Acórdão Nº 5006311-77.2022.8.24.0010 do Terceira Câmara de Direito Civil, 05-03-2024

Número do processo5006311-77.2022.8.24.0010
Data05 Março 2024
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5006311-77.2022.8.24.0010/SC



RELATOR: Desembargador ANDRÉ CARVALHO


APELANTE: MARLETE DO CARMO SILVEIRA DOS SANTOS (REQUERENTE) APELANTE: BANCO PAN S.A. (REQUERIDO)


RELATÓRIO


Reproduzo, por sua qualidade e completude, o relatório da sentença, da lavra do em. magistrado LÍRIO HOFFMANN JÚNIOR (28):
Trata-se de Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Danos Materiais e Morais ajuizada por Marlete do Carmo Silveira dos Santos em face de Banco Pan S/A, ambos devidamente qualificados.
A parte autora sustentou que sofreu descontos em seu benefício previdenciário, contudo, não pactuou qualquer negócio. Assim, requereu a procedência do pedido devolução em dobro do montante pago, além de condenação em compensação por danos morais.
Valorou a causa e juntou documentos.
Citado, o requerido apresentou contestação. Preliminarmente, arguiu a ausência de resolução pela via administrativa, a ausência de interesse de agir. No mérito, defendeu a existência da contratação, em razão do contrato digital, requerendo, portanto, a improcedência dos pedidos.
Seguiu-se réplica.
Os autos vieram conclusos.
É o breve relatório.
Sobreveio sentença de parcial procedência, contendo o seguinte dispositivo (28):
Ante o exposto, resolvo o mérito julgando procedentes os pedidos deduzidos na petição inicial (art. 487, inc. I, do CPC), para:
a) reconhecer a inexistência de débito do contrato discutido na lide;
b) condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais à parte autora, no valor total de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), devidamente atualizada e acrescida de juros moratórios, nos termos da fundamentação.
c) condenar a parte ré à restituir, em dobro, eventuais descontos indevidos ao autor, acrescido de correção monetária pelo INPC, a contar da data do pagamento, e juros de mora da citação.
d) determinar a restituição de eventuais valores liberados pela instituição financeira em favor da parte autora, atualizados monetariamente pelo INPC desde a data em que realizados os depósitos na conta bancária, admitida a compensação, não necessitando devolver as parcelas já descontadas, haja vista que a demandada já recuperou esses valores.
Custas pela parte ré.
Condeno a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios no percentual de 10% do valor da condenação, nos termos do art. 85 do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se.
Irresignada, a parte autora interpôs recurso de apelação cível, em que sustenta, em síntese, que: a) "o benefício da justiça gratuita fora requerido em duas oportunidades ao longo da ação (Eventos 1 e 10) [...]. Porém, embora não tenha sido chamada ao pagamento de custas ao longo da ação, o benefício deixou de ser expressamente concedido"; b) o valor da indenização por danos morais deve ser majorado; e c) nos termos art. 1º da lei municipal n. 3.524/2022 de Braço do Norte/SC, "os empréstimos bancários de caráter pessoal e natureza consignada concedidos a consumidores residentes no município de Braço do Norte/SC, conduzidos mediante fraude ou prática abusiva do fornecedor e sem a devida solicitação do consumidor, serão tidos como amostra grátis, na forma dos artigos 39, caput, inciso III e parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor", diante do que deve ser afastada a determinação de restituição dos valores imotivadamente depositados pela requerida em favor da parte autora (37).
A requerida interpôs recurso de apelação cível, em que sustenta, em síntese: a) a regularidade da contratação e da cobrança; b) a inexistência de dano moral indenizável; c) o valor da indenização por danos morais deve ser minorado; d) é inaplicável ao caso a repetição do indébito em dobro; e e) os honorários sucumbenciais devem ser arbitrados no patamar mínimo, em razão da simplicidade da causa (40).
Contrarrazões pela requerida no evento 46 e pela parte autora no evento 49
Após, os autos ascenderam ao Tribunal e foram distribuídos por sorteio.
É o relatório.


VOTO


EXAME DE ADMISSIBILIDADE
Registra-se inicialmente que parte do recurso da instituição financeira requerida não deve ser conhecido.
Isso porque é absolutamente imprescindível que o recurso seja dialético, ou seja, que nele constem de forma explícita e precisa as razões pelas quais o decisum deve ser modificado, sob pena, justamente, de ser inadmitido.
A respeito do princípio da dialeticidade recursal, colhe-se o magistério preciso de Humberto Theodoro Júnior:
Pelo princípio da dialeticidade exige-se, portanto, que todo recurso seja formulado por meio de petição na qual a parte, não apenas manifeste sua inconformidade com ato judicial impugnado, mas, também e necessariamente, indique os motivos de fato e de direito pelos quais requer o novo julgamento da questão nele cogitada, sujeitando-os ao debate com a parte contrária.
Na verdade, isto não é um princípio que se observa apenas no recurso. Todo o processo é dialético por força do contraditório que se instala, obrigatoriamente, com a propositura da ação e com a resposta do demandado, perdurando em toda a instrução probatória e em todos os incidentes suscitados durante o desenvolver da relação processual, inclusive, pois, na fase recursal.
Para que se cumpra o contraditório e ampla defesa assegurados constitucionalmente (CF, art. 5º, LV), as razões do recurso são elemento indispensável a que a parte recorrida possa respondê-lo e a que o tribunal ad quem possa apreciar-lhe o mérito. O julgamento do recurso nada mais é do que um cotejo lógico-argumentativo entre a motivação da decisão impugnada e a do recurso. Daí por que, não contendo este a fundamentação necessária, o tribunal não pode conhecê-lo.
O novo Código se refere à necessidade da motivação do recurso em vários dispositivos (arts. 1.010, II e III; 1.016, II e III; 1.023; 1.028; e 1.029, I e III) e doutrina e jurisprudência estão acordes em que se revela inepta a interposição de recurso que não indique a respectiva fundamentação. Por isso, abundantes são os precedentes jurisprudenciais no sentido de que não se pode conhecer do recurso despido de fundamentação. (Curso de Direito Processual Civil. Vol. III. 50ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 966, grifou-se)
No mesmo norte, Marco Antonio Rodrigues disserta:
Recursos devem trazer as razões do inconformismo do recorrente, não sendo possível que não tenham a devida fundamentação. No Código de Processo Civil, esse princípio pode ser extraído das exigências de regularidade formal dos recursos. É o que se verifica nos arts. 1.010, III; 1.016, III; 1.012, § 1.º; e 1.029, III. Nesses dispositivos encontram-se, entre as exigências formais dos recursos de apelação, agravo de instrumento, agravo interno e recursos especial e extraordinário, respectivamente, a necessidade de indicação das razões para reforma ou anulação do julgado.
Note-se, contudo, que o princípio da dialeticidade acaba por ser uma decorrência do próprio direito fundamental ao contraditório, previsto no art. 5.º, LV, da Constituição da República. Quando alguém recorre, é fundamental, para que os recorridos se defendam, que aquele indique por que quer ver a decisão anulada, reformada ou integrada. Caso contrário, os recorridos não têm como adequadamente postular a manutenção do julgado. Analogicamente, seria como um réu ter de contestar uma demanda sem que o autor lhe indicasse a causa de pedir.
Na realidade, pode-se afirmar que a discursividade é uma garantia tanto para as partes como para o Poder Judiciário e para a sociedade, portanto. Se o recurso não contém as razões do inconformismo do recorrente, o recorrido não tem como se defender plenamente de tal meio de impugnação. Ademais, sem essas razões, não há como o próprio Judiciário decidir com cognição plena se o recurso deve ser acolhido. Se o órgão julgador depende das razões recursais para a apreciação do recurso, conclui-se que o princípio em discussão assume um caráter de garantia à própria sociedade, sendo uma exigência ao bom exercício da função jurisdicional. (Manual dos Recursos. 1ª Edição. São...

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