Acórdão Nº 5006856-34.2020.8.24.0038 do Quinta Câmara Criminal, 04-11-2021

Número do processo5006856-34.2020.8.24.0038
Data04 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5006856-34.2020.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA

APELANTE: NORBERTO BAESSO HILARIO (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Joinville, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Norberto Baesso Hilário, dando-o como incurso nas sanções do art. 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90, por doze vezes, conforme os seguintes fatos descritos na inicial acusatória, in verbis (Evento 1, Denúncia 2):

"O denunciado, na condição de titular de 'KOPSCH CONFECÇÕES EIRELI EPP', CNPJ n. 02.554.179/0001-54 e Inscrição Estadual n. 25.438.953-8, estabelecida na Rua Xaxim, n. 620, Bairro Iririú, em Joinville, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 663.947,79 (seiscentos e sessenta e três mil novecentos e quarenta e sete reais e setenta e nove centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores, locupletando-se ilicitamente mediante este tipo de apropriação de valores e ocasionando grave dano a coletivo ao estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação em DIMEs (Declarações do ICMS e do Movimento Econômico) dos meses de janeiro, fevereiro, março, abril,maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2018, documentos geradores da Dívida Ativa n. 19044020512, de 04/07/2019.

Encerrada a instrução, o magistrado a quo proferiu sentença julgando procedente a denúncia, nos seguintes termos (Evento 49):

"Em face do que foi dito, julgo procedente a denúncia para condenar NORBERTO BAESSO HILARIO ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 01 (um) ano de detenção, em regime aberto (art. 33, § 2º, "c" do CP), além do pagamento de 20 (vinte) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal (art. 49, § 1º do CP), por infração ao art. 2º, II da Lei nº 8137/90, por doze vezes, em continuidade delitiva (art. 71 do CP).

Custas pelo acusado (art. 804 do CPP).

Substituo a pena por restritiva, nos termos da fundamentação.

Permito o recurso em liberdade (art. 387, § 1º, do CPP)".

Inconformado, o réu interpôs apelação criminal por intermédio de defensor constituído. Em suas razões recursais, pugnou pela sua absolvição ao defender a ausência de prova e a atipicidade da conduta por entender que o delito em questão não estaria descrito no tipo penal evidenciando-se, tão somente, mera inadimplência fiscal por falta de condições financeiras, o que revelaria a excludente de culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa) e inexistência de dolo (Evento 11 destes autos).

Em contrarrazões, o Mistério Público manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 16 destes autos).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Jorge Orofino da Luz Fontes, opinando pelo conhecimento e desprovimento do apelo (Evento 19 destes autos).

Este é o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conhece-se do recurso e, à luz do princípio tantum devolutum quantum apellatum, passo a analisar unicamente as insurgências deduzidas.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Norberto Baesso Hilário, contra a decisão de primeira instância que o condenou à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano de detenção, no regime aberto, e no pagamento de 20 (vinte) dias-multa, cada qual o valor mínimo legal, pela prática do delito tipificado no art. 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90 (por 12 vezes).

Dito isso, consta da denúncia que o acusado, na condição de titular da empresa KOPSCH CONFECÇÕES EIRELI EPP, apropriou-se ilicitamente, em prejuízo direto ao Estado de Santa Catarina, ao deixar de efetuar o recolhimento, no prazo legal, da quantia de R$663.947,79 (seiscentos e sessenta e três mil novecentos e quarenta e sete reais e setenta e nove centavos), referente ao ICMS cobrado de consumidores, nos períodos de "janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2018".

Com efeito, a ocorrência da materialidade do crime contra a ordem tributária encontra-se delineada nos autos, notadamente através da representação ao Ministério Público n. 1960000025112, do Termo de Inscrição em Dívida Ativa n. 19044020512 e dos DIMEs (Evento 1, Notícia Crime 1 - autos originários)

No que tange à autoria não restam dúvidas, posto que ficaram devidamente comprovadas através do vasto conjunto probatório analisado pelo magistrado singular, ocasionando na condenação de Norberto na sentença de Evento 49.

A absolvição é discutida pelo apelante ao sustentar a insuficiência probatória para a formação do édito condenatório, atipicidade da conduta e ausência de dolo.

Contudo, entendo que tais premissas não devem prosperar haja vista que os elementos de prova demonstraram que sua real intenção foi a de infringir o artigo de lei em comento.

Determina o artigo 2º, da Lei n. 8.137/90:

"Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: [...]

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.

[...]"

Acerca do tipo penal do art. 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90 e da distinção entre inadimplência e crime contra a ordem tributária, leciona Alecio Adão Lovatto:

"O inciso é fundamental na distinção entre inadimplência e crime contra a ordem tributária. Se todas as elementares do inciso estiverem presentes, há crime contra a ordem tributária, mas, se nem todas estiverem presentes, o deixar de recolher o tributo caracteriza-se como simples inadimplemento, restrita ao campo tributário. Deflui, pois, como de enorme importância, a destinação. O verbo nuclear é deixar de recolher. O agente tem a obrigação de recolher e se omite, não efetua o pagamento daquilo que deveria recolher aos cofres públicos. Há a obrigação de agir, expressa pelo verbo recolher, e, apelas dela, o contribuinte omite-se (deixar). O delito é omissivo, diversamente do que ocorre com o crime de apropriação indébita, em que se exige o animus rem sibi habendi, por meio da ação de apropriar-se. Mas, se não exige o dolo correspondente à apropriação indébita, convém, desde logo, ressaltar a presença da elementar cobrado ou descontado, em que se situa a reprovabilidade. Isto se diz para ser evitada a interpretação equivocada que se centraliza na omissão, olvidando a necessidade das demais elementares para caracterizar o delito". (Crimes tributários: aspectos criminais e processuais. 3.Ed. Rev. E ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, pgs. 124 e 125).

No mesmo sentido, leciona Pedro Roberto Decomain:

"O puro e simples não recolhimento do ICMS pelo contribuinte configura crime previsto pelo art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90? [...] Numa primeira abordagem, de cunho eminentemente econômico, deixando de parte discussões doutrinárias sobre os tributos conhecidos como diretos e indiretos, e levando em conta apenas o aspecto econômico a partir do qual são conceituadas essas espécies, ou seja, atendendo-se ao fato de que existem tributos cujo ônus é imediatamente repassado pelo contribuinte a terceiro, em contrapartida a outros em que tal não ocorre, e sabendo-se que o ICMS inclui-se na categoria dos indiretos, ou seja, daqueles cujo montante é cobrado pelo contribuinte ao adquirente dos produtos tributados, encontrando-se a incidência tributária previamente embutida no próprio preço da mercadoria vendida, conclui-se que o não recolhimento do ICMS no prazo previsto pela legislação implica a ocorrência desse crime. O contribuinte efetivamente repassou ao adquirente da mercadoria tributada o ônus representado pelo ICMS. Cobrou-o, portanto, a terceiro, devendo recolher aos cofres públicos o montante assim apurado. Se não o faz, comete o crime examinado" (Crimes contra a ordem tributária. 4ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 431-432 - g.n.).

In casu, a qualidade de empresário à época dos fatos é inconteste, diante da comprovada responsabilidade do apelante como sócio administrador da empresa Kopsch Confecções Eirelli EPP, conforme documento de "Transformação em Empresa Individual de Responsabilidade Limitada", notadamente na Cláusula Sexta (Evento 1, Notícia Crime, fl. 44 - autos originários), decorrendo-lhe, portanto, na obrigação de fiscalizar e atuar nos ditames da legislação fiscal e em obediência aos preceitos intitulados no art. 135, inciso III do Código Tributário Nacional e do art. 11 da Lei n. 8.137/90.

Neste sentido, preceitua a doutrina que:

"O sujeito que consta como administrador no contrato social da empresa à época da conduta (tempo do crime, art. 4.º do CP) praticada por intermédio desta, presume-se autor do delito, ao menos na modalidade intelectual, devendo provar o contrário, caso impute a iniciativa anímica da conduta de terceiro (por exemplo, um funcionário) invertendo, assim, o ônus da prova devido à alegação de circunstância fática nova nos autos (art. 156 CPP), divergente das circunstâncias constantes na documentação constitutiva da pessoa jurídica". (EISELE, Andreas. Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Dialética, 1998. p. 221) "[...] o fato de o proprietário ser administrador da empresa é indicativo fundamental para sua responsabilização penal na administração da empresa, pois, normalmente, tem ele o domínio do fato sob as mais variadas formas: da ação, como autor da vontade, como mandante em relação ao autor imediato e da funcionalidade do fato em relação...

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