Acórdão Nº 5006554-70.2021.8.24.0005 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 02-06-2022

Número do processo5006554-70.2021.8.24.0005
Data02 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5006554-70.2021.8.24.0005/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: MARIA MADALENA GOETTEN BOENO (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Maria Madalena Goetten Boeno interpôs recurso de apelação cível da sentença proferida pelo juízo da Unidade Estadual de Direito Bancário, que julgou extinta a ação de declaratória de nulidade de ato jurídico cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais por ela ajuizada contra a instituição financeira apelada, Banco BMG SA, em razão do reconhecimento da ocorrência da decadência do direito da autora, nos seguintes termos (evento 20, autos do 1º grau):

MARIA MADALENA GOETTEN BOENO, devidamente qualificado(a) e representado(a) por procurador(a,es) habilitado(a,s), ajuizou contra BANCO BMG S.A, parte igualmente qualificada e representada, a presente ação declaratória de nulidade de contrato c/c repetição de indébito e indenização por danos morais, aduzindo, em síntese, que: I. percebe benefício previdenciário e sempre realizou empréstimos consignados junto às instituições financeiras mediante descontos mensais em seu benefício; II. constatou a existência de um desconto diferente, denominado "reserva de margem consignável" (RMC); III. buscando informação a respeito, obteve informação da instituição financeira ré que se tratava de um empréstimo consignado na modalidade cartão de crédito/reserva de empréstimo cartão, o qual deu origem à constituição de "reserva de margem consignável" (RMC) no percentual de 5% (cinco por cento) sobre o seu benefício previdenciário; IV. nunca solicitou ou contratou essa modalidade de empréstimo consignado via cartão de crédito e jamais foi informada a respeito da constituição da "reserva de margem consignável" (RMC), porquanto requereu e autorizou apenas na modalidade "empréstimo consignado"; V. o desconto desse percentual decorreu de indução a erro, já que acreditava estar contratando empréstimo consignado, como sempre o fez, fato que acabou gerando uma "dívida eterna", porquanto deveria ser quitada pelo seu valor integral, bem como pela incidência de juros remuneratórios em percentual superior ao de empréstimo consignado em folha de pagamento; VI. a contratação dessa modalidade de empréstimo consignado e a respectiva constituição da "reserva de margem consignável" (RMC) é ilegal, porquanto não respeitou o direito do consumidor em ter informação clara e adequada a respeito do produto ou serviço adquirido, nos termos do Código de Defesa ao Consumidor; VII. a parte ré, ao disponibilizar serviço sem o seu real consentimento (não contratado) e sem autorização expressa da "reserva de margem consignável" (RMC), nos termos do art. 3º, inciso III, do ato normativo n. 28 do INSS, incorreu em falha na prestação de serviço e, por esse motivo, configurou ato ilícito passível de indenização moral e patrimonial; VIII. a contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito impõe ao consumidor ônus excessivo, já que o desconto mínimo não abate qualquer valor principal da dívida, mas tão somente os seus encargos, fato esse que configura prática abusiva da instituição financeira ré diante de manifesta vantagem excessiva; IX. essa contratação lhe trouxe prejuízos, por não conseguir realizar compras no comércio em face da inexistência de limite; X. os encargos incidentes nas faturas são elevados e ilegais, pois praticados acima dos limites estabelecidos na instrução normativa n. 28 do INSS. Ao final, discorreu sobre os fundamentos jurídicos da ação. Requereu a inversão do ônus da prova em seu favor em aplicação das normas de direito do consumidor. Pugnou pela concessão da antecipação dos efeitos da tutela de urgência, visando a abstenção da "reserva de margem consignável" (RMC), sob pena de imposição de multa diária. Postulou pela condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais em valor a ser fixado pelo Juízo, pela declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com "RMC" e da "reserva de margem consignável" (RMC), com a respectiva restituição do indébito em dobro ou, alternativamente, a sua readequação/conversão para empréstimo consignado, servindo os valores já quitados de "RMC" para amortizar o saldo devedor sem a inserção de juros e encargos. Requereu a concessão do benefício da gratuidade judiciária. Por fim, além dos pedidos de praxe, postulou pela procedência da ação com a condenação da parte ré nas verbas de sucumbência. Protestou pela produção de todos os meios de provas em direito admitidos, em especial a documental e depoimento pessoal. Valorou a causa. Juntou documentos.

Por decisão interlocutória, foi deferida a gratuidade judiciária à parte autora, indeferidos os pedidos de antecipação dos efeitos da tutela de urgência, concedida a inversão do ônus da prova em favor da parte autora e determinada a citação da parte ré para, querendo, apresentar resposta à ação, bem como a sua intimação para acostar ao feito os contratos de crédito em questão, sob pena da incidência dos efeitos do art. 400 do Código de Processo Civil.

Citada, apresentou a parte ré, tempestivamente, resposta sob a forma de contestação, sustentando, em resumo, que, contrariamente ao afirmado pela parte autora, os documentos devidamente por ela subscritos e encartados em anexo demostram claramente a sua ciência quanto à modalidade de crédito consignado a que estava aderindo (cartão de crédito consignado), autorização expressa para a "reserva de margem consignável (RMC) e a disponibilização dos créditos em favor da parte autora através de saques com o cartão de crédito. Por esse motivo, descabida a pretensão da alteração da modalidade do contrato de crédito. Discorreu sobre o conceito de cartão de crédito consignado, a ausência de dano moral ou, na hipótese de seu reconhecimento, a fixação de indenização em valor condizente com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Impugnou o pedido de repetição/compensação do indébito e requereu a compensação do valor obtido pela parte autora na contratação questionada. Ao cabo, postulou pela improcedência dos pedidos formulados na peça vestibular, com a condenação da parte autora nos consectários legais. Protestou pela realização de todos os meios de prova em direito admitidos. Juntou documentos.

Réplica apresentada pela parte autora ratificando os termos da exordial.

DECIDO.

Do julgamento antecipado do mérito

O feito comporta julgamento no estado em que se encontra, nos termos do artigo 355, I, do Código de Processo Civil, pois a questão dos autos é unicamente de direito e não há necessidade de produção de outros meios de prova além da documental constante dos autos para o convencimento do julgador acerca do conteúdo da lide.

A respeito, colhe-se da Corte Catarinense:

Não há cerceamento de defesa, em razão do julgamento antecipado da lide, quando os elementos constantes dos autos são suficientes para formar o convencimento do magistrado e a matéria a ser apreciada dispensa a produção da prova testemunhal. (Apelação cível n. 2010.049153-2, rel. Des. Janio Machado, j. 03.05.11).

Da teoria da asserção

De acordo com o art. 488 do Código de Processo Civil: "desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485".

Portanto, referida teoria, bem como as preliminares suscitadas, in casu, restarão prejudicadas pela decisão de mérito que a seguir será proferida.

Do mérito

A pretensão da parte autora se baseia na alegação de que fora maliciosamente induzida a firmar um contrato (empréstimo por saque do limite de cartão de crédito) diverso do pretendido (empréstimo compulsório), cujos encargos financeiros são notoriamente desproporcionais se comparados entre si.

Portanto, tem-se que a pretensão do demandante está respaldada no vício de consentimento (erro ou dolo) que inquina o negócio jurídico firmado, conforme prevê os artigos 138 e 145 do Código Civil, respectivamente. In verbis:

Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa.

Nada obstante o intuito da parte autora, o prazo para anulação do negócio jurídico com base no vício de consentimento em erro ou dolo é de quatro anos da data da sua celebração, de acodo com que dispõe o art. 178, inciso II, do Código Civil:

Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado: [...];

II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico; [...]

Portanto, por ter transcorrido mais do que quatro anos entre a data da celebração do negócio jurídico e a propositura da demanda, deve ser reconhecida a decadência do direito potestativo da parte autora de anular o contrato de cartão de crédito, até porque a decadência proveniente da lei é cognoscível de ofício pelo juiz (CC, art. 210).

Nesse sentido, colhe-se dos julgados da Corte Catarinense:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. NEGÓCIO JURÍDICO. NULIDADE. VÍCIO DE VONTADE. ART. 178, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRAZO DECADENCIAL. QUATRO ANOS. SENTENÇA ACERTADA. RECURSO DESPROVIDO. "É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado, no caso de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico." - inciso II do artigo 178 do Código de Processo Civil. (TJSC, Apelação Cível n. 0300161-40.2016.8.24.0063, de São Joaquim, rel. Des. Ricardo Fontes, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 27-11-2018).

Ante o exposto, com fulcro no artigo 487, inciso II, do Código de Processo Civil, reconheço a decadência do direito do autor de anular o negócio jurídico e, em consequência, JULGO EXTINTO o presente...

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