Acórdão Nº 5006960-89.2021.8.24.0135 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 15-12-2022

Número do processo5006960-89.2021.8.24.0135
Data15 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5006960-89.2021.8.24.0135/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: OSNILDO MELZI (AUTOR) APELADO: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL (RÉU)

RELATÓRIO

OSNILDO MELZI interpôs recurso de apelação contra a sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau Yhon Tostes, nos autos da ação anulatória c/c indenizatória proposta contra BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL, em curso perante o juízo da Unidade Estadual de Direito Bancário, que julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:

Trata-se de ação declaratória de nulidade de ato jurídico e indenizatória por danos morais ajuizada por ANA SOARES FRAGOSO FERRAZ em face de BANCO BMG S.A.

A parte autora sustenta, em apertada síntese, que pretendia firmar com a instituição financeira ré um contrato de empréstimo consignado, porém, acabou contratando sem saber um cartão de crédito com reserva de margem consignada (RMC) em sua pensão/aposentadoria.

Afirma que jamais solicitou tal cartão de crédito e que sequer fez uso dele, tendo sido vítima de uma fraude.

Pleiteia, ao final, a declaração de nulidade da contratação do RMC e do cartão de crédito, a devolução dos valores descontados em seu benefício previdenciário sob a rubrica de RMC e a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais.

Decisão recebendo a inicial e deferindo a justiça gratuita ao autor (evento 13).

Contestação no evento 20, através da qual a instituição financeira ré sustenta que a parte autora realizou a contratação do RMC vinculado a cartão de crédito e, por isso, refutou integralmente os argumentos contidos na inicial e os pedidos nela formulados.

Réplica no evento 27.

Vieram os autos conclusos.

É a síntese do necessário. DECIDO:

DA PRESCRIÇÃO

Aduz a instituição financeira demandada que o pleito referente à revisão do contrato, devolução de valores e indenização por danos morais foi atingido pela prescrição, nos moldes do art. 206, § 3º, IV e V, do Código Civil, que prevê o prazo de 3 (três) anos.

No entanto, não merece guarida a prejudicial apresentada, tendo em vista que o art. 206, § 3º, IV e V, não se aplica a este processo, uma vez que a pretensão de revisão de contrato versa sobre direito pessoal, cujo prazo prescricional obedece à regra do art. 205 do CC/02. Neste ponto vale esclarecer que os pedidos de repetição do indébito e indenização por danos morais decorrem do pleito de revisão do contrato, portanto obedecem o mesmo prazo.

Mutatis mutandis, já decidiu o TJSC:

"Sustenta o apelante que está prescrito o direito de ação do apelado, eis que aplica-se o disposto no artigo 206, §3º, inciso IV, do CC, transcorrendo mais de 3 (três) anos, da data da assinatura do contrato e do ajuizamento da presente ação. Conforme se percebe do autos, o contrato foi firmado em 11/01/2006, ou seja, na vigência do novo Código Civil, pretendo o apelado a revisão das cláusulas contratuais. Como bem se observa da ação firmada, a mesma é de cunho pessoal, aplicando-se a ela, o lapso decenário, posto que diante da ausência de prazo prescricional específico para ações desta natureza, aplica-se a regra do artigo 205, do Código Civil." (Apelação Cível n. 2011.070423-6, de Abelardo Luz, rel. Des. Guilherme Nunes Born, j. em 19/03/2012)

Ainda,

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS AJUIZADA NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. AUTORA QUE ALEGA NUNCA TER FIRMADO COM O BANCO DEMANDADO CONTRATO DE EMPRÉSTIMO MEDIANTE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) DO SEU BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CONTRATO NÃO APRESENTADO PELO BANCO DEMANDADO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA . RECURSOS INTERPOSTOS POR AMBOS OS LITIGANTES. [...] 2. DECADÊNCIA. PLEITO PARA RECONHECIMENTO DA DECADÊNCIA DO DIREITO DA AUTORA COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 178 DO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE DO PRAZO DE ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO PREVISTO NESSA NORMA. AÇÃO SUBJACENTE EM QUE SE PLEITEIA O RECONHECIMENTO DA NULIDADE DE CONTRATAÇÃO QUE SE SUBMETE APENAS A PRAZO PRESCRICIONAL. TESE NÃO ACOLHIDA. [...] (TJSC, Apelação n. 5000363-04.2021.8.24.0039, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Zanelato, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 09-09-2021). [grifei].

Realmente, a mais percuciente lição pretoriana reza que "as ações revisionais de contrato bancário são fundadas em direito pessoal, cujo prazo prescricional é decenal, conforme o art. 205 do Código Civil". (STJ, AgRg no Ag 1291146/MG, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. em 18.11.2010).

Com clareza solar, o Min. Sidnei Beneti expõe que "o prazo prescricional para as ações revisionais de contrato bancário, nas quais se pede o reconhecimento da existência de cláusulas contratuais abusivas e a conseqüente restituição das quantias pagas a maior, é vintenário (sob a égide do Código Civil de 1916) ou decenal (na vigência do novo Codex) pois fundadas em direito pessoal". (AgRg no REsp 1057248/PR, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, j. em 26/04/2011).

Portanto, considerando que a demanda judicial foi proposta antes de decorridos 10 (dez) anos desde a celebração do contrato, não há que se falar em prescrição.

DO JULGAMENTO DE MÉRITO

Cuida-se de mais uma "ação de massa", qual seja, uma ação anulatória sobre a operação bancária conhecida por "reserva de margem consignada" (RMC), em que a parte autora sustenta de forma bastante genérica ter sido realizado o negócio jurídico eivado de vício de consentimento por não ter compreendido o pacto eis que é aposentada, idosa e acreditava estar diante de um singelo empréstimo consignado.

Se alguém duvida da escalada dos litígios dessa natureza basta verificar o número de novas ações envolvendo RMC, que só no trimestre de mar/mai de 2021, na antiga 1a. VDB, alcançaram quase 200 (duzentas) por mês, gerando um número total de entrada de novas ações de quase 600 (seiscentas), incluídas as redistribuídas (que giram em torno de 30/40 por mês). Isso deve implicar em repensar cautelosamente até mesmo o inovador projeto de estadualização das varas bancárias pois não temos estrutura para suportar tamanha quantidade de litígios, uma vez que os números previstos nos relevantes estudos que foram brilhantemente apresentados não comportavam essa mudança de cenário que nada tem a ver com a Pandemia (jurimetria ajuda e é importantíssima, mas devemos observar à realidade e tomar cuidado com aquilo que os estudiosos da economia comportamental chamam de "viés de confirmação"). Alerto que a média anual de 2020 na 1a. VDB de Joinville foi de 259 novas ações por mês, incluídas ações de todos os tipos.

A inicial faz um pedido específico de nulidade de um negócio jurídico e, em réplica, reclama de abusividade contratual sobre a questão de juros. Por conseguinte, deixo de conhecer referida formulação uma vez que a lide é delimitada de acordo com os pleitos realizados na petição inicial (art. 319, IV, c/c art. 342, ambos do NCPC), não podendo ser alterada subjetiva nem objetivamente após a citação da parte ré, sob pena de inovação processual (art. 329 c/c 492, ambos do NCPC).

Para tornar mais eficiente e facilitar a compreensão dos fatos, realizo o resumo abaixo:

QUADRO SINÓTICO

CONTRATO DE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC)evento 20, CONTR2ASSINATURA DA PARTE AUTORA NO CONTRATO DE RMC evento 20, CONTR2CLÁUSULA AUTORIZANDO DESCONTO DE MARGEM CONSIGNÁVEL (5%)evento 20, CONTR2COMPROVAÇÃO DO USO/ SAQUES NO CARTÃO DE CRÉDITOevento 20, FATURA3-8COMPROVANTE DO USO DA MARGEM DE 30% DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADOevento 1, EXTR12CONTRATOS/DOCTS. SOBRE OUTROS TIPOS DE EMPRÉSTIMOSevento 1, EXTR12

Se o contrato de reserva de margem consignável for realizado pelo sistema "internet banking", ou seja, pela via eletrônica, constará no campo da assinatura a sigla "I.B.", sendo que desde já deixo firmado o entendimento que esse tipo de contrato em suas diversas formas eletrônicas é válido, como bem já anotou o TJDF:

(...). A inexistência de contrato escrito é irrelevante para comprovar o vínculo obrigacional, uma vez essa formalidade não ser essencial para a validade da manifestação de vontade relacionada aos contratos eletrônicos, de modo que a existência desse vínculo pode ser demonstrada por outros meios de prova admitidos em direito, no caso dos autos o extrato demonstrativo da operação. Ademais, o contrato foi firmado por meio eletrônico mediante a utilização de senha pessoal de uso exclusivo do correntista, inexistindo assim o contrato escrito. As operações bancárias consumadas por meio eletrônico não geram documentos físicos de adesão aos termos gerais da contratação ofertada pela instituição financeira. (TJDF, Ap. Civ. N. 20140111450486, Rel. Maria Ivatônia, 5ª. Turma Cível, j. 04.11.2015).

Por outro vértice, importa destacar sempre que se a ideia fosse sustentar que o contrato de financiamento é oriundo de fraude e, ipso facto, gerasse uma discussão sobre a própria existência do negócio jurídico, não haveria que se falar mais na competência da Vara de Direito Bancário, eis que nessa situação não existiria matéria bancária em discussão e sim objeto para uma ação anulatória de ato jurídico por conta de que a alegação de fraude desloca sempre a competência para uma vara cível.

Apenas para ilustrar, recomendo a leitura do r. aresto do nosso Tribunal: CCO. N. 0003388-38.2018.8.24.0000, de Rio do Sul, Rel. Des. Carlos Adilson da Silva, Câmara de Recursos Delegados, j. 29.08.18.

Neste particular, ressalto que a competência do Segundo Grau, ou seja, das Câmaras Comerciais do TJSC compreendem tanto matéria cível como bancária, diferentemente do que ocorre na questão da competência das varas bancárias de primeiro grau que são especializadas (e possuem competência mista - em razão da pessoa e da matéria).

Por não vislumbrar discussão sobre a existência do negócio jurídico, mas apenas arguição de vício de consentimento, declaro a competência do Juízo especializado bancário.

DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Pelo que se deduz da inicial, a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT