Acórdão Nº 5006696-32.2021.8.24.0019 do Segunda Câmara Criminal, 23-08-2022

Número do processo5006696-32.2021.8.24.0019
Data23 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5006696-32.2021.8.24.0019/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO

APELANTE: MARCOS VINICIUS DE JESUS (RÉU) ADVOGADO: OTAVIO BONA MARQUES DE MELO (OAB SC022055) ADVOGADO: OTAVIO MARQUES DE MELO (OAB SC002933) APELANTE: LEVI DE JESUS (RÉU) ADVOGADO: JIVAGO PIZARRO SCHULTE ULGUIM APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Concórdia, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Levi de Jesus, imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos arts. 157, caput, c/c seu § 2º-B, do Código Penal, 16, caput, c/c seu § 1º, IV, Lei 10.826/03, e 33, caput, da Lei 11.343/06, em concurso material, e em desfavor de Marcos Vinícius de Jesus, atribuindo-lhe o cometimento do delito positivado no art. 33, caput, da Lei 11.343/06, nos seguintes termos:

Ato I: Roubo circunstanciado com uso de arma de fogo de uso restrito

No dia 9 de junho de 2021 (quarta-feira), por volta das 20h12min., o denunciado Levi de Jesus, de posse de um revólver calibre .38, marca Taurus, com numeração raspada, deslocou-se até o mercado localizada na Rua Catharina Mafessoni, s/n, Bairro Cristal, neste Município e Comarca de Concórdia, pertencente à vítima Geni dos Santos Cherini, local em que, agindo em flagrante demonstração de ofensa à liberdade individual, à integridade física e ao patrimônio da ofendida, subtraiu, para si ou para outrem, mediante violência e grave ameaça, aproximadamente R$ 650,00 (seiscentos e cinquenta reais) em espécie e 3 (três) litro de Vodka, pertencente à vítima Geni dos Santos Cherini.

Por ocasião dos fatos, o denunciado Levi de Jesus ingressou no estabelecimento comercial, empunhou a arma de fogo e anunciou o assalto, ameaçando constantemente a vítima Geni dos Santos Cherini, dizendo que iria matá-la. Na sequência, após já ter apanhado o dinheiro, o denunciado Levi de Jesus ainda agrediu a vítima com a arma de fogo e posteriormente a levou até os fundos do mercado, onde disse para a ofendida ficar de joelhos, pois iria lhe dar um tiro na testa.

Não obstante, após resistência da vítima, o denunciado subtraiu mais três litros de Vodka e empreendeu fuga do local.

Anote-se que a empreitada delituosa do denunciado Levi de Jesus foi gravada pela câmera de videomonitoramento do local, a qual se encontra acostada no Evento 2.

Ato II: Tráfico de drogas

Ato contínuo, acionados para atender a ocorrência, a Polícia Militar efetuou rondas pelo local dos fatos, quando então deslocaram-se até a residência pertencente ao denunciado Marcos Vinícius de Jesus, irmão do denunciado Levi, localizada na Rua Antônio Dolzan, n. 249, porão, Bairro Catarina Fontana, neste Município e Comarca de Concórdia/SC, local onde localizaram o denunciado Levi de Jesus.

Procedida a abordagem nas condições de tempo e local anteriormente referidas, os militares lograram êxito em localizar, embaixo de um colchão, dentro de uma mochila, 31,10g de cocaína (Termo de exibição e apreensão do Evento 1, P_Flagrante1, p. 16), que os denunciados Marcos Vinícius de Jesus e Levi de Jesus, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, agindo em flagrante demonstração de ofensa à saúde pública, adquiriram, tinha em depósito e guardavam, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, com o fim comercialização e/ou fornecimento ilegal, ainda que gratuitamente.

Além do entorpecente, foi localizado também uma balança de precisão, plásticos retalhados tipicamente utilizados para embalagem de entorpecente e 5 (cinco) aparelhos celulares, indicativos do narcotráfico praticado pelos denunciados (Termo de exibição e apreensão do Evento 1, P_Flagrante1, p. 16).

Não fosse o suficiente, durante a abordagem policial, os Policiais Militares localizaram na posse do denunciado Levi de Jesus a arma de fogo utilizada no crime de roubo narrado no Ato I e parte da res furtiva (R$ 196,00 em espécie). Além disso, as roupas utilizadas para o cometimento do crime foram localizadas na parte superior da residência, onde o denunciado tomou banho.

Registre-se, por fim, que a Cocaína é considerada substância tóxica entorpecente capaz de causar dependência física e/ou psíquica, proibida em todo o Território Nacional, por disposição da Portaria n. 344, de 12/5/1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (Auto de Constatação Preliminar do Evento 1, P_Flagrante1, p. 21).

Ato III: Posse de arma de fogo de uso restrito

Não fosse o suficiente, ainda nas mesmas condições de tempo e espaço narradas no Ato II, o denunciado Levi de Jesus, agindo em flagrante demonstração de ofensa à incolumidade pública e ao sistema nacional de armas, possuía em sua cintura, um revólver calibre .38, marca Taurus, com numeração raspada, municiado com 5 (cinco) munições calibre .38 (Termo de exibição e apreensão do Evento 1, P_Flagrante1, p. 16), sem qualquer autorização da autoridade competente e em desacordo com determinação legal ou regulamentar (Evento 1, doc1).

Concluída a instrução, o Doutor Juiz de Direito julgou procedente a exordial acusatória e condenou:

a) Levi de Jesus à pena de 14 anos e 8 meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente fechado, e 526 dias-multa, pelo cometimento dos delitos previstos nos arts. 157, caput, c/c seu § 2º-A, I, do Código Penal, operada a desclassificação em razão do armamento de uso permitido, embora com numeração suprimida, 33, caput, da Lei 11.343/06 e 16, caput, c/c seu § 1º, IV, da Lei 10.826/03, na forma do art. 69 do Código Penal; e

b) Marcos Vinícius de Jesus à pena de 6 anos, a ser cumprida em regime inicialmente fechado, e 600 dias-multa, pela prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/06 (Evento 143, doc1).

Insatisfeitos, Levi de Jesus e Marcos Vinícius de Jesus deflagraram recursos de apelação (Evento 154, doc1 e Evento 159, doc1).

Levi de Jesus busca a reforma da sentença resistida sustentando não haver prova suficiente para fundamentar a condenação pelo cometimento dos crimes de roubo e de tráfico de drogas.

Argumenta que a condenação pelo delito de porte de arma de fogo configura bis in idem, uma vez que o instrumento fora utilizado para a prática do crime contra o patrimônio e, por incidir em circunstância majorante, não pode, concomitantemente, configurar infração penal autônoma, requerendo seja reconhecida a consunção entre elas.

Sustenta que as razões invocadas na sentença resistida consideram a posse anterior da arma de fogo com base em fatos investigados em processo distinto, pelo qual responde por crime de homicídio, e que não há prova de que seria o mesmo artefato bélico, assim como não poderiam ser utilizadas circunstâncias fáticas de outro processo, ainda não julgado, em afronta ao princípio da presunção da inocência.

Relativamente ao crime de tráfico de drogas, assevera que não tem envolvimento com a substância apreendida, uma vez que não residia no local em que a apreensão se operou, de modo que não haveria prova suficiente a confirmar a imputação do delito, pelo que deve ser absolvido com fundamento no princípio in dubio pro reo.

De forma subsidiária, postula o reconhecimento do tráfico privilegiado e a consequente redução de pena (Evento 172, doc1).

Marcos Vinícius de Jesus argumenta, da mesma forma, que as provas são insuficientes a sustentar a condenação pelo crime de tráfico de drogas.

Aduz que é usuário de entorpecentes e a pequena quantidade de substância apreendida era para uso pessoal, motivo pelo qual busca a desclassificação da conduta para a infração penal pormenorizada no art. 28 da Lei 11.343/2006.

Por fim, subsidiariamente, requer seja reconhecida a causa de diminuição de pena do tráfico privilegiado e reduzida a multa, em razão de suas condições econômicas (Evento 154, doc1).

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu contrarrazões recursais pelo conhecimento e desprovimento dos reclamos (Evento 176, doc1).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Marcílio de Novaes Costa, manifestou-se pelo parcial conhecimento dos recursos, por entender haver ofensa à dialeticidade recursal relativamente ao recurso interporto por Levi de Jesus, e impossibilidade de análise do pedido de assistência judiciária gratuita em Segundo Grau de Jurisdição relativamente ao de Marcos Vinícius de Jesus. No mérito, pelo desprovimento do apelo deflagrado por Marcos Vinícius de Jesus e pelo provimento parcial do ajuizado por Levi de Jesus, para reconhecer a consunção entre os delitos de roubo e porte de arma de fogo (Evento 6, doc1).

VOTO

1. O Excelentíssimo Procurador de Justiça Marcílio de Novaes Costa manifestou-se pelo parcial conhecimento do apelo interposto por Levi de Jesus, ao argumento de que o pedido de reforma da dosimetria e de regime não confrontara os fundamentos lançados na sentença resistida, o que importa em ofensa ao princípio da dialeticidade.

O argumento não procede.

O paradigma constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da individualização da pena (art. 5º, XLVI) culmina na inafastável conclusão de que o princípio da dialeticidade recursal não se aplica ao acusado no âmbito do processo penal.

Tal convicção é reforçada pela possibilidade de se instrumentalizar, a qualquer tempo, revisão criminal (CPP, art. 622) e de garantir-se, enquanto direito fundamental, que "o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença" (CF, art. 5º, LXXV).

Nesse contexto, por exemplo, o apenamento injusto e incorreto, mesmo que a diferença seja de apenas um dia, configura encarceramento arbitrário, a ofender, inclusive, o art. 7º, 3, da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San José da Costa Rica), da qual o Brasil é signatário e cujo texto já se encontra incorporado ao ordenamento pátrio, por força do Decreto 678/92.

Bem por isso que a revisão da condenação e do apenamento em sede recursal pode dar-se até mesmo de ofício, quando houver...

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