Acórdão Nº 5006853-09.2019.8.24.0008 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 26-10-2021

Número do processo5006853-09.2019.8.24.0008
Data26 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5006853-09.2019.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER

APELANTE: MAFALDA FERRARO (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Mafalda Ferraro interpôs Recurso de Apelação (evento 28, DOC1) contra sentença prolatada pela Magistrada oficiante na Vara de Direito Bancário da Comarca de Blumenau que, nos autos da "ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c repetiçao de indébito e indenizacão por danos morais", ajuizada em face de Banco BMG S.A., julgou improcedente a pretensão vertida na exordial, cuja parte dispositiva se transcreve:

Ante o exposto, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo improcedentes os pedidos consubstanciados na inicial.

Revogo a antecipação de tutela anteriormente concedida.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios do patrono do réu, no valor de R$ 1.000,00 (dois mil reais), ex vi o artigo 85, §8º do Código de Processo Civil.

A exigibilidade das despesas processuais e dos honorários advocatícios está suspensa com relação à(s) parte(s) ativa, durante o prazo extintivo de 5 (cinco) anos, em face da concessão dos benefícios da Gratuidade da Justiça, nos termos dos arts. 98 a 102 do CPC e da Lei 1.060/1950.

Os litigantes estão obrigados a indenizar as despesas adiantadas no curso do processo, observada a mesma proporção antes fixada, admitida a compensação, conforme art. 82, § 2º, do CPC.

Publique-se Registre-se Intime-se.

Em caso de apelação, verificado o cumprimento dos requisitos dos parágrafos 1º e 2º do art. 1.009 do CPC, ascendam os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça, nos termos do parágrafo 3º do art. 1.010.

Transitada em julgado, arquive-se.

(evento 21, DOC1)

Em suas razões recursais, a Requerente defendeu, em apertada síntese, que: (a) "realizou, ou acreditou ter realizado, empréstimo consignado junto a parte recorrida, para que, evidentemente, as parcelas fossem descontadas diretamente no seu benefício, tal qual é o que ocorre ou deveria ocorrer nesta modalidade de empréstimo"; (b) "após certo período da contratação do empréstimo, o (a) recorrente após uma pesquisa superficial, concluiu que, na verdade, o empréstimo realizado junto ao recorrido se tratava de "empréstimo consignado pela modalidade cartão de crédito" de forma que em tal modalidade, há a constituição da Reserva de Margem Consignável (RMC), no importe de 5% sobre o valor do benefício, conforme se denota do extrato em anexo"; (c) "o contrato apresentado pelo Apelado não é o mesmo que originou os descontos indevidos. É outro e portanto não pode ser considerado para indeferimento dos pedidos iniciais. Destacamos que o contrato de ev. 13 CONTR6 é de 09/10/2015, acontece que o contrato discutido neste processo é datado de fevereiro/2017"; (d) "A visto do exposto, inquestionável o dever de indenização por danos morais e a restituição em dobro de tudo o que foi indevidamente cobrado"; e (e) "Ainda no que tange a fixação dos danos morais, este deve ser fixado visando, especialmente, inibir novos ilícitos e punir os já perpetrados, como é o caso, seja pelo NÃO ENVIO do cartão, seja pelos descontos indevidos no benefício da parte recorrente, que serve como sua fonte de sustento".

Empós, com o oferecimento das contrarrazões (evento 33, DOC1), ascenderam os autos a este grau de jurisdição, em razão da prevenção (evento 6, DOC1).

É o necessário escorço.

VOTO

Primeiramente gizo que uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade, o Recurso é conhecido.

Esclareço, por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no Novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz se deu em abril de 2021, isto é, já na vigência do CPC/2015.

1 Do Recurso

1.1 Das considerações iniciais

Os pleitos vazados pela Autora na exordial versam sobre o pacto de n. 11299163 (evento 1, DOC1, p. 2).

Não obstante, o contrato existente e debulhado nos autos é o apresentado pelo Banco (evento 13, DOC6), sendo a divergência de numeração apresentada decorrente das alterações das margens consignadas ocorridas desde sua pactuação.

Feitas as necessárias ponderações, passo ao enfoque do mérito da Insurgência.

1.2 Da declaração de inexistência de débito

O Demandante ajuizou "ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c repetiçao de indébito e indenizacão por danos morais" em face do Banco BMG S.A., argumentando que a Instituição Financeira impôs de forma dissimulada a contratação de empréstimo via cartão de crédito, com desconto em folha do valor mínimo da fatura, de modo que acreditou que estava realizando um empréstimo nos moldes tradicionais.

Aflora da peça inaugural que a Autora almeja: (a) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável RMC e, caso não acolhida a pretensão declaratória, a conversão da aludida avença para a modalidade empréstimo consignado; (b) a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente em folha de pagamento; e (c) a condenação do Réu ao pagamento de indenização por danos morais.

A Magistrada a quo julgou improcedentes os pedidos articulados na peça vestibular (evento 21, DOC1).

Exsurge do caderno processual ser incontroverso que os Contendores firmaram mútuo, porém inexiste consenso acerca da sua modalidade.

Enquanto a Autora sustenta que seu intento era apenas adquirir empréstimo consignado "comum", a Instituição Financeira defende que a Demandante teve plena ciência de que estava anuindo com a operação creditícia denominada "termo de adesão cartão de crédito consignado Banco BMG S.A. e autorização para desconto em folha de pagamento" (evento 13, DOC6).

A partir de um cotejo analítico do arcabouço jurisprudencial deste Areópago acerca da declaração de inexistência de contratação de empréstimo via cartão de crédito com contrato de reserva de margem consignável, a corrente majoritária ruma no sentido de reconhecer a abusividade da referida pactuação, pois em casos similares "o Banco, deliberadamente, impõe ao consumidor o pagamento mínimo da fatura mensal, o que para ele é deveras vantajoso, já que enseja a aplicação, por muito mais tempo, de juros e demais encargos contratuais" (Apelação Cível n. 0304923-40.2017.8.24.0039, Rela. Desa. Soraya Nunes Lins, j. 10-5-18).

Enfatizo que a prática abusiva e ilegal suso esmiuçada difundiu-se, tendo, lamentavelmente, atingido uma gama enorme de aposentados e pensionistas. A esse respeito, vale também conferir o inteiro teor do julgamento da Apelação Cível n. 0002355-14.2011.8.24.0079, de lavra do eminente relator Desembargador Robson Luz Varella, julgado em 17-4-18.

Observo que foram juntados aos autos documentos que atestam a efetiva instrumentalização de negócio jurídico com reserva de margem consignável em cartão de crédito, cujo pagamento parcial se dá pelo desconto no benefício previdenciário da Autora do valor mínimo da fatura, sendo que o restante do débito permanece registrado como saldo em aberto na fatura do cartão, sofrendo incidência de encargos mês a mês.

Ocorre que tal documentação, isoladamente, não é suficiente para atestar a lisura da contratação. Ora, o exercício da livre manifestação de vontade da Requerente no ato da assinatura deve ser também esmiuçado.

Considerando o conteúdo das razões recursais e a totalidade do contexto fático-probatório amealhado ao feito, concluo que no caso em testilha a Instituição de Crédito não atuou com a diligência e a boa-fé que se exige na concretização de todo negócio jurídico, circunstância que implica na nulidade contratual.

Com efeito, a Demandante é idosa, aposentada por tempo de contribuição e detentora da benesse da gratuidade da justiça.

Dos extratos de pagamentos do benefício n. : 063.361.647-8 (evento 1, DOC5), observo a existência de: (a) empréstimos consignados ativos; (b) uma reserva de margem consignável para cartão de crédito; e (c) descontos a título de empréstimo sobre a RMC.

É importante notar que o ajuste estabeleceu que o montante emprestado/sacado fosse depositado diretamente na conta-corrente da Autora - nos mesmos moldes do empréstimo consignado - de forma que não foi sequer necessário o uso do cartão de crédito para ter acesso ao valor negociado.

Além disso, não há qualquer prova no feito que demonstre que o cartão de crédito foi utilizado para efetuar compras ordinárias em seu dia a dia, o que corrobora a alegada ausência de interesse na pactuação deste serviço.

A propósito, quanto a este aspecto, deve ser destacado que eventual esgotamento da margem consignável de 30% não autoriza o raciocínio de que a Consumidora efetivamente tenha optado por celebrar mútuo com reserva de margem consignável.

É ilógico afirmar que na impossibilidade de contratação do empréstimo consignado comum - cujas taxas são sensivelmente mais brandas do que usualmente se vê praticado em operações análogas - a Aposentada realmente estava disposta a comprometer seu rendimento mensal com modalidade de crédito substancialmente mais onerosa do que aquela.

Gizo que a reserva de margem consignável para cartão de crédito desconta da folha previdenciária apenas o valor mínimo da fatura, dando a falsa impressão de que o montante emprestado será integralmente pago por tal meio.

A quantia remanescente, contudo, permanece sendo debitada mês a mês na fatura de cartão de crédito, aumentando com a incidência de encargos financeiros ao longo do tempo. É justamente por isso que no momento da celebração do pacto o detalhamento das informações que envolvem o saldo devedor é imprescindível para que a Consumidora possa exprimir sua vontade.

Diante dos aspectos suso debuxados somados à similaridade da denominação das duas operações de crédito em comento - empréstimo consignado e empréstimo via...

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