato de cartão de crédito consignado com possibilidade de saque é suficientemente claro e preciso ao identificar a modalidade que está se contratando, os mecanismos de pagamento e a cobrança dos débitos correspondentes.

Acrescenta que os documentos anexados aos autos demonstram que o contrato não dá margem a interpretação equivocada, pois existe autorização expressa da Autora para o desconto em folha de pagamento.

Assevera que inexistente a prática de ato ilícito, sendo indevida a condenação por dano moral. Ainda, sustenta que a situação fática descrita não caracteriza abalo moral indenizável, uma vez que o dano alegado sequer foi comprovado.

Argumenta que a restituição dos valores descontados somente é possível quando há cobrança de quantia indevida, o que não é o caso dos autos.

Aduz que a exclusão da margem consignável pode gerar dano irreversível, haja vista que, sendo provido o Recurso, a Instituição Financeira não conseguirá mais implantar nova reserva para efetuar os descontos, pois a Autora poderá contratar com outros bancos. Desta maneira, requer seja afastado o cumprimento da obrigação de fazer antes do trânsito em julgado.

Sustenta, ainda, a inviabilidade de aplicação de multa para caso de descumprimento da liminar, ou, subsidiariamente, a minoração do valor fixado.

Ao final, requer o provimento do Apelo, para reconhecer a validade da contratação, e a inexistência dos danos morais e materiais. Subsidiariamente, pugna pela minoração da indenização por abalo moral. Diante do risco irreparável para o Banco Apelante, pleiteia a reforma da sentença para afastar a obrigação de fazer no período anterior ao trânsito em julgado, e a respectiva multa. Ainda, pugna pelo prequestionamento.

Das contrarrazões

Devidamente intimada, a Autora apresentou contrarrazões (Evento 34).

Os autos ascenderam ao Tribunal de Justiça.

Com a redistribuição, vieram-me conclusos.

Este é o relatório.

VOTO

I - Da admissibilidade

O recurso preenche os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, razão pela qual merece conhecimento.

II - Do julgamento do recurso

Trata-se de Apelação Cível interposta por BANCO BMG S.A contra a sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na "Ação Anulatória de Contrato de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável (RMC), com pedido de Antecipação de Tutela, c/c Obrigação de Fazer, Restituição de Valores em Dobro e Danos Morais" ajuizada por MARCIA GODINHO MARQUES, ora Apelada.

a) Da prescrição

O BANCO BMG S.A sustenta a ocorrência da prescrição, diante do transcurso do prazo de 3 (três) anos estabelecido no art. 206, § 3º, V, do CC, considerando o primeiro desconto em 11/07/2017.

No entanto, não incide na hipótese o prazo prescricional trienal, uma vez que a presente demanda visa à reparação dos danos decorrentes de descontos supostamente indevidos lançados em benefício previdenciário, bem como caracteriza relação de consumo, o que sujeita a aplicação ao caso do art. 27 do CDC.

Ademais, o termo inicial para contagem da prescrição quinquenal é a data do último desconto.

Nesse norte, é a orientação do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC.2. O termo inicial do prazo prescricional da pretensão de repetição do indébito relativo a desconto de benefício previdenciário é a data do último desconto indevido. Precedentes (AgInt no AREsp n. 1.412.088/MS, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, Quarta Turma, j. 27/08/2019 - Grifei).

Assim, considerando que entre a data do ajuizamento da ação (11/01/2021) e a data do último desconto mencionado nos autos (10/04/2021, conforme fatura do cartão de crédito juntada ao Evento 8 - FATURA 7), não transcorreu prazo superior a 5 (cinco) anos, não há se falar em prescrição.

Sobre o tema, já decidiu este...

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