Acórdão Nº 5006232-80.2021.8.24.0092 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 14-06-2022

Número do processo5006232-80.2021.8.24.0092
Data14 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5006232-80.2021.8.24.0092/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) APELADO: LEOMIDIA TERNUS (AUTOR)

RELATÓRIO

LEOMÍDIA TERNUS ajuizou ação de nulidade/inexistência de contrato (RMC) em face de BANCO BMG S.A, ao argumento de que, em síntese, está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contrato de cartão de crédito que aduz ter sido contratado mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

Concedido o benefício da gratuidade da Justiça (evento 15).

Contestação apresentada (evento 23).

Réplica no evento 28.

Sobreveio sentença de mérito, nos seguintes termos (evento 30):

ANTE O EXPOSTO, julgo parcialmente procedentes os pedidos para:

1) anular o contrato de empréstimo via cartão de crédito com margem consignável (RMC);

2) determinar que a parte autora devolva o valor creditado em seu favor por força do contrato, com correção monetária pelo INPC desde a data do creditamento;

3) condenar a parte ré à restituição em dobro do que foi descontado em seu favor com esteio no contrato, com correção monetária pelo INPC desde a data de cada desconto, com juros simples de mora de 1% a.m., desde a citação;

4) condenar a parte ré ao pagamento de indenização de R$ 5.000,00 por danos morais, corrigidos pelo INPC desde o arbitramento (Súmula 362 do STJ), com juros simples de 1% a.m., contados da citação (por se tratar de inadimplemento contratual).

5) As partes são reciprocamente credoras e devedoras, o que autoriza o encontro de contas com a extinção das obrigações na medida em que se compensarem (art. 368 do CC).

Diante da sucumbência mínima da parte autora, condeno a parte ré ao pagamento integral das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% do valor atualizado da condenação (dano moral + repetição dos descontos).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Oportunamente, arquivem-se.

Irresignada, a casa bancária interpôs recurso de apelação (evento 38), alegando, em apertada síntese, que restou demonstrada a contratação da operação de empréstimo mediante cartão de crédito, bem como a expressa autorização do requerente em relação aos descontos efetuados a título de reserva de margem consignável. Defendeu, também, a legalidade da modalidade de empréstimo via emissão de cartão de crédito com averbação de reserva de margem consignável e a impossibilidade de repetição de indébito. Por derradeiro, pugnou pela improcedência dos pedidos inaugurais, com o afastamento da condenação por dano moral. Ainda, pleiteou a minoração do dano moral.

Contrarrazões no evento 46.

É o relatório.



VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela casa bancária requerida contra sentença que, no âmbito da presente ação, julgou parcialmente procedentes os pleitos formulados na peça exordial. Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.

1 Legalidade do contrato firmado entre as partes

Sustenta a instituição financeira recorrente que a sentença guerreada deve ser reformada para declarar a legalidade da contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável. Para tanto, alega que não houve nenhuma irregularidade por parte da requerida na contratação e que evidente a parte autora anuiu com a contratação de cartão de crédito consignado, uma vez que utilizou do mesmo para efetuar compras.

A controvérsia posta nos autos, portanto, cinge-se em analisar a legalidade da contratação de empréstimo com reserva de margem consignável e a existência de eventual vício de consentimento em relação ao referido negócio jurídico.

Compulsando detidamente o caderno processual, depreende-se incontroverso que houve uma negociação formalizada entre partes para realização de empréstimo de dinheiro, a qual se consolidou por meio do documento denominado "Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado Banco BMG e Autorização para Desconto em Folha de Pagamento" acostado no evento 23 - contrato 2.

Entretanto, apesar do referido documento estar formalmente perfeito e possuir a assinatura da parte requerente, o contexto fático-probatório coligido nos autos revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que houve um desvirtuamento da real intenção da demandante que, ao que tudo indica, desejava apenas realizar um empréstimo de dinheiro, sem, contudo, adquirir/contratar qualquer cartão de crédito.

Doutro vértice, dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrente sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço da recorrente, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pela parte requerente.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão da parte autora, ora apelada, era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Importante destacar, também, que diante das especificidades concernentes a quaestio ora debatida, torna-se imprescindível elucidar a diferença existente entre o empréstimo consignado simples e o empréstimo de numerário via cartão de crédito, o qual se dá por meio de reserva de margem consignável (RMC). A esse respeito, tem-se excerto extraído do voto proferido pelo eminente Desembargador Robson Luz Varella, nos autos da Apelação Cível n. 0301157-67.2017.8.24.0042, o qual esclarece as características e diferenças pertinentes as mencionadas operações financeiras.

Vejamos:

Sobre essas duas modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Já a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção da parte requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.

De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade da parte requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios (menos onerosos), destacando as diferenças dos custos e encargos. Fosse assim, não haveria dúvidas que a parte autora iria utilizar-se do meio menos custoso, ou seja, o empréstimo consignado "simples", com juros reduzidos, números de prestações e, principalmente, com termo final.

Logo, em que pese a parte requerente ter lançado sua assinatura nos documentos, sobressai límpida a existência de mácula na manifestação de vontade deste (apelado), porquanto há fortes indícios de que a casa bancária requerida, ora insurgente, não prestou informações claras e adequadas acerca da modalidade contratual firmada entre as partes (empréstimo de dinheiro por meio de contratação de cartão de crédito), a qual é extremamente mais onerosa para o consumidor.

Diante destas constatações, tem-se que a conduta perpetrada pela casa bancária apelante afetou a boa-fé objetiva, razão pela qual fica evidente a nulidade da avença firmada entre as partes.

A respeito da quaestio, tem-se o seguinte julgado deste Areópago:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. BANCO RÉU QUE, VIOLANDO O DIREITO DE INFORMAÇÃO, INTERFERIU DIRETAMENTE NA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DA CONSUMIDORA, ENSEJANDO NA ACEITAÇÃO DE CONTRATO INEVITAVELMENTE MAIS ONEROSO DENTRE OS DISPONÍVEIS. CONTRATO NULO. DANO MORAL EVIDENTE. ATENTADO CONTRA VERBA DE SUBSISTÊNCIA. JUROS DE MORA DA CITAÇÃO E CORREÇÃO MONETÁRIA DO ARBITRAMENTO. ÔNUS SUCUMBENCIAL INVERTIDO.

Quando se desvirtua ou se sonega o direito de informação, está-se agindo em sentido diametralmente oposto a boa-fé objetiva, ensejando, inclusive, a enganosidade. A informação deve ser clara, objetiva e precisa, pois, do contrário, equivale ao silêncio, vez que influi diretamente na manifestação de vontade do consumidor sobre determinado serviço ou produto - corolário da confiança que o consumidor deposita no fornecedor. O banco, ante as opções de modalidades de empréstimo ao consumidor, sem dotá-lo de informações sobre os produtos, fez incidir um contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável...

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