Acórdão Nº 5006795-90.2021.8.24.0022 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 15-09-2022

Número do processo5006795-90.2021.8.24.0022
Data15 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5006795-90.2021.8.24.0022/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: BERNARDETE DE SOUZA (AUTOR) APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Bernardete de Souza e Banco Bmg S/A interpuseram recursos de apelação cível da sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Curitibanos, que julgou procedentes os pedidos formulados pela autora na "ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito consignado cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais", nos seguintes termos (evento 20, autos do 1º grau):

Bernardete de Souza qualificada, ajuizou AÇÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL, CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER, RESTITUIÇÃO DE VALORES E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS contra Banco BMG S.A. também qualificado, ao argumento de que percebe benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez, NB: 616.581.758-4 e, nesta condição realizou contrato de empréstimo consignado junto ao Réu. Entretanto, informa que foi surpreendida com o desconto de Reserva de Margem Consignável de Cartão de Crédito - RMC, dedução muito diferente do mútuo almejado. Afirma que nunca recebeu o cartão de crédito, tão pouco utilizou-se dele para algo, e mesmo assim estão ocorrendo descontos em seu benefício. Esclarece que os serviços em momento algum foram solicitados ou, contratados, já que apenas requereu e autorizou empréstimo consignado e não via cartão de crédito. Aduz que a modalidade de empréstimo via cartão, na prática, é impagável, pois, ao realizar a reserva da margem de 5% e efetuar o desconto do valor mínimo diretamente nos proventos da parte autora, debita-se mensalmente apenas os juros e encargos de refinanciamento do valor total da dívida. Postula a tutela de urgência. Apresenta sua fundamentação jurídica e demais argumentos a seu favor. Junta documentos. Pede a procedência.

Citado, o banco Réu contesta suscitando preliminar de falta de interesse de agir pela inexistência de margem consignável e inépcia da inicial. Meritualmente, defende a regularidade da contratação, cuja pactuação se deu através de contrato escrito. Defende que os valores foram liberados na modalidade de antecipação do crédito diretamente na conta da parte autora, sendo seu dever desbloquear e fazer uso do cartão contratado. As condições contratuais foram previamente esclarecidas à postulante, que as aceitou e utilizou regularmente os serviços fornecidos pela parte acionada. A alegação de desconhecimento nesses casos é inadmissível, pois o negócio jurídico é legal, houve cumprimento do dever de informação e uso dos serviços, sendo impositiva a improcedência dos pedidos iniciais.

Houve réplica.

DECISÃO:

Havendo elementos suficientes à dirimência, antecipa-se o julgamento dos pedidos, conforme art. 355, I, CPC.

Dá-se por apta a exordial, pois, delineada a causa de pedir e deduzido pedido consentâneo, admite-se o processamento da demanda.

Relativamente à falta de interesse processual considerando a inexistência de margem para contratação de empréstimo consignado, é matéria ligada ao mérito e será com ele analisado.

Sabe-se que a modalidade de contratação de empréstimos via reserva de margem consignável foi autorizada pela medida provisória nº 681/2015, que foi convertida na lei nº 13.172/2015.

Portanto, possível a legalidade do negócio jurídico, desde que estabelecido de acordo com a norma específica regencial, quer dizer, instrução normativa INSS/PRES nº 28, de 16 de maio de 2008 - dou de 19/05/2008, que, em seu art. 15, prevê:

Art. 15. Os titulares dos benefícios previdenciários de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão constituir RMC para utilização de cartão de crédito, de acordo com os seguintes critérios, observado no que couber o disposto no art. 58 desta Instrução Normativa:

I - a constituição de RMC somente poderá ocorrer após a solicitação formal firmada pelo titular do benefício, por escrito ou por meio eletrônico, sendo vedada à instituição financeira: emitir cartão de crédito adicional ou derivado; e cobrar taxa de manutenção ou anuidade;

Inobstante a previsão regencial para constituição de reserva de margem consignável, diante da veemente afirmação autoral de que não teve a intenção de contratar cartão de crédito, tanto que nem recebeu ou desbloqueou o plástico, ficando evidente estar a operação envolta em obscuridade, pela falta de informação clara ao consumidor.

Deveras, em possuindo a parte autora margem consignável para o mútuo consignado, de todo improvável desejasse a mesma a contratação de cartão de crédito, sem a sua utilização efetiva.

Dos documentos carreados nos autos, infere-se que a parte autora firmou com o banco "TERMO DE ADESÃO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO BANCO BMG E AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO" (ev. 12.2), por meio do qual lhe foi concedido um crédito no montante de R$1.562,66 (evs. 12.6 a 12.8), cujo pagamento ocorreria mediante desconto mensal do valor mínimo de R$46,89, junto ao benefício previdenciário.

Do extrato do benefício apresentado pela parte autora no ato da contratação, ev. 12.2, pg. 8, infere-se que esta possuía margem disponível junto ao empréstimo consignado em sua totalidade. Ou seja, os 30% destinados à contratação de estilo estavam totalmente liberados. Considerando que, na época, a beneficiária auferia benefício de R$ 937,90, esta possuía o montante de R$281,37 para contratar empréstimo consignado comum, valor em muito superior ao liberado via RMC, que somava R$46,89 (5% da remuneração).

Neste caso, forçoso o reconhecimento da total ausência de manifestação de vontade da parte segurada nesse negócio jurídico de cartão de crédito, visto como buscava o mútuo feneratício consignado, mostrando-se abusiva a conduta do banco réu ao disponibilizar produto não querido para o cliente hipossuficiente técnica e economicamente, resultando a nulidade da avença.

Além disso, o instrumento firmado prevê a aplicação de taxas de juros acima daquelas praticadas no mercado para operações de crédito pessoal consignado a beneficiários do INSS, de acordo com a normativa do Banco Central, já que estabelecidas em 3,00% ao mês e 44,30% ao ano.

Enquanto que a taxa média mensal de juros das operações de crédito consignado para aposentados e pensionistas do INSS atribui 2,06% a.m e 44,30% a.a., veja-se:

Parâmetros informadosSéries selecionadas20746 - Taxa média de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal consignado para aposentados e pensionistas do INSS25468 - Taxa média mensal de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal consignado para aposentados e pensionistas do INSSPeríodo Função12/06/2017 a 12/06/2017Linear

Registros encontrados por série: 1Lista de valores (Formato numérico: Europeu - 123.456.789,00)Datamês/AAAA20746% a.a.25468% a.m.jun/201727,762,06FonteBCB-DSTATBCB-DSTAT

Ademais disso, nota-se que o banco réu não se desincumbiu de comprovar o envio do cartão de crédito à parte beneficiária, tampouco comprovou que tal instrumento foi utilizado para saques no decorrer da contratação ou ainda para efetuar compras ordinárias. As faturas no evento n. 12.3, pgs. 13 a 104 apresentam somente abatimento do saldo devedor.

Por fim, nota-se que a liberação dos valores contratados ocorreu por transferência bancária junto à conta corrente da aposentada, exatamente como ocorre nos casos de contratação de empréstimo consignado comum. Neste caso, somente alterou-se o nome da operação bancária para "DOCUMENTO DE CRÉDITO - DOC FICHA DE COMPENSAÇÃO" (evs. 12.6 a 12.8).

Queixa-se ainda a parte demandante de dano moral, em vista da situação a que foi submetida. Em verdade, reconhece-se o abuso perpetrado pelo réu, tendo estabelecido contratação diversa daquela pretendida pela segurada da previdência, o que lhe acarretou presumível desconforto e insegurança, obrigando-a a buscar a intervenção judicial, para cancelamento de desconto cuja pactuação não existiu.

Considerando-se a gravidade do dano, tida como mediana, o grau de culpa do causador, cogitando-se de dolo, segundo o relato da parte autora, estabelece-se o quantum da compensação pecuniária em R$3.000,00.

Isto posto, ACOLHE-SE a pretensão para:

a) DECLARAR a nulidade do contrato de n.° 12953240 e a averbação da margem de Reserva de Margem Consignável junto ao benefício da parte autora de aposentadoria por invalidez, NB: 616.581.758-4;

b) DECLARAR vigente contrato de empréstimo consignado pelo valor creditado à parte autora, no valor de R$ 1.562,66, no mês junho de 2017, com a taxa de juros divulgada pelo BACEN para a espécie contratual no mês da contratação de 27,76% a.a., com capitalização anual;

c) CONDENAR o réu ao pagamento de R$3.000,00 (três mil reais) a título de compensação pecuniária por dano moral. O valor é atual, reajustável pela SELIC a partir desta data.

Estabelece-se a compensação com eventual saldo devedor do contrato, após a sua conversão para empréstimo consignado. Os valores já pagos pela parte autora, incluindo encargos, taxas de cartão e eventual seguro contratado, devem ser abatidos do total da dívida.

Em verificando-se adimplemento superior ao saldo devedor do contrato de mútuo consignado, com os juros incidentes, condena-se o réu na restituição simples do valor excedente, incidindo juros de 1,0% ao mês e correção monetária dos valores cobrados indevidamente.

d) CONDENAR o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 15% sobre o valor da condenação.

Ao trânsito em julgado, arquivar.

P.R.I.

Inconformadas, ambas as partes interpuseram recursos de apelação (eventos 25 e 30, autos do 1º grau).

Em seu recurso (evento 25, autos do 1º grau), a autora pugna, em suma, que a indenização a titulo de dano moral fixada na sentença combatida deve ser majorada.

Por sua vez, em, seu recurso (evento 30, autos do 1º grau), a instituição financeira sustenta, em síntese, que a...

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