Acórdão Nº 5007314-49.2021.8.24.0092 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 01-12-2022

Número do processo5007314-49.2021.8.24.0092
Data01 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5007314-49.2021.8.24.0092/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA (OAB SC047610) APELADO: MIRIAM DE SOUZA (AUTOR) ADVOGADO: CELIO ANAILDO DOS SANTOS (OAB SC058098) ADVOGADO: LUIZ FELIPE LOURES MIRANDA FILHO (OAB SC034937)

RELATÓRIO

BANCO BMG SA interpôs recurso de apelação cível (autos da origem, evento 34) em face da sentença (autos da origem, evento 26) que, proferida pelo juízo da 1ª Vara de Direito Bancário da Região Metropolitana de Florianópolis, julgou procedentes os pedidos formulados pela autora na ação de repetição de indébito e de indenização por danos morais, ajuizada por SILVIA MIRIAM DE SOUZA nos seguintes termos:

MIRIAM DE SOUZA ajuizou a presente "ação de restituição de valores c/c indenização por danos morais, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada", contra o BANCO BMG S.A, ambos qualificados nos autos.

Alegou a parte autora que, na condição de beneficiária do INSS, realizou empréstimo consignado com a instituição ré, todavia, foi surpreendida com um desconto diferenciado em seus proventos, denominado "RMC", o qual resulta em baixa mensal no percentual de 5% sobre o valor do seu benefício previdenciário.

Aduziu que tal modalidade contratual (empréstimo consignado via cartão de crédito) jamais foi solicitada, tampouco utilizou-se de qualquer cartão fornecido pelo réu para esta finalidade, tendo sido induzida a erro, motivo pelo qual ajuizou a presente demanda pleiteando a concessão de liminar para suspensão dos valores consignados em seu benefício.

Diante disso, requereu: a) a declaração de inexistência do contrato de cartão de crédito consignado, determinando-se o retorno das partes ao status quo anterior; b) a repetição em dobro do indébito e a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais. Valorou a causa e juntou documentos (evento 1).

A tutela antecipada foi indeferida, tendo sido concedida a gratuidade da justiça e determinada a citação do réu para que apresentasse resposta e trouxesse o instrumento contratual objeto dos autos (evento 10).

O réu contestou (evento 19) suscitando preliminares de ausência dos requisitos para concessão da tutela de urgência, inépcia da ação, falta de interesse processual de agir, impugnação ao valor da causa. Como prejudicial defendeu a existência da prescrição e decadência da pretensão de repetição do indébito e indenização por danos morais. No mérito sustentou que a parte demandante anuiu expressamente com o contrato de cartão de crédito consignado, não tendo que se falar em ilegalidade da contratação; que a parte autora utilizou o cartão de crédito na realização de "saque autorizado"; que à época da celebração do pacto a parte autora já tinha atingido o limite de 30% da sua margem consignável, ou seja, não tinha margem disponível para empréstimo consignado tradicional; que não houve ato ilícito que justifique a repetição do indébito e a indenização por danos morais. Por fim, pugnou a improcedência total dos pedidos e a condenação da parte autora ao pagamento de multa por litigância de má-fé e também das verbas sucumbenciais. Juntou documentos.

A parte autora apresentou réplica (evento 24), na qual impugnou os argumentos trazidos em defesa e ratificou o já exposto em sede de inicial.

Vieram os autos conclusos.

[...]

Ante o exposto, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES os pedidos deduzidos na inicial desta "ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada" movida por MIRIAM DE SOUZA em face de BANCO BMG S.A para:

a) declarar a nulidade do contrato objeto da presente ação, retornando as partes ao status quo ante;

b) determinar à parte autora que proceda a devolução ao Banco réu do valor tomado emprestado, com correção monetária pelo INPC, a partir da data do crédito;

c) determinar à Instituição Financeira que proceda a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente do benefício da parte demandante, assim como outros pagamentos eventualmente realizados, os quais devem ser corrigidos monetariamente pelo INPC a partir da data do efetivo desembolso e acrescidos de juros de mora de 1% a.m. (um por cento ao mês), nos termos do art. 406 do Código Civil c/c 161, § 1º, do CTN desde a citação, em consonância com o disposto no art. 405 do CC c/c art. 240 do CPC, oportunizada a compensação dos créditos e débitos (368 do Código Civil);

d) condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais à parte autora, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), que deverá ser corrigido pelo INPC, desde a presente data (Súmula 362 do STJ) e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, a contar da data da inclusão dos descontos no benefício previdenciário da parte autora.

Em razão da procedência dos pedidos, e presentes os requisitos do art. 300 do Código de Processo Civil, concedo a tutela de urgência para determinar: (i) a suspensão dos descontos a título de RMC, relativos ao contrato objeto da lide; (ii) a proibição da parte ré de realizar qualquer tipo de depósito ou transferência em favor da parte autora no decorrer do processo.

Arbitro, em caso de descumprimento, multa mensal no valor de R$ 2.000,00, limitada no patamar máximo de R$ 100.000,001

Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

Publicada e registrada com a liberação nos autos digitais. Intimem-se.

Transitada em julgado, certifique-se e, após, arquivem-se os autos dando-se baixa na estatística.

Inconformada, a instituição financeira demandada interpôs recurso de apelação (autos da origem, evento 34), alegando, em síntese, que: 1) a parte autora tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, a qual se encontrava descrita de forma clara e expressa no contrato, desprovido de qualquer irregularidade, não possuindo a demandante, diversamente do que alega, a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado no lugar do saque via cartão de crédito; 2) incabível a conversão da operação em crédito pessoal consignado, seja porque a contratação original era regular, não justificando a intervenção judicial operada pelo juízo singular; 3) inexistindo irregularidades no contrato, ausente o ato ilícito ensejador de dano moral indenizável, de sorte que deve ser afastada a indenização fixada pelo juízo singular. Pugna pelo provimento do recurso com a reforma da decisão objurgada, sendo julgada totalmente improcedente a demanda de origem, com a inversão a responsabilidade pelo pagamento dos ônus sucumbenciais.

Contrarrazões apresentadas no evento 40 (autos da origem).

Os autos ascenderam a este egrégio Tribunal de Justiça, vindo-me às mãos por sorteio.

Este é o relatório.

VOTO

1. Exame de admissibilidade

Inicialmente, registra-se que a demanda foi ajuizada já com fundamento processual no Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este o diploma processual que deverá disciplinar o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).

Dito isto, tem-se que o recurso deve ser conhecido porquanto presentes os requisitos de admissibilidade, razão pela qual passa-se à análise das teses recursais.

2. Fundamentação

2.1. Da regularidade da operação contratada entre as partes

Sustenta a instituição financeira recorrente, inicialmente em seu recurso, que a parte autora tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, a qual se encontrava descrita de maneira clara e expressa no contrato, desprovido de qualquer irregularidade, não possuindo a demandante, diversamente do que alega, a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado no lugar do saque via cartão de crédito, tendo em vista que a demandante utilizou-se do cartão de crédito ora impugnado para efetuar compras no comércio local.

Analisados os autos, verifica-se que razão possui mesmo o banco recorrente.

A princípio, necessário destacar que a própria autora, na inicial, reconhece que buscou crédito junto à instituição financeira demandada, apenas afirmando que pretendia a contratação de empréstimo consignado no lugar da utilização de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC).

As operações de empréstimo consignado e de cartão de crédito com reserva de margem consignável encontram-se previstas na Lei n. 10.820/03, que assim disciplina (redação vigente ao tempo da contratação):

Art. 1º. Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos. (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

§ 1º. O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento), sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou (Incluído pela pela Lei nº 13.172, de 2015)

II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (Incluído pela Lei nº 13.172, de 2015)

§ 2º. O regulamento disporá sobre os limites de valor do empréstimo, da prestação consignável para os fins do caput e do comprometimento das verbas rescisórias para os fins do § 1º deste artigo.

[...

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