Acórdão Nº 5007046-80.2019.8.24.0054 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 15-12-2022

Número do processo5007046-80.2019.8.24.0054
Data15 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5007046-80.2019.8.24.0054/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: MARCIO MORGUENROTH EIRELI (AUTOR) APELANTE: MAURICIO DENZER (AUTOR) APELANTE: MAIKE DENZER (AUTOR) APELANTE: MARCIO MORGUENROTH (AUTOR) APELADO: BANCO DO BRASIL S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

MARCIO MORGUENROTH e outros interpuseram recurso de apelação da sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau Anddré Udyllo Mesquita (Evento 116 - eproc 1g), nos autos da ação revisional contratual proposta contra BANCO DO BRASIL S.A., em curso perante o juízo da Vara Regional de Direito Bancário da Comarca de Rio do Sul, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:

Trata-se de Ação de Revisão de Contrato ajuizada por MARCIO MORGUENROTH, MAIKE DENZER MORGUENROTH, MAURICIO DENZER e MARCIO MORGUENROTH EIRELI contra BANCO DO BRASIL S.A., todos qualificados nos autos, onde os devedores informa ter realizado diversos contratos com o Banco réu, contudo, pretendem revisar as cláusulas abusivas.

Neste ponto, sustentaram:

a) a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, com a consequente inversão do ônus da prova;

b) o reconhecimento da abusividade dos juros remuneratórios nos contratos 535.701.091, 535.701.099, 535.701.100, 535.700.986 e 535.700.776;

c) a nulidade da cobrança da capitalização de juros nos contratos 535.701.091, 535.701.099, 535.701.100, 535.700.986 e 535.700.776;

d) a impossibilidade da incidência cumulada da comissão de permanência, juros e multa contratual, bem como a ilegalidade da multa nos contratos 535.701.091, 535.701.099, 535.701.100, 535.700.986 e 535.700.776;

e) a ilegalidade da cobrança de Comissão de Concessão de Garantia - CCG - FGO nos contratos 535.701.091, 535.701.099, 535.701.100, 535.700.986 e 535.700.776;;

f) a nulidade da utilização da TJLP para fins de atualização monetária;

g) o reconhecimento da abusividade da cláusula que prevê trava bancária no contrato 535.701.099;

h) a revisão total dos contratos: 1) Conta Corrente: 5357-0 / 44.004-3; 2) Cédula de crédito bancário nr. 535.701.091, de 28/11/2017, no valor de R$ 156.887,30; 3) Cédula de crédito bancário nr. 535.701-099, de 08/01/2018, no valor de R$ 147.600,14; 4) Cédula de crédito bancário nr. 535.701.100, de 11/01/2018, no valor de R$ 43.181,49; 5) Cédula de crédito bancário nr. 535.700.986, de 11/2016, no valor de R$ 67.306,06; 6) Contrato de abertura de crédito fixo nr. 535.700.776, de 10/11/2015, no valor de R$ 50.000,00; 7) BB Giro Empresa nr. 535.700.642, no valor de R$ 200.000,00; 8) BB Giro MIX P nr. 535.700.793, no valor de R$ 25.000,00; 9) BB Giro FAT T nr. 535.700.880, no valor de R$ 25.000,00; 10) Desconto de título nr. 535.700.249, no valor Página 57 de 60 de R$ 300.000,00; 11) BB Giro Receb nr. 535.700.939, no valor de R$ 120.000,00; 12) Ourocard Empr nr. 52605857, no valor de R$ 49.999,00; 13) Ourocard Empr nr. 93265024, no valor de R$ 49.999,00; 14) BB Giro Rapid nr. 535.700.460, no valor de R$ 70.000,00; 15) BB Giro Rapid nr. 44004, no valor de R$ 14.000,00; 16) Cartão BNDES; 17) Contratos de desconto de títulos - Bôrderos de descontos, devidamente relacionados na planilha 12, que acompanha a presente; 18) Contratos dos financiamentos, devidamente relacionados na planilha 11, que acompanham a presente;

i) a ilegalidade das cláusulas que preveem a cobrança de despesas do emitente; e

j) a restituição do indébito.

Ao final, requereram a procedência total dos pedidos.

Foi negada a liminar (Evento 6).

Citado, o réu apresentou defesa na forma de contestação (Evento 30), onde defendeu, preliminarmente, a prescrição dos contratos encerrados há mais de três anos e, no mérito, a legalidade da avença. Ao final, requereu a rejeição total dos pedidos.

Réplica no Evento 43.

Vieram conclusos os autos.

II - FUNDAMENTAÇÃO

Do Julgamento Antecipado da Lide

Tendo em vista que a questão trazida à baila pela parte devedora é eminentemente de direito e dispensa a produção de outras provas, resta autorizado o julgamento antecipado da lide (art. 355, I, do CPC), sendo desnecessária a produção de prova pericial pleiteada pela parte autora, conforme entendimento do TJSC (Apelação n. 5003668-57.2020.8.24.0030, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Mariano do Nascimento, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 17-06-2021).

Da Aplicação do Código de Defesa do Consumidor

No caso em tela, não há dúvida que as partes se enquadram nos conceitos de consumidor e fornecedor (art. 2º e art. 3º, do CDC), situação que, inclusive restou sedimentada na súmula 297 do STJ, pela qual "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Portanto, a perlenga será analisada com fulcro nas normas que regem o sistema consumerista.

Da Possibilidade de Revisão Judicial do Contrato

A possibilidade de revisão da avença ou de algumas de suas cláusulas é perfeitamente possível pois se busca estabelecer um quadro de equilíbrio da relação, evitando que haja onerosidade excessiva.

Não é à toa que, segundo o art. 6º, do CDC, entre os direitos básicos do consumidor está "[...] V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas".

Portanto, ainda que livremente pactuado entre as partes, não há dúvidas de que o contrato pode ser revisado, ainda mais em sendo de adesão, como na espécie, em que o aderente/consumidor não pode exercer o direito pleno da liberdade de contratar, porque tolhida essa faculdade em função da imposição unilateral das disposições contratuais pelo fornecedor.

Sobre essa modalidade de contrato, dispõe o art. 54 do CDC:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos e serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente o seu conteúdo.

Nesse rumo, o Tribunal de Justiça Catarinense entende pela possibilidade de revisão da avença, mitigando o princípio pacta sunt servanda:

CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. REVISÃO. PARCIAL PROCEDÊNCIA. APELO DA PARTE DEMANDADA. (...) INCIDÊNCIA DAS NORMAS PROTETIVAS DO CONSUMIDOR, NOS TERMOS DA SÚMULA N. 297 DO STJ. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE MITIGADO. Em atenção ao art. 6º, inciso V e ao art. 51, ambos previstos no Código de Defesa do Consumidor, é patente a possibilidade de revisão, pelo Poder Judiciário, das cláusulas contidas nos contatos que instrumentalizam as relações de consumo, especialmente com o fim de aniquilar as arbitrariedades comumente inseridas nos contratos de adesão, tal como nos contratos de natureza bancária. Ademais, a revisão das cláusulas contratuais é permitida também sob à ótica do Código Civil, à luz dos princípios da função social do contrato (art. 421) e da boa-fé objetiva (art. 422), que estatuem que o acordo de vontades (pacta sunt servanda) não pode ser transformado num instrumento de práticas abusivas e deve ser mitigado para possibilitar a revisão das cláusulas e condições contratuais abusivas e iníquas. (...) Apelo conhecido e não provido. (TJSC, Apelação n. 0300615-27.2017.8.24.0017, de TJSC, rel. GILBERTO GOMES DE OLIVEIRA, 3ª Câmara de Direito Comercial, j. 03-09-2020).

Por outro lado, "nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas" (Súmula 381 do STJ), razão pela qual só serão analisadas aquelas apontadas como abusivas.

Ressalto ser incontroverso o fato de que os requerentes contrataram diversos empréstimos junto à instituição financeira, contudo, conforme entendimento exposto na súmula supra mencionada, apenas as cláusulas especificamente impugnadas serão analisadas, razão pela qual não merece ser acolhido o pleito genérico para revisão total dos contratos: "1) Conta Corrente: 5357-0 / 44.004-3; 2) Cédula de crédito bancário nr. 535.701.091, de 28/11/2017, no valor de R$ 156.887,30; 3) Cédula de crédito bancário nr. 535.701-099, de 08/01/2018, no valor de R$ 147.600,14; 4) Cédula de crédito bancário nr. 535.701.100, de 11/01/2018, no valor de R$ 43.181,49; 5) Cédula de crédito bancário nr. 535.700.986, de 11/2016, no valor de R$ 67.306,06; 6) Contrato de abertura de crédito fixo nr. 535.700.776, de 10/11/2015, no valor de R$ 50.000,00; 7) BB Giro Empresa nr. 535.700.642, no valor de R$ 200.000,00; 8) BB Giro MIX P nr. 535.700.793, no valor de R$ 25.000,00; 9) BB Giro FAT T nr. 535.700.880, no valor de R$ 25.000,00; 10) Desconto de título nr. 535.700.249, no valor Página 57 de 60 de R$ 300.000,00; 11) BB Giro Receb nr. 535.700.939, no valor de R$ 120.000,00; 12) Ourocard Empr nr. 52605857, no valor de R$ 49.999,00; 13) Ourocard Empr nr. 93265024, no valor de R$ 49.999,00; 14) BB Giro Rapid nr. 535.700.460, no valor de R$ 70.000,00; 15) BB Giro Rapid nr. 44004, no valor de R$ 14.000,00; 16) Cartão BNDES; 17) Contratos de desconto de títulos - Bôrderos de descontos, devidamente relacionados na planilha 12, que acompanha a presente; 18) Contratos dos financiamentos, devidamente relacionados na planilha 11, que acompanham a presente".

Assim, a perlenga se cinge em saber se as cláusulas/cobranças das seguintes avenças são válidas: 535.701.091, 535.701.099, 535.701.100, 535.700.986 e 535.700.776.

Dos Juros Remuneratórios

Em relação aos juros remuneratórios, a incidir no período de normalidade do contrato, isto é, quando as parcelas são pagas dentro do prazo de vencimento, vejo que razão não socorre ao devedor quando busca a sua limitação em 12% ao ano ou à taxa média de mercado.

De fato, o art. 192, §3º, da Constituição Federal, previa a possibilidade de limitação dos juros de remuneratórios em 12% ao ano, contudo, o entendimento predominante era de que o dispositivo só teria aplicabilidade com a edição de lei complementar (Súmula Vinculante 7 do STF), o que jamais ocorreu. Ademais, com a revogação do dispositivo pela EC 40/03, cessou qualquer discussão a respeito do tema.

Nessa trilha de raciocínio, consolidou-se, ao longo do...

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