Acórdão Nº 5006727-85.2021.8.24.0008 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 26-04-2022

Número do processo5006727-85.2021.8.24.0008
Data26 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5006727-85.2021.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER

APELANTE: HELMUT FRITSCHE (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Helmut Fritsche interpôs Recurso de Apelação (Evento 45, APELAÇÃO1) contra a sentença prolatada pelo Magistrado oficiante na Unidade Estadual de Direito Bancário - doutor Tanit Adrian Perozzo Daltoe - que, nos autos da "ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c repetição de indébito e indenização por danos morais", ajuizada em face de Banco BMG S.A., julgou improcedente a pretensão vertida na exordial, cuja parte dispositiva se transcreve:

ANTE O EXPOSTO, julgo improcedentes os pedidos.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e dos honorários, estes fixados em 10% do valor atualizado da causa, cuja exigibilidade suspendo por força da Justiça Gratuita.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Oportunamente, arquivem-se.

(Evento 36, SENT1, autos de origem, destaques do original).

Em suas razões recursais, o Requerente, em suma, aduz que: (a) "não se trata de engano justificável perpetrado pela instituição financeira - o que poderia excluir a sua responsabilidade- mas, de verdadeira conduta ilícita perpetrada com extrema má-fé, com o fito de lesar a boa-fé objetiva que deve existir em todas relações contratuais, pois, o consumidor, sempre acredita que a instituição financeira agirá com transparência e lealdade, inexistente"; (b) "o (a) recorrente jamais anuíra a este tipo de contratação, já que sempre acreditara que o empréstimo tomado era o convencional, qual seja, sem vinculação a qualquer tipo de cartão"; (c) "a maioria dos tomadores de empréstimo consignado são pessoas idosas e de "pouca leitura", socialmente vulneráveis, fato este que de certo modo facilita o ludíbrio pela instituição financeira"; (d) "Acontece que a parte Apelante NUNCA UTILIZOU o cartão, até porque O CARTÃO NEM SEQUER FOI ENVIADO"; (e) "o aposentado/pensionista foi induzido a erro, já que não haveria lógica na contratação de cartão de crédito quando o produto adequado à vontade do aposentado/recorrente era o sempre contratado por ele, qual seja, o empréstimo consignado simples, pois conforme observa-se das faturas juntadas pelo recorrido este nunca se utilizou do aludido cartão"; (f) "houve vício de consentimento do (a) recorrente por nítida omissão de informações, já que, por motivos óbvios, o(a) recorrente iria optar pela modalidade de empréstimo consignado mais vantajoso e menos oneroso"; (g) "a) recorrente é lesado: a. em razão da ausência de informações quanto a modalidade de crédito; b. pela imobilização da margem de crédito sem ciência e autorização; c. pelo fato de que o empréstimo pago via cartão de crédito ser mais oneroso em razão da taxas de juros serem bem maior do que o empréstimo feito de forma convencional"; e (h) "o público alvo dessa prática são pessoas idosas, por vezes pouco instruídas ou mesmo analfabetas, que acreditam contratar um de empréstimo, quando em verdade, contratam outro serviço, que muitos ônus lhe traz, tudo isso na obscuridade, sempre omitindo informações, induzindo essas pessoas em erro".

Empós, com o oferecimento das contrarrazões (Evento 47, CONTRAZ1), ascenderam os autos a este grau de jurisdição em razão da prevenção.

É o necessário escorço.

VOTO

Esclareço, por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no Novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz se deu em dezembro de 2021, isto é, já na vigência do CPC/2015.



1 Do Inconformismo

O Demandante ajuizou "ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c repetição de indébito e indenização por danos morais" em face do Banco BMG S.A., argumentando que a Instituição Financeira impôs de forma dissimulada a contratação de empréstimo via cartão de crédito, com desconto em folha do valor mínimo da fatura, de modo que acreditou que estava realizando um empréstimo nos moldes tradicionais.

Aflora da peça inaugural que o Autor almeja: (a) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável RMC e, caso não acolhida a pretensão declaratória, a conversão da aludida avença para a modalidade empréstimo consignado; (b) a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente em folha de pagamento; e (c) a condenação do Réu ao pagamento de indenização por danos morais.

O Magistrado a quo julgou improcedentes os pedidos articulados na exordial (Evento 36, SENT1).

Brota do caderno processual ser incontroverso que as Partes firmaram mútuo, porém inexiste consenso acerca da sua modalidade.

Enquanto o Autor sustenta que seu intento era apenas adquirir empréstimo consignado "comum", a Instituição Financeira, por sua vez, defende que o Demandante teve plena ciência de que estava anuindo com a operação creditícia de cartão de crédito consignado.

A partir de um cotejo analítico do arcabouço jurisprudencial deste Areópago acerca da declaração de inexistência de contratação de empréstimo via cartão de crédito com contrato de reserva de margem consignável, a corrente majoritária ruma no sentido de reconhecer a abusividade da referida pactuação, pois em casos similares "o Banco, deliberadamente, impõe ao Consumidor o pagamento mínimo da fatura mensal, o que para ele é deveras vantajoso, já que enseja a aplicação, por muito mais tempo, de juros e demais encargos contratuais" (Apelação Cível n. 0304923-40.2017.8.24.0039, Rela. Desa. Soraya Nunes Lins, j. 10-5-18).

Merece ênfase que a prática abusiva e ilegal suso esmiuçada difundiu-se, tendo, lamentavelmente, atingido uma gama enorme de Aposentados e Pensionistas. A esse respeito, vale também conferir o inteiro teor do julgamento da Apelação Cível n. 0002355-14.2011.8.24.0079, de lavra do eminente relator Desembargador Robson Luz Varella, julgado em 17-4-18.

Na hipótese dos autos, o Banco não positivou a contratação na modalidade cartão de crédito com reserva de margem consignável, haja vista que não apresentou a respectiva avença assinada, nem mesmo a comprovação do recebimento ou utilização do cartão de crédito pelo Autor, ônus que lhe incumbia em razão da impossibilidade do Requerente produzir prova negativa - no sentido que contratou a espécie de empréstimo pessoal consignado - nos termos do art. 373, inciso II, do CPC.

Considerando o conteúdo das razões recursais e a totalidade do contexto fático-probatório amealhado ao feito, concluo que no caso em testilha a Instituição de Crédito não atuou com a diligência e a boa-fé que se exige na concretização de todo negócio jurídico, circunstância que implica na nulidade contratual.

Com efeito, o Demandante é idoso, aposentado e detentor da benesse da gratuidade da justiça.

Do extrato de pagamento do benefício n. 135.215.351-0 (Evento 1, EXTR7 e Evento 1, HISCRE8), constato a existência de: (a) empréstimos consignados ativos; e (b) descontos a título de empréstimo sobre a RMC.

É importante notar que o ajuste estabeleceu que o montante emprestado/sacado fosse depositado diretamente na conta-corrente do Autor - nos mesmos moldes do empréstimo consignado - de forma que não foi sequer necessário o uso do cartão de crédito para ter acesso ao valor negociado.

Além disso, não há qualquer prova no feito que demonstre o envio do cartão de crédito ao Demandante e tampouco que tal instrumento foi utilizado para efetuar compras ordinárias em seu dia a dia, o que corrobora a alegada ausência de interesse na pactuação deste serviço.

Também, deve ser destacado que eventual esgotamento da margem consignável de 30% não autoriza o raciocínio de que o Consumidor efetivamente tenha optado por celebrar mútuo com reserva de margem consignável.

E isso porque não é lógico afirmar que na impossibilidade de contratação do empréstimo consignado comum - cujas taxas são sensivelmente mais brandas do que usualmente se vê praticado em operações análogas - o aposentado realmente estava disposto a comprometer seu rendimento mensal com modalidade de crédito substancialmente mais onerosa do que aquela.

Deve ser gizado que a reserva de margem consignável para cartão de crédito desconta da folha previdenciária apenas o valor mínimo da fatura, dando a falsa impressão de que o montante emprestado será integralmente pago por tal meio.

A quantia remanescente, contudo, permanece sendo debitada mês a mês na fatura de cartão de crédito, aumentando com a incidência de encargos financeiros ao longo do tempo. É justamente por isso que no momento da celebração do pacto o detalhamento das informações que envolvem o saldo devedor é imprescindível para que o Consumidor possa exprimir sua vontade.

Diante dos aspectos acima destacados somados à similaridade da denominação das duas operações de crédito em comento - empréstimo consignado e empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável - e até mesmo a complicada sistemática do crédito concedido por meio de cartão com RMC, não é razoável afirmar que o Hipossuficiente tenha tido a real dimensão das implicações de tal contratação e condições de manifestar sua livre vontade ao assinar o contrato.

Ora, o Pergaminho Consumerista considera tais situações abusivas à luz do que dispõe o art. 39, incisos I, III e IV, in verbis:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como...

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