Acórdão Nº 5006612-42.2019.8.24.0038 do Segunda Câmara de Direito Público, 23-02-2021

Número do processo5006612-42.2019.8.24.0038
Data23 Fevereiro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoAcórdão
Apelação / Remessa Necessária Nº 5006612-42.2019.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO

APELANTE: MUNICÍPIO DE JOINVILLE (INTERESSADO) APELADO: JOSE FRANCISCO VANZELATTI (IMPETRANTE)

RELATÓRIO

Trata-se de remessa necessária e da apelação cível interposta pelo Município de Joinville contra a sentença proferida no mandado de segurança impetrado por José Francisco Vanzelatti, que concedeu a ordem para fins de emissão da licença ambiental, nos seguintes termos:

"Ante o exposto, concedo a segurança vindicada por José Francisco Vanzelatti, determinando à autoridade impetrada que observe as disposições do artigo 119-C, inciso IV, da Lei Estadual n. 16.342/14 (Código Estadual do Meio Ambiente), em relação ao corpo d'água referido na VMF n. 439/2018, para fins de emissão da licença referida na exordial.

Arcará o Município de Joinville com o pagamento das despesas relativas aos atos praticados pelo Contador e pela Distribuidora judiciais (RCE, art. 35, alínea 'h'). Honorários incabíveis (LMS, art. 25).

Publique-se. Registre-se e Intime-se. Sentença sujeita a reexame necessário (LMS, art. 14, §1º)" (evento 26).

Nas suas razões, alegou que a causa está afeta ao Tema 1010, do Superior Tribunal de Justiça, que suspendeu em âmbito nacional todos os processos que versem sobre a definição da extensão da faixa não edificável a partir das margens de cursos d'água naturais em trechos caracterizados como área urbana consolidada.

Sustentou que o ato administrativo ora combatido não padece de ilegalidade porque a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se orienta no sentido de que o recuo de 30 (trinta) metros do corpo hídrico previsto no art. 4º, inc. I, letra "a", do Código Florestal também se aplica à área urbana consolidada.

Enfatizou que o curso d'água é natural, revelando-se de somenos importância, para fins de proteção ambiental, o fato de ser artificializado por tubulação ou canalização.

Argumentou que ao caso em tela aplica-se a Lei Complementar Municipal n. 551/19, que estabelece diretrizes quanto a delimitação das áreas não edificáveis localizadas às margens dos corpos d`água em área urbana consolidada, mormente considerando a competência legislativa municipal para tratar de questões de interesse local, na forma do art. 30, inc. I, da Constituição de República (evento 34).

Com as contrarrazões (evento 39), os autos subiram ao Tribunal de Justiça, vindo a mim distribuídos.

O Ministério Público, em parecer da lavra da Procuradora de Justiça Sônia Maria Demeda Groisman Piardi, manifestou pela extinção do processo à míngua de prova pré-constituída do direito líquido e certo (evento 6).

É o relatório.

VOTO

1. O voto, antecipe-se, é no sentido de conhecer do recurso e da remessa necessária e negar-lhes provimento.

1.1. Trata-se de remessa necessária, haja vista que a sentença concessiva da ordem, em mandado de segurança, está sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório, nos termos do que preconiza o art. 14, § 1º, da Lei n. 12.016/09.

2. Da apelação cível:

2.1. Do distinguishing entre o caso concreto e o caso paradigmático do Tema 1010 do STJ

A discussão no Tema 1010 tem por intuito a definição da aplicabilidade do Código Florestal (Lei Nacional n. 12.651/12) ou da Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei Nacional n. 6.766/79) à área non aedificandi adjacente a cursos d'água naturais, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, sem abarcar, portanto, a hipótese concernente à corpo hídrico artificializado.

Assim é que este Tribunal de Justiça, inclusive esta Câmara, passou a adotar o entendimento de que a afetação não compreende os casos que envolvam cursos d'água artificializados mediante tubulação ou canalização, justamente como ocorre no caso em análise.

A propósito, como bem pontuado pelo Desembargador João Henrique Blasi na Apelação Cível n. 0311112-37.2017.8.24.0038, de Joinville, julgada em 27.08.19:

"No caso dos autos, ademais, o curso d'água em questão é o Rio Mathias, que se encontra canalizado por galeria fluvial coberta no trecho que corta o terreno objeto deste feito mandamental (fl. 45), consoante consta do Parecer Técnico n. 0633/08, emitido pela Fundação Municipal do Meio Ambiente e que, portanto, goza de presunção de veracidade.

A mais disso, o parecer técnico de fls. 49 a 57, emitido por Ambient Engenharia e Consultoria Ambiental, ratifica essa informação, inclusive com registro fotográfico, dando conta da retificação do curso d'água e da canalização ao longo da sua extensão (fl. 64).

Não há dúvida, pois, de que o curso d'água em questão, ao cortar o imóvel em foco, está totalmente coberto.

O necessário recuo a contar das margens de corpo d'água, fixado em legislação de cariz ambiental tem por escopo 'preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas', consoante estabelece o art. 3º, inc. II, do Código Florestal (negritei).

Sucede que a preservação do recurso hídrico em comento por certo foi prejudicada quando decidiu-se confiná-lo em galeria de concreto armado, totalmente coberta, de modo que a existência de maior ou menor recuo na superficie não ostenta agora qualquer 'função ambiental', dado que ele corre em ambiente 'subterrâneo', circunstância bastante para afastar a necessidade de prova pericial para formação do convencimento em torno dos fatos, em alinho com precedentes jurisprudenciais.

Assim, tratando-se de rio totalmente canalizado, descabe cogitar de área de preservação permanente no entorno da galeria coberta, para fim de aplicação do alargado recuo pretendido pela Municipalidade.

Nesse sentido, desta Corte colaciono os seguintes precedentes:

'[...] CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. OCUPAÇÃO URBANA CONSOLIDADA. REGIÃO CENTRAL DA CIDADE URBANIZADA EM TORNO E POR CIMA DO RIO, CANALIZADO POR MEIO DE MUROS DE CONTENÇÃO. FUNÇÃO AMBIENTAL PREJUDICADA. AGRAVAMENTO DO DANO AMBIENTAL NÃO COMPROVADO. [...]' (Apelação Cível n. 0002445-93.2009.8.24.0078, rel. Des. Vilson Fontana, j. 13.9.2018).

'[...] CORPO HÍDRICO CANALIZADO HÁ MAIS DE 25 (VINTE E CINCO) ANOS. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE DESCARACTERIZADA. AUSÊNCIA DE DANO AMBIENTAL. [...]' (Apelação Cível n. 0002257-57. 2011.8.24.0005, relª. Desª.Vera Lúcia Ferreira Copetti, j. 8.3.2018).

O próprio Superior Tribunal de Justiça reconhece a possibilidade de serem levadas em consideração as peculiaridades locais para afastar a aplicabilidade do Código Florestal e da Lei do Parcelamento do Solo Urbano e, via de consequência, admite a preponderância da legislação do Município.

Nesse sentido, observe-se o seguinte precedente alusivo ao mesmo curso d'água ora em exame (Rio Mathias, em Joinville):

'AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE ALVARÁ DE CONSTRUÇÃO. ACÓRDÃO COM FUNDAMENTO EM LEGISLAÇÃO LOCAL. INCIDÊNCIA, POR ANALOGIA, DO ENUNCIADO N. 280 DA SÚMULA DO STF. PRETENSÃO DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA DO STJ. I - Na origem trata-se de mandado de segurança contra ato apontado como ilegal, emanado da Gerente da Unidade de Aprovação de Projetos da Secretaria de Infraestrutura Urbana do Município de Joinville, requerendo tutela jurisdicional para ver determinado à autoridade coatora que se abstivesse de condicionar a concessão de alvará de construção à observância de recuo de 30 (trinta) metros de área não edificável a partir do leito do Rio Mathias. II - No Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina negou-se provimento à apelação do Município de Joinville e manteve-se a decisão monocrática que concedeu a segurança pleiteada, alterando-a, tão somente, para ressalvar que o dimensionamento da 'área contribuinte' prevista no art. 93, § 1º, da Lei Complementar n. 29/1996 não se confunde com a extensão territorial do imóvel. III - No recurso especial, interposto pelo Ministério Público do...

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