Acórdão Nº 5006526-18.2020.8.24.0012 do Segunda Câmara Criminal, 06-10-2020

Número do processo5006526-18.2020.8.24.0012
Data06 Outubro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão










Recurso em Sentido Estrito Nº 5006526-18.2020.8.24.0012/SC



RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL


RECORRENTE: ROBERTO FERREIRA DOS SANTOS (RECORRENTE) ADVOGADO: THIAGO YUKIO GUENKA CAMPOS (DPE) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (RECORRIDO)


RELATÓRIO


Na Comarca de Caçador, o Ministério Público ofereceu Denúncia contra Roberto Ferreira dos Santos, dando-o como incurso nos arts. 121, §2º, inciso II, e §4º, parte final, e 211, ambos do Código Penal, em razão dos fatos assim descritos (evento 1 dos autos 5003132-37.2019.8.24.0012):
FATO 1
Na madrugada entre os dias 26 e 27 de outubro de 2019, em horário a ser esclarecido durante a instrução processual, na residência particular localizada na Rua Aracaju, n. 120, Bairro Alto Bonito, nesta cidade e comarca de Caçador/SC, o denunciado ROBERTO FERREIRA DOS SANTOS, imbuído de evidente animus necandi, desferiu três golpes com faca que atingiram o pescoço e a região mandibular 1 da vítima Ciro Gollartt, à época com 70 anos de idade , causando-lhe as lesões descritas no Laudo Pericial n. 9418.19.00930, causa eficiente de sua morte.
Ressalta-se que o delito foi praticado por motivo fútil, desprovido de relevante valor, em avantajada desproporção entre a motivação e o crime praticado, tendo em vista que o denunciado ROBERTO FERREIRA DOS SANTOS não ficou satisfeito com o fato da vítima ter aumentado seu tom de voz em pequena discussão travada entre eles.
FATO 2
Após o homicídio, no dia 27 de outubro de 2019, por volta da 1 hora, ainda na Rua Aracaju, Bairro Alto Bonito, nesta cidade e comarca de Caçador/SC, o denunciado ROBERTO FERREIRA DOS SANTOS ocultou o cadáver da vítima Ciro Gollartt, enterrando-o em uma cova escavada pelo denunciado em um terreno situado aos fundos de sua residência.
Encerrada a instrução preliminar, foi julgado admissível o pleito formulado na Exordial e, em consequência, o Magistrado a quo pronunciou Roberto Ferreira dos Santos pela prática do delito tipificado nos arts. 121, §2º, inciso II, e §4º, parte final, e 211, ambos do Código Penal (evento 186 dos autos 5003132-37.2019.8.24.0012).
Inconformada, a Defesa interpôs Recurso de Apelação (evento 1 dos autos de origem), em cujas Razões pugna pela não incidência do princípio do in dubio pro societate e, por consequência, a absolvição sumária do Recorrente com o reconhecimento da excludente de ilicitude da legítima defesa própria. Subsidiariamente, requer a desclassificação do delito para lesão corporal com resultado morte e o afastamento da qualificadora do motivo fútil.
Apresentadas as Contrarrazões (evento 7 do feito de origem), e mantida a decisão pelos próprios fundamentos (evento 9), os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Raul Schaefer Filho, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento da insurgência (evento 8).
Este é o relatório

VOTO


O recurso merece ser conhecido, por próprio e tempestivo.
Pugna, a Defesa, pela não incidência do princípio in dubio pro societate e, por consequência, a absolvição sumária do Recorrente com o reconhecimento da excludente de ilicitude da legítima defesa própria. Subsidiariamente, requer a desclassificação do delito para lesão corporal com resultado morte e o afastamento da qualificadora do motivo fútil.
Contudo, o recurso não comporta provimento, pelas razões abaixo alinhadas.
Sustenta a Defesa, inicialmente, a não incidência do princípio in dubio pro societate, argumentando, em síntese, que "se há dúvida, a problemática se encontra na falta de provas apresentadas pela acusação, ônus que não pode ser suportado pelo acusado, de modo que segundo o Estado garantista em que nos encontramos, deve ser observado o princípio do in dubio pro reo". Porém, razão não lhe assiste. Vejamos.
Por força do artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição da República, compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, dentre os quais se inclui o homicídio, tentado ou consumado (art. 74, §1º, do Código de Processo Penal).
É exatamente por isso, inclusive, que vigora na primeira fase do procedimento escalonado dos crimes da alçada do Tribunal do Júri, disciplinado entre os artigos 406 e 421 do Código de Processo Penal, o brocardo in dubio pro societate, no sentido de que, na dúvida, compete ao Conselho de Sentença deliberar sobre a matéria.
Nesse norte, colhe-se desta Câmara, o Recurso em Sentido Estrito n. 0000012-58.2012.8.24.0031, rel. Des. Salete Silva Sommariva, julgado em 13-06-2017:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO POR TRÊS VEZES ( CP, ART> 121, § 2º, II E IV, C/C 14, II - PRONÚNCIA - INCONSTITUCIONALIDADE DO BROCARDO IN DUBIO PRO SOCIETATE - INOCORRÊNCIA - PREVALÊNCIA DO CARÁTER POPULAR E DEMOCRÁTICO DAS DECISÕES PROFERIDAS PELO TRIBUNAL DO JÚRI - PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA - PRETENSO RECONHECIMENTO DA LEGÍTIMA DEFESA - AUSÊNCIA DE PROVA INDUVIDOSA ACERCA DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE - PEDIDO DE AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS - INVIABILIDADE - MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA NÃO DEMONSTRADA - RECURSOS DESPROVIDOS. (grifou-se)
Do corpo do acórdão, extrai-se:
A compatibilidade do brocardo in dubio pro societate com o texto constitucional decorre da própria garantia constitucional atribuída à instituição do Júri, prevista no art. 5º, XXXVIII, da CF, no qual se privilegia o caráter popular e democrático dos veredictos em situações que se viole o bem jurídico vida.Desse modo, a observância à tal máxima no momento da decisão de pronúncia, cuja índole é de um juízo de admissibilidade acerca da imputação levada a cabo pela acusação, a fim de submeter o feito à apreciação pelo Tribunal do Júri, não significa uma decisão de mérito a respeito do caso, senão uma forma de assegurar o exercício da garantia fundamental por aqueles que, constitucionalmente, detêm a prerrogativa de julgar crimes dolosos contra a vida, isto é, a sociedade ou comunidade.Portanto, no microssistema do Tribunal do Júri, não há falar-se em incompatibilidade ou prevalência de um princípio sobre outro, pois, enquanto na etapa de admissibilidade a dúvida é resolvida em benefício da sociedade, na fase de julgamento do mérito a incerteza sobre a autoria de crime doloso contra a vida conduz à absolvição do réu, em que incide a máxima do in dubio pro reo. Diante disso, os brocardos em referência não podem ser considerados mutuamente excludentes justamente porque, nesse procedimento autônomo, a sua incidência opera-se em etapas distintas, nas quais são proferidas decisões de natureza diversas, de modo a justificar a aplicação de tais princípios em cada uma delas.Isso posto, descabe cogitar de inconstitucionalidade do art. 413 do CPP, pois sua aplicação visa enaltecer o preceito constitucional contido no art. 5º, XXXVIII, "d", proibindo-se a interferência do juiz singular em hipóteses nas quais a Constituição assegura a participação popular e democrática.
É esse também o entendimento da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, conforme se vê do ARE 788457 AgR, Relator: Ministro Luiz Fux, julgado em 13/05/2014, Publicado 28-05-2014:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO. DECISÃO DE PRONÚNCIA. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL. 1. O princípio do in dubio pro societate, insculpido no art. 413 do Código de Processo Penal, que disciplina a sentença de pronúncia, não confronta com o princípio da presunção de inocência, máxime em razão de a referida decisão preceder o judicium causae. Precedentes: ARE 788288 AgR/GO, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 24/2/2014, o RE 540.999/SP, Rel. Min. Menezes de Direito, Primeira Turma, DJe 20/6/2008, HC 113.156/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 29/5/2013. 2. O acórdão recorrido extraordinariamente assentou: "RESE - Pronúncia - Recurso de defesa - Impossibilidade de absolvição ou impronúncia - Indícios de autoria e materialidade do fato - Negado provimento ao recurso da defesa." 3. Agravo regimental DESPROVIDO. (grifou-se)
Assim, não há falar, nesta fase do procedimento do Tribunal do Júri, em incidência do princípio do in dubio pro reo em detrimento do in dubio pro societate.
Fixada esta premissa, isto é, de que na fase do judicium accusationis deve-se adotar postura deferente à competência constitucional do Tribunal do Júri, passa-se à análise do conjunto probatório até agora produzido, a fim de se verificar, no termos do art. 413 do Código de Processo Penal, a existência de provas da materialidade e indícios suficientes de autoria dos crimes de homicídio qualificado (art. 121, §2º, inciso II, e §4º, parte final, do Código Penal), além do conexo (ocultação de cadáver), nos quais o Recorrente foi dado como incurso, para fins de pronúncia.
Destaque-se que "a impronúncia deve respeitar o raciocínio inverso ao da pronúncia, vale dizer, enquanto esta demanda a prova da existência do crime e indícios suficientes de quem seja o seu autor, aquela exige o oposto" (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 119-120).
Pois bem.
Extrai-se dos autos que a materialidade e os indícios suficientes da autoria, embora não impugnados, podem ser verificados por meio do Boletim de Ocorrência (Evento 1, P_FLAGRANTE1, Página 3-4), Auto de Apreensão (Evento 1, P_FLAGRANTE1, Página 7), Relatório de investigação (Evento 1, P_FLAGRANTE1, Página 19-33), Laudo Pericial cadavérico (evento 5), fotografias anexas ao Laudo Pericial (evento 14), Laudo Pericial do local do crime (evento 16), todos dos autos 5002672-50.2019.8.24.0012, Laudos Periciais do aparelho de telefone celular do réu e das roupas e objetos apreendidos (eventos 26 e 150), ambos juntados aos autos...

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