Acórdão Nº 5006239-28.2019.8.24.0000 do Órgão Especial, 19-05-2021

Número do processo5006239-28.2019.8.24.0000
Data19 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoÓrgão Especial
Classe processualDireta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial)
Tipo de documentoAcórdão
Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5006239-28.2019.8.24.0000/SC

RELATORA: Desembargadora DENISE VOLPATO

AUTOR: Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade - CECCON - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis RÉU: Prefeito - MUNICÍPIO DE NAVEGANTES - Navegantes RÉU: Câmara de Vereadores - MUNICÍPIO DE NAVEGANTES/SC - Navegantes

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade contra dispositivos da Lei n. 3.339/2018, do Município de Navegantes/SC, que "Dispõe acerca da exploração da atividade econômica de transporte privado individual remunerado de passageiros e o uso intensivo do viário urbano do Município de Navegantes, mediante a utilização de aplicativo de Operadora de Tecnologia". Sustenta o Órgão Ministerial a inconstitucionalidade dos "artigos 7º; 8º; 9º; 10º; 12, alíneas 'a' a 'f'; 16, alínea 'f'; 18, incisos I, II, V e §2º; 19, §§ 1º, 2º e 5º; 20; 21; 26, incisos V, VII, alíneas 'a' a 'f', IX, X, alíneas 'a' a 'e', XI, XII, alíneas 'a' a 'e', XIV, XV, XVI, alíneas 'a' a 'f' e XVII; e 28, incisos VIII, X, XI, XII, XIII, XIV da Lei n. 3.339, de 23 de novembro de 2018, do Município de Navegantes, por violação aos artigos 1º, inciso V; 8º, caput; 134 e 127, incisos I e III da Constituição do Estado de Santa Catarina e o art. 5º, incisos X, XI e XII, da Constituição da República, de observância obrigatória". Alega que os dispositivos extrapolam competência legislativa suplementar concorrente (sobre interesse local) ao violar as balizas gerais estabelecidas pela União na Lei Federal n. 12.587/2012. Assevera ter a lei instituído cobrança sem que seja possível enquadrá-la em qualquer espécie tributária existente, violando disposições constantes no artigo 127, incisos I e III da Constituição do Estado de Santa Catarina. Aduz infringência à competência legislativa privativa da União para regular o Direito Civil ao exigir declaração de anuência escrita do proprietário do veículo que seja usado no serviço de transporte individual privado de passageiros (legislando, assim, sobre direito e obrigações contratuais, impondo formalidade não prevista no Código Civil). Obtempera que a norma impõe limitação ao livre exercício profissional e livre iniciativa e concorrência, excedendo o mero poder regulamentar supletivo a norma geral federal. Afirma violar os precedentes estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar o Recurso Extraordinário n. 1.054.110 e Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 449. Destaca ser abusiva a limitação dos serviços a veículos com menos de 8 (oito) anos de uso, tal qual decidido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 70075503433). Alega, ainda, ofensa a intimidade dos cidadãos e o sigilo de dados, porquanto exige o compartilhamento com a municipalidade dos dados relativos ao deslocamento de todos os cidadãos, bem como motoristas e veículos cadastrados nas plataformas. Pugna, dessarte, pela procedência da ação par ao fim de ver declarada a inconstitucionalidade dos dispositivos legais impugnados.

O titular do Poder Executivo Municipal prestou informações (Evento 11) em que afirma ser a lei fruto do poder de regulação suplementar, conforme a realidade local, amparado pelo disposto no artigo 30, I e II, da Constituição Federal e nos artigos 11-A e 11-B, da Lei Federal n. 12.587/2012. Sustenta ser possível a cobrança de "preço público" pelo custo do serviço de gestão operacional e fiscalização. Argumenta tratar-se de receita originária, a remunerar pelo uso privado de bem público, qual seja, a malha viária municipal. Alega inexistir afronta a competência legislativa federal para tratar de Direito Civil, na medida em que a exigência de declaração escrita de anuência do proprietário do automóvel para uso do bem em serviço de transporte configuraria intervenção no interesse local de segurança da população. Assevera que a fixação de parâmetros autorizativos não impede a liberdade de iniciativa, porquanto deve ser sempre preservado o interesse público. Rechaça ofensa à privacidade e intimidade na medida que o compartilhamento de informações visa preservar o interesse da coletividade. Pugna, ao final, pela rejeição da ação declaratória.

O Procurador-Geral do Município de Navegantes, Dr. Edilson Antônio dos Santos, apresentou defesa do ato impugnado (Evento 20), reiterando a argumentação constante nas informações prestadas pelo Executivo municipal em petitório de Evento 11.

O Ministério Público, por seu douto procurador Davi do Espírito Santo (Evento 35), opinou pela parcial procedência da ação "para que seja, com exceção do inciso II do artigo 18, da Lei n. 3.339/2018, declarados inconstitucionais os artigos 7º; 8º; 9º; 10º; 12, alíneas "a" a "f"; 16, alínea "f"; 18, incisos I, V e §2º; 19, §§ 1º, 2º e 5º; 20; 21; 26, incisos V, VII, alíneas "a" a "f", IX, X, alíneas "a" a "e", XI, XII, alíneas "a" a "e", XIV, XV, XVI, alíneas "a" a "f" e XVII; e 28, incisos VIII, X, XI, XII, XIII, XIV da Lei n. 3.339, de 23 de novembro de 2018, do Município de Navegantes, e, por arrastamento, os artigos 13, parágrafo único; 26 incisos VIII, XVIII e IXI (sic); 28 inciso VII; 36, inciso V, alínea "a"; 60, inciso II; e a descrição das infrações do item 6, do anexo da Lei, por afronta aos artigos 1º, inciso V; 8º, caput; 134 e 127, incisos I e III da Constituição do Estado de Santa Catarina de 1989 e o artigo 5º, incisos X, XI e XII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de observância obrigatória".

É o relatório.

VOTO

Trata-se de Acão Direta de Inconstitucinalidade contra dispositivos da Lei n. 3.339/2018, do Município de Navegantes/SC, que "Dispõe acerca da exploração da atividade econômica de transporte privado individual remunerado de passageiros e o uso intensivo do viário urbano do Município de Navegantes, mediante a utilização de aplicativo de Operadora de Tecnologia".

Extrai-se do inteiro teor dos dispositivos legais impugnados:

"Art. 7º Em razão do acesso e como contrapartida pela utilização intensiva da infraestrutura pública do viário urbano para a exploração da atividade econômica do serviço de transporte de que trata esta Lei, será devido o preço público a ser calculado por quilômetro rodado de utilização do viário urbano no Município de Navegantes, independentemente do local da contratação do serviço pelo usuário ou do local onde encerra o serviço de transporte individual remunerado de passageiros e, que será fixado e regulamentado por Decreto do Chefe do Poder Executivo e recolhido, mensalmente, pela Operadora de Tecnologia - OT mediante emissão de Documento Arrecadação Municipal (DAM).

Parágrafo único. As receitas oriundas do preço público de que trata este artigo serão recolhidas em conta específica e investidas em manutenção de infraestrutura viária urbana.

Art. 8º O preço público pelo uso intensivo do viário urbano, nos termos desta Lei, será reajustado anualmente em conformidade com o índice de correção oficial adotado pela Administração Municipal.

Art. 9º Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, o preço público poderá ser alterado como instrumento regulatório destinado a controlar a utilização do espaço público, e a ordenar a exploração adicional do viário urbano, de acordo com a política de mobilidade e outras políticas de interesse coletivo.

Art. 10 O não pagamento do preço público nos termos desta Lei, acarretará penalidades e, ensejará abertura de processo administrativo que poderá resultar na suspensão e/ou cassação da autorização, observado o contraditório e a ampla defesa.

[...]

Art. 12 As pessoas jurídicas Operadoras de Tecnologia - OT interessadas deverão protocolizar junto ao órgão municipal de trânsito, requerimento de cadastro e autorização, com a expressa concordância irrevogável e irretratável com as disposições desta Lei, instruído com os seguintes documentos:a) ato constitutivo, estatuto ou contrato social em vigor que comprovem a previsão de execução de atividades compatíveis com as previstas nesta Lei;b) prova de inscrição no Cadastro Municipal junto à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Receita;c) prova de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica - CNPJ e documentação dos seus representantes legais;d) certidões de regularidade perante o INSS;e) certidão negativa de débitos trabalhistas;f) certidão negativa de débitos Municipais;

Art. 13 [...]Parágrafo único. A renovação da autorização será condicionada ao recolhimento mensal dos valores públicos devidos durante o exercício anterior, além da observância dos demais requisitos estabelecidos nesta Lei.

[...]

Art. 16 Para a obtenção da inscrição no Cadastro Municipal de Condutores o interessado deverá ser cadastrado em Operadora de Tecnologia - OT, satisfazendo, além das demais disposições desta Lei, os seguintes requisitos:[...]f) apresentar os dados do veículo em que será prestada a atividade remunerada registrado no município de Navegantes.

[...]

Art. 18 Os veículos destinados à exploração da atividade econômica de transporte individual remunerado de passageiros deverão atender os seguintes requisitos:I - declaração do condutor à OT, sob as penas da lei, de que o veículo foi inspecionado e está apto à prestação do serviço atendendo os requisitos de segurança veicular, de limpeza e higiene, mantendo a OT em arquivo, o relatório de inspeção do veículo;II - ter idade máxima de 8 (oito) anos de fabricação;[...]V - apresentar declaração, firmada pelo proprietário (pessoa física ou jurídica), que autoriza o uso do veículo para a exploração da atividade econômica privada de transporte individual remunerado de passageiros, caso o condutor não seja o dono do veículo.[...]§ 2º A operação do serviço em veículo com especificações não previstas neste artigo dependerá de prévia avaliação e homologação pelo órgão competente do município que estabelecerá os critérios e requisitos de...

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