Acórdão Nº 5006346-07.2022.8.24.0020 do Quarta Câmara de Direito Civil, 29-02-2024

Número do processo5006346-07.2022.8.24.0020
Data29 Fevereiro 2024
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5006346-07.2022.8.24.0020/SC



RELATOR: Desembargador JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO


APELANTE: MANOEL MARTINS (AUTOR) APELADO: BANCO DAYCOVAL S.A. (RÉU)


RELATÓRIO


Em atenção aos princípios relacionados à economia e à celeridade processual, adota-se para o relatório da sentença (evento 27), porquanto retrata a questão em litígio e a tramitação da demanda a ser julgada, in verbis:
MANOEL MARTINS ajuizou ação de PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL em face de BANCO DAYCOVAL S.A. Argumenta que foi apontado, em seu desfavor, contrato financeiro fraudado. Pretende a desconstituição do negócio; devolução de valores e compensação financeira por abalo moral.
Citado o demandado ofereceu resposta. No mérito deduz que a contratação seria legítima e negando qualquer ato ilícito, concluiu requerendo a improcedência dos pedidos iniciais.
Houve réplica.
Sentenciando, o Togado de primeiro grau julgou a lide nos seguintes termos:
Ante ao exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais.
Responde o demandante pelas despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da causa. As despesas são suspensas frente a concessão da gratuidade judicial.
P.R.I.
Revogo a decisão liminar.
Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação (evento 34), no qual defendeu, em preliminar, o cerceamento de defesa ante o indeferimento da produção de prova pericial grafotécnica. No mérito, defende a ilegalidade da contratação, pois não houve envio do cartão de crédito ou gastos, conforme demonstram s faturas. Assim, requer a reforma da sentença, com a declaração de inexistência de relação jurídica, a fixação de indenização por danos morais em R$ 10.000,00 (dez mil reais) e a condenação da ré a repetição de indébito em dobro.
Intimado, o banco réu apresentou contrarrazões (evento 39).
Distribuídos os autos, então, vieram-me conclusos.
Este é o relatório

VOTO


De início, prudente destacar que a sentença foi proferida na vigência do Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este o diploma processual que disciplina o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, por incidência do princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).
O reclamo é cabível, tempestivo, e o postulante está dispensado do recolhimento do preparo recursal por litigar amparado pela Justiça Gratuita, razão pela qual se admite a análise e o processamento.
Sem delongas afasto a preliminar de cerceamento de defesa. A uma porque a parte requer a produção de prova pericial grafotécnica, prova impossível de ser realizada ante a juntada de contrato formalizado na forma digital e, portanto, inexiste assinaturas a serem objetos de análise pericial. E a duas porque a alegação de cerceamento de defesa veio totalmente dissociada do caso concreto, ante a afirmação de assinatura falsa (contrato objeto dos autos é digital), bem como a afirmação de que os contratos (no caso dos autos o objeto da ação é apenas um contrato) apresentados não mencionam o número correto da insurgência objeto da lide.
Portanto, rejeito a liminar.
1. Da (ir)regularidade da contratação.
Cumpre consignar que a relação jurídica havida entre as partes é tipicamente de consumo, compreendendo-se a parte autora e a demandada aos conceitos de consumidor e fornecedor estabelecidos, respectivamente, nos artigos e , do Código de Defesa do Consumidor, e, por essa razão, deve o caso ser analisado sob a ótica da legislação consumerista.
Nesse viés, tem-se que a sistemática adotada pelo CDC, no que se refere à responsabilidade civil, é a de que responde o fornecedor pela reparação dos danos a que der causa, independentemente da existência de culpa, ou seja, objetivamente, a teor do art. 14 do aludido Diploma Legal, e, só pode ser afastada se demonstrada a existência de uma das causas excludentes previstas no § 3º do citado artigo, quais sejam, a inexistência do defeito (falha na prestação do serviço) e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Logo, cabe ao consumidor, tão somente, demonstrar o dano e o nexo de causalidade entre a conduta do agente e a lesão para resultar configurado o dever do fornecedor de indenizar.
Assim, aplicando-se os ensinamentos no caso concreto, como se sabe, nas ações que visam à declaração de inexistência de relação jurídica em que o consumidor defende desconhecer o negócio que originou a dívida, compete à parte demandada comprovar a efetiva existência de relação jurídica, pois não há como se exigir da parte demandante a prova de fato negativo, especialmente por se tratar de relação consumerista.
Em outras palavras, significa dizer que o ônus da prova é atribuído à parte requerida, a quem compete comprovar a validade do negócio jurídico e a sua exigibilidade, a teor do art. 373, II, do Código de Processo Civil.
No caso dos autos, a instituição financeira requerida defendeu a validade da contratação objeto da lide, a qual se consubstancia em cartão de crédito consignado contratado pelo autor, argumentando que esta anuiu no instrumento digital e foi beneficiado com o recebimento do crédito por meio de saque.
O autor, por sua vez, insiste em alegar que não contratou o cartão de crédito consignado, não tendo exarado sua permissão para os descontos em seu benefício previdenciário.
Pois bem.
Do cotejo do caderno processual, entende-se que não haveria como ser convalidada a contratação a ponto de chegar-se a conclusão da sentença objurgada.
Como cediço, a mera transferência de valores ao contratante não convalida cartão de crédito ou empréstimos consignados. No caso, inclusive, deve-se pressupor a boa-fé do autor, e não o contrário. Assim, não há porque impor-lhe uma obrigação que diz não ter ocorrido simplesmente porque teria sido cumprido a parte do contratado. Veja-se que o desfazimento da avança implica inevitável dever de restituição das partes ao status quo ante, a se concluir que não há prejuízo ao banco.
De outro giro, importante considerar que nos dias de hoje, com tantas tecnologias dispostas para a validação de contratos dessa espécie, como por exemplo a possibilidade de cadastro biométrico e/ou fotos com geolocalização, é inviável impor aos consumidores a segurança de tais negociações, que na maioria das vezes são feitas com pessoas hipossuficientes e de baixa escolaridade.
No caso específico dos autos, mesmo que seja de fato o...

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