Acórdão Nº 5006894-80.2019.8.24.0038 do Sétima Câmara de Direito Civil, 24-03-2022

Número do processo5006894-80.2019.8.24.0038
Data24 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSétima Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5006894-80.2019.8.24.0038/SC

RELATORA: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRIN

APELANTE: DILMA LEONCIO DE SOUZA (AUTOR) ADVOGADO: JEFFERSON LAURO OLSEN (OAB SC012831) APELANTE: ILSON SOUTOCK (AUTOR) ADVOGADO: JEFFERSON LAURO OLSEN (OAB SC012831) APELADO: COMPANHIA ÁGUAS DE JOINVILLE (RÉU)

RELATÓRIO

Forte no princípio da celeridade e utilizando das ferramentas informatizadas, adota-se o relatório da sentença recorrida (evento 53 da origem), por sintetizar o conteúdo dos autos, in verbis:

Trata-se de ação de indenização de danos morais promovida por ILSON SOUTOCK e DILMA LEONCIO DE SOUZA, em face de COMPANHIA ÁGUAS DE JOINVILLE, partes qualificadas.

Aduziu a parte autora, em síntese, que reside em imóvel localizado nas imediações da estação de tratamento de esgoto do bairro Paranaguamirim, nesta Comarca. Aproximadamente no ano de 1984, a CASAN construiu a mencionada estação e, desde então, os moradores da região são obrigados a conviver com mau cheiro, insetos, roedores e doenças, além da vergonha e do constrangimento de residir em local nessas condições. Sustentou que, embora decorridos muitos anos desde a instalação da aludida ETE (Estação de Tratamento de Esgoto), a requerida, até o momento, não tomou providências para solucionar tal problema. Requereu a reparação de danos morais e a concessão da Gratuidade da Justiça. Juntou documentos.

Recebida a inicial, deferiu-se o benefício da gratuidade da justiça e foi reconhecida a relação de consumo existente entre as partes, invertendo-se o ônus da prova (evento 18).

Citada, a ré apresentou contestação (evento 26). Arguiu, em preliminar, a ilegitimidade ativa, sob a alegação de que a parte autora não comprovou residir no local, bem como a ilegitimidade passiva, ao argumento de que, por aproximadamente 32 anos, os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário do Município de Joinville estiveram a cargo da CASAN, antiga concessionária, de modo que não poderia responder pelos atos praticados por ela ou pelo Município. Como prejudicial de mérito, sustentou que a pretensão da parte autora fora atingida pela prescrição trienal, vez que os fatos tiveram início em 1984. No mérito, afirmou ser uma empresa distinta da CASAN. Defendeu, ainda, a inexistência de prestação de serviços e de relação de consumo no caso concreto; que a ETE Jarivatuba é a principal estação de tratamento do Sistema de Esgotos Sanitários de Joinville; que o sistema de tratamento foi concebido sob a forma de "lagoas de estabilização", constituído por seis lagoas em série, duas anaeróbias, uma facultativa e três de maturação. Com o crescimento da cidade, a área em torno da referida ETE passou a ser ocupada pela população, sendo natural a existência de odores; que as concentrações de sulfato constituem a maior causa dos odores emitidos pela dita estação, vez que em condições anaeróbicas o sulfato é reduzido a sulfeto e, dependendo do pH do meio, é liberado para a atmosfera na forma de gás sulfídrico, o qual possui forte odor. Em razão disso, foi instalado um Sistema Neutralizador de Odores, ao passo que a construção de uma estação de tratamento de esgoto mais moderna está em vias de ocorrer, o que reduzirá a emanação de odor. Sustentou que a estação de tratamento de esgoto proporciona qualidade de vida à população e que doenças, roedores e insetos não são observados nas adjacências. Aduziu não haver prova de que o odor e a aludida estação tenham causado a proliferação de doenças, de roedores e de insetos, ou de qualquer problema de saúde para a população local ou mesmo à parte autora. Ao final, requereu o acolhimento das preliminares e, subsidiariamente, a improcedência dos pedidos iniciais. Juntou documentos.

Houve réplica (evento 31).

No saneador, foi reconhecida a conexão instrumental com os Autos n. 5017535-30.2019.8.24.0038, e as preliminares foram afastadas. Na dita decisão, também fora deferida a utilização da prova pericial produzida nos Autos n. 0302016-66.2015.8.24.0038, nos termos do art. 372 do Código de Processo Civil.

Os laudos periciais foram juntados (evento 25 dos Autos n. 5017535-30.2019.8.24.0038), sobre os quais ambas as partes se manifestaram (eventos 46 e 49).

Sentenciando, o MM. Juiz de Direito Rafael Osorio Cassiano julgou improcedentes os pedidos formulados na exordial, condenando os autores ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade deferida.

Os Embargos de Declaração veiculado pelos autores foram rejeitados (evento 64 da origem).

Irresignados, os autores interpuseram o presente apelo (evento 70 da origem).

Nas suas razões recursais, sustentaram que, acordo com a perícia realizada nos autos 0302016-66.2015.8.24.0038, "até novembro de 2016, a pluma tinha um alcance maior (área delimitada pela tabela 03 da perícia - evento 902 - laudo/674 - fls. 25/26 [...]) e após novembro de 2016 o alcance da pluma foi diminuído (área delimitada pela tabela 04 da perícia - evento 902 - laudo/674 - fls. 28 [....]). Isso ocorreu pelo fato que após novembro de 2016, a apelante passou a utilizar o sistema de oxidação de sulfato1 o que diminuiu o alcance da pluma de mau odor". Assim, asseveram que a residência dos apelantes "localiza-se fora da faixa da Tabela4 [constante dos autos 0302016-66.2015.8.24.0038], entretanto o que o juízo singular nos parece não ter interpretado corretamente é que aplica-se ao caso a Tabela3, tendo em vista que na inicial os apelantes afirmaram que sofrem a consequência dos mau cheiro desde 1984. [...] afirmando os apelantes que residem no local desde antes de novembro de 2016, é certo que deve-se aplicar a Tabela3 para o julgamento do caso em tela, uma vez que considerando-se o odor existente até novembro de 2016 o local onde os apelantes residem é atingido pela pluma de odor. O endereço dos autores consta da petição inicial e do comprovante de endereço que instruiu o processo como sendo (Rua Gerhard Fischer, nº 330) que é atingida pela pluma de mau odor, conforme verifica-se do laudo pericial (evento 902 - laudo/674 - fls. 25/26 - Autos nº 0302016-66.2015.8.24.0038). Inexistindo prescrição entre o dano moral sofrido pelos apelantes até novembro de 2016 até o protocolo da presente ação, não há alternativa senão a total procedência dos termos da inicial". Propugnou o conhecimento e o provimento do recurso a fim de que seja julgado procedente o pedido ou, subsidiariamente, seja anulada a sentença para que os autores possam fazer prova da residência.

Houve contrarrazões (evento 75 da origem).

Este é o relatório.

VOTO

1. Da admissibilidade

Como condição geral de admissibilidade, o conhecimento do recurso está condicionado ao cumprimento dos requisitos extrínsecos (regularidade formal e tempestividade) e intrínsecos (cabimento, interesse recursal, legitimidade recursal, inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) previstos na legislação.

Destaca-se que a competência desta Sétima Câmara de Direito Civil para o julgamento do presente e dos demais recursos envolvendo a concessionária demandada, e que tem como causa petendi indenização por danos morais em virtude de alegado mau cheiro advindo da estação de tratamento de efluentes do bairro Paranaguamirim (ETE - Jarivatuba) está assentada no artigo 73, I, Anexo III, item I, b do Regimento Interno desta Corte, e diante da prevenção estabelecida com a distribuição a esta Relatora da apelação cível n. 0315033-33.2019.8.24.0038 (art. 117, RI).

Necessário registrar, ainda, que as prefaciais de ilegitimidade ativa e passiva ad causam e de prescrição, aventadas em contestação, foram rejeitadas pela decisão interlocutória irrecorrida proferida em 16-6-2015, ocasião em que declarada a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, CDC).

Superadas essas prejudiciais pela preclusão, e porquanto preenchidos os requisitos de admissibilidade recursal, passa-se à análise de mérito.

2. Dos pressupostos à configuração da responsabilidade civil

2.1 Da espécie de responsabilização aplicável ao caso concreto

Trata-se na origem de ação de indenização por danos morais movida contra Companhia Águas de Joinville, sustentando a parte autora que residem nas imediações da estação de tratamento de esgoto do bairro Paranaguamitim, denominada ETE - Jarivatuba, na cidade de Joinville/SC, construída na década de 1980 pela Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan), impondo aos moradores há anos o convívio com o mau cheiro, insetos, roedores e doenças. Defenderam a ocorrência de dano moral indenizável ante a exposição a esses agentes e à inércia da demandada em resolver o problema, fundamentando sua pretensão na legislação civil e consumerista, doutrina e jurisprudência pátrias.

Em contestação, a empresa ré aduziu, em síntese, inexistir prova de que a estação tenha causado a proliferação de doenças, presença de roedores, insetos ou problemas de saúde à população; que os benefícios da estação de tratamento se sobrepõem ao bem estar individual; e ausência de nexo de causalidade entre a conduta da concessionária e o alegado dano. Historiou que atua como concessionária no município de Joinville/SC desde 2-8-2005, através do contrato de concessão 363/2005 e Lei municipal nº 5.054/2004, sendo constituída como sociedade de economia mista municipal.

Postas as questões de fato e de direito, procede-se à subsunção do fato ao tipo normativo, de modo a perquirir a respeito da alegada responsabilidade civil da acionada.

Como cláusula geral de responsabilidade, o Código Civil de 2002 prescreve:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

[...]

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a...

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