Acórdão Nº 5007196-47.2019.8.24.0091 do Quinta Câmara Criminal, 07-07-2022

Número do processo5007196-47.2019.8.24.0091
Data07 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5007196-47.2019.8.24.0091/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA

APELANTE: FELIX DE OLIVEIRA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca da Capital, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Félix de Oliveira, Elizeu Salvador e Paulo Eduardo Baptista, dando-os como incursos nas sanções do art. 3º, alínea "i", da Lei n. 4.898/65 e art. 209, caput, do Código Penal Militar [por duas vezes], tudo na forma dos artigos 53 e 79 do mesmo diploma legal, conforme os seguintes fatos descritos na inicial acusatória, in verbis (evento 1):

"No dia 11 de novembro de 2018, por volta das 3 horas, na Avenida Progresso, Centro, município de Nova Itaberaba, o denunciado Sd PM FÉLIX DE OLIVEIRA, com a anuência dos denunciados 3º Sgt PM ELIZEU SALVADOR e Cb PM PAULO EDUARDO BAPTISTA1, e manifesto abuso de autoridade, utilizando-se de uma tonfa, desferiu golpes nas vítimas Eduardo Júnior Ribeiro dos Santos, Thassyele Ilha Soares e Eduardo Gabriel Borin, atentando contra suas integridades físicas.

Segundo o caderno investigativo, na data dos fatos, durante atendimento de ocorrência sobre perturbação de sossego na praça central do referido município, depois do ofendido Eduardo Júnior Ribeiro dos Santos ter dito que 'não iria embora dirigindo porque havia bebido e alguns desses palhaços poderia multá-lo , o denunciado Sd PM FÉLIX DE OLIVEIRA, de forma desnecessária e com abuso de poder, prevalecendo-se de sua posição de policial militar e contando com a coberta dos demais denunciados, agrediu as vítimas com golpes de tonfa pelo corpo, causando-lhe em Eduardo Júnior Ribeiro dos Santos e Eduardo Gabriel Borin 3 4 as lesões descritas nos laudos periciais acostados à p. 11 e 13.

Registra-se, por fim, que os denunciados 3º Sgt PM ELIZEU SALVADOR 5 e Cb PM PAULO EDUARDO BAPTISTA concorreram para as práticas criminosas, dando guarida à ação de Sd PM FÉLIX DE OLIVEIRA , posto que estavam no local dos fatos, de forma que poderiam e deveriam ter agido de forma diferente.

Encerrada a instrução, o magistrado a quo proferiu sentença julgando parcialmente procedente a denúncia, nos seguintes termos (evento 205):

"Ante o exposto, JULGA-SE PROCEDENTE EM PARTE a denúncia para condenar FELIX DE OLIVEIRA à pena de 08 (oito) meses de detenção, em regime inicial aberto (art. 33, § 2º, alínea "c", do CP), pela prática do crime insculpido no art. 209, caput, do Código Penal Militar, por duas vezes, na forma do art. 79 do CPM.

Presentes os requisitos do art. 606 do Código de Processo Penal Militar, concede-se ao réu, caso assim opte, a suspensão condicional da pena, cujas condições e prazo do período de prova serão fixadas em audiência admonitória".

Inconformado, o réu interpôs apelação criminal por intermédio de defensor constituído. Nas razões recursais, em síntese, o apelante pugna pela absolvição ante a fragilidade probatória em manter a condenação, já que as provas nos autos tendem a indicar, sem sombra de dúvidas, que o acusado agiu sob o pálio da excludente de ilicitude da legítima defesa (art. 42, inc. II c/c art. 44, ambos do Código Penal Militar). Por fim, requer o afastamento da agravante prevista no art. 70, II, "g", do Código Penal Militar, aduzindo a configuração de bis in idem, e ainda o reconhecimento das atenuantes tipificadas no art. 72, incisos II e III "c", do Código Penal Militar (evento 223).

Em contrarrazões, o Ministério Público manifestou-se pelo desprovimento do recurso, mantendo-se incólume a sentença prolatada (evento 228).

A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Sr. Dr. Rui Arno Richter, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do reclamo (evento 12 destes autos).

Este é o relatório.

VOTO



Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conhece-se do recurso e, em atenção ao princípio tantum devolutum quantum apellatum, passa-se a análise das insurgências unicamente deduzidas.

1. De plano insta salientar que a tese absolutória, por insuficiência probatória, não merece acolhimento.

A temática ora em discussão, é de se dizer, restou profundamente analisada pelo Juízo a quo na sentença condenatória de evento 205, motivo pelo qual a fim de evitar tautologia e prestigiar o empenho demonstrado, transcreve-se parte da peça como razões de decidir:

"Da lesão corporal leve

Consoante o disposto no art. 209, caput, do Código Penal Militar, incide na conduta denominada lesão corporal quem "ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem".

André Estefan (Direito Penal. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 159), menciona que ofender significa agredir, macular, menoscabar, reduzir a atividade funcional do corpo ou prejudicar o estado de saúde física ou psíquica de alguém.

Sobre a lesão corporal, leciona Cezar Roberto Bitencourt que:

"[...] consiste em todo e qualquer dano produzido por alguém, sem animus necandi, à integridade física ou à saúde de outrem. Ela abrange qualquer ofensa à normalidade funcional do organismo humano, tanto do ponto de vista anatômico quanto do fisiológico ou psíquico. [...] A conduta típica do crime de lesão corporal consiste em ofender, isto é, lesar, ferir a integridade corporal ou a saúde de outrem. Ofensa à integridade corporal compreende a alteração anatômica ou funcional, interna ou externa, do corpo humano, como, por exemplo, equimoses, luxações mutilações, fraturas etc." (Tratado de direito penal. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 2: parte especial, p. 158 e 160). (Grifou-se)

Por haver previsão também na legislação penal comum, trata-se de crime impropriamente militar, adequando-se à legislação penal militar diante do contido no art. 9°, II, "c" por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil.

Portanto, o policial militar que, agindo em desacordo com as formalidades legais e extrapolando os poderes atribuídos por lei, agride a vítima sem justa causa comprovada, comete o delito de lesão corporal.

No caso em apreço, a materialidade delitiva ficou consubstanciada nos documentos colhidos no curso do Inquérito Policial Militar 223/PMSC/2019, notadamente: pelo boletim de ocorrência de fls. 4/6 registrados pelas vítimas após ocorrência policial ocorrida na madrugada do dia 11/11/2018; pelo exame de corpo de delito feito nas vítimas Eduardo Júnior Ribeiro dos Santos (fls. 7/8) e Eduardo Gabriel Borin (fls. 9/10), cujos laudos periciais lavrados por perito oficial do IGP constatou a existência de ofensa à integridade corporal advinda de instrumento contundente e energia de ordem mecânica; pelos relatos das vítimas e testemunhas oculares; e pelo "print" de conversa por meio do aplicativo de "Whatsapp" entre o Cabo Paulo Eduardo Baptista e a vítima Eduardo Gabriel Borin.

Percebe-se dos laudos periciais n. 9402.18.03010 e n. 942.18.03011 (fls. 7/10 do IPM anexo - autos 0006399-59.2019.8.24.0091), as seguintes lesões corporais sofridas pelas vítimas:

"Laudo Pericial n. 9402.18.03010 (Eduardo Júnior Ribeiro dos Santos):

Foi procedido o exame solicitado na pessoa acima mencionada e observamos:

- duas equimoses paralelas na região do hipocôndrio direito;

- equimoses na região posterior do terço distal da coxa direita;

- equimose na região glútea direita;

- equimose na região do terço médio anterior da perna esquerda"

"Laudo Pericial n. 9402.18.03011 (Eduardo Gabriel Borin):

Foi procedido o exame solicitado na pessoa acima mencionada e observamos:

equimose na região posterior do terço distal da coxa direita"

Em que pesem não descritas na denúncia, nota-se que outros presentes no dia e local dos fatos também apresentaram lesões corporais, a exemplo de Jairo Venâncio (Laudo Pericial n. 9402.18.03012 - fls. 11/12 do IPM anexo - autos 0006399-59.2019.8.24.0091) e de Thassyele Ilha Soares (Laudo Pericial n. 9402.18.03068 - Evento 165), o que corrobora com a versão acusatória.

Inclusive, observa-se de excertos das alegações finais, que o próprio defensor do réu reconhece ser incontroverso que civis presentes na situação fática ora perquirida sofreram agressões advindas de instrumento comumente utilizado pelos militares conhecido como "tonfa", vulgo "cassetete" ou "bastão policial" (Evento 203, fls. 12/13).

Estando a materialidade dos delitos de lesão corporal comprovadas, passa-se ao exame da autoria.

A vítima Eduardo Júnior Ribeiro dos Santos, namorado da informante Thassyele Ilha Soares, expôs sua versão dos fatos em audiência (Evento 126).

Ao Ministério Público, relatou que: "eu estava com um grupo de amigos na praça municipal e, a partir de um momento, apareceu uma guarnição da polícia; a princípio, a abordagem foi respeitosa, bem tranquila, feita inicialmente pelo Cabo Baptista; após a conversa com o Cabo Baptista para a resolução normal, corriqueira da situação, o Soldado Félix desembarcou da viatura empunhando um bastão, [um cassetete, não sei bem o nome... um bastão] e passou a agir de maneira agressiva com os ali presentes; a abordagem foi bastante agressiva e até desrespeitosa, chamando eu e os demais presentes de "vagabundo", ordenando aos gritos que fôssemos para casa, que dali nos retirássemos; eu e as demais pessoas ali tentamos argumentar que já tínhamos conversado com o Cabo Baptista, que estava "tudo ok"; no entanto não foi possível conversar porque o policial Félix estava bastante exaltado, ameaçando de multar ou de bater nas pessoas; em decorrência disso, eu tive a intenção de ir pra casa, não valia mais a pena ficar ali, a noite estava estragada, tivemos uns 10 a 15 minutos de xingamentos; nós vivemos em uma cidade pequena, foi a primeira vez que aconteceu essa situação por parte de um policial; no momento eu já estava a uns 30 a 40 metros de onde tinha sido realizada a abordagem e a minha namorada perguntou o porquê de eu querer deixar o carro ali na praça; eu admito...

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