Acórdão Nº 5007397-65.2021.8.24.0092 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 27-04-2023

Número do processo5007397-65.2021.8.24.0092
Data27 Abril 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5007397-65.2021.8.24.0092/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO


APELANTE: JUSCELEI JOSE BOMFIM (AUTOR) APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Juscelei José Bomfim e Banco Bmg S/A interpuseram recursos de apelação cível em face da sentença proferida pelo magistrado Leandro Katscharowski Aguiar, do juízo da Unidade Estadual de Direito Bancário, que julgou procedentes os pedidos formulados na "ação de restituição de valores cumulada com indenização por dano moral", nos seguintes termos (evento 23, autos do 1º grau):
I - RELATÓRIO:
Juscelei Jose Bomfim ajuizou ação declaratória de nulidade de contrato c/c repetição de indébito e dano moral em face de Banco BMG S.A.
Relatou a parte autora, em síntese, que achando ter contratado um empréstimo consignado, foi surpreendida com um cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), implicando em descontos mensais diretamente em seu benefício previdenciário.
Defendeu a abusividade de tal prática, afirmando que, em razão da fraude perpetrada, a instituição financeira não poderia reter o percentual de seus proventos a título de margem consignável para pagamento do cartão. Fundamentou, então, a nulidade da contratação, bem como a responsabilidade civil da parte ré.
Ao final, postulou: a declaração de nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável; a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente; e a compensação pelo dano moral sofrido. De forma subsidiária, postulou a conversão do empréstimo via cartão de crédito consignado para empréstimo consignado. Requereu, outrossim, a antecipação da tutela, inversão do ônus da prova e a concessão da justiça gratuita. Anexou procuração e documentos (evento 1).
Citada, a instituição financeira ré ofereceu contestação, arguindo, em preliminar, ausência de interesse de agir, inépcia da inicial e precedente da Turma de Uniformização. Em objeção de mérito, aventou a prescrição e a decadência. No mérito, sustentou, em resumo: (i) legalidade da contratação; (ii) inexistência de danos materiais e morais; (iii) impossibilidade de inversão do ônus da prova; (iv) em caso de procedência da ação, que a parte autora devolva o valor depositado pelo banco em seu favor com o contrato firmado. Pugnou, ainda, pela condenação da parte autora em litigância de má-fé. Colacionou procuração e documentos (evento 8).
Houve réplica (evento 15).
Conclusos os autos.
[...]
III - DISPOSITIVO:
Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil:
3.1 JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por Juscelei Jose Bomfim em face de Banco BMG S.A e, por conseguinte, DECLARO a nulidade da modalidade contratual sub judice (contrato de cartão de crédito consignado), determinando que as partes voltem ao status quo ante, devendo os valores depositados na conta bancária da parte autora, atualizados monetariamente pelo INPC desde a disponibilização, serem compensados com a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente pela parte ré a título de RMC, atualizados monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a contar de cada desconto.
3.2 JULGO PROCEDENTE o pedido de indenização por danos morais formulado por Juscelei Jose Bomfim em face de Banco BMG S.A e, por conseguinte, CONDENO a parte ré a pagar à parte autora a importância de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), corrigida monetariamente pelo INPC, a partir do arbitramento, e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, desde o primeiro desconto no benefício previdenciário.
Tendo em vista a procedência dos pedidos -- o que confirma a probabilidade do direito -- e o perigo na demora de se permitir descontos diretamente em proventos inerentes ao mínimo existencial da parte autora, CONCEDO a tutela de urgência para determinar que a parte ré, no prazo de 5 dias, suspenda os descontos realizados a título de RMC, relativos ao contrato objeto da lide.
Em caso de descumprimento da medida, incidirá multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais) por desconto, limitada no patamar máximo de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Oportunamente, concedo à parte autora os benefícios da justiça gratuita (CPC, art. 98, caput).
Em virtude de sua sucumbência, condeno a parte ré, ainda, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados, consoante o grau de zelo do profissional, a baixa complexidade da causa e a inexistência de outros atos processuais, em 10% (dez por cento) do valor atualizado da condenação, ex vi do prescrito no art. 85, § 2º, do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Certificado o trânsito em julgado, cobradas as custas, arquivem-se.
Inconformados, ambos os litigantes interpuseram recursos de apelação cível (eventos 30 e 33, autos do 1º grau).
Em suas razões recursais (evento 30, autos do 1º grau), argumenta o banco réu, em síntese, que: (a) preliminarmente, deve ser reconhecida a prescrição do direito da parte autora, bem como a conduta temerária de seu procurador; (b) no mérito, arguiu, que a parte autora tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, a qual se encontrava descrita de forma clara e expressa no contrato, desprovido de qualquer irregularidade, não possuindo o demandante, diversamente do que alega, a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado no lugar do saque via cartão de crédito, sendo esta modalidade de crédito a única operação viável para a concessão do valor perseguido, porquanto à época da contratação o demandante não possuía margem disponível para a contratação de empréstimo consignado regular. Afirma que diante da regularidade da contratação, mostra-se indevida a sua condenação a restituição de valores em favor da parte autora. Pugna pelo provimento do recurso com a reforma da sentença, sendo julgada totalmente improcedente a demanda de origem.
Por sua vez, em seu apelo (evento 33, autos do 1º grau), argumenta o autor, em suma, que deve ser majorada a condenação por danos morais imposta em desfavor da casa bancária.
Foram apresentadas contrarrazões (eventos 40 e 41, autos do 1º grau).
Os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça e foram distribuídos por sorteio a este relator.
Este é o relatório

VOTO


1. Do exame de admissibilidade do recurso
Inicialmente, registra-se que a demanda foi ajuizada já com fundamento processual no Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este o diploma processual que deverá disciplinar o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).
Dito isto, tem-se que o recurso deve ser conhecido porquanto presentes os requisitos de admissibilidade, razão pela qual passa-se à análise das teses recursais.
2.. Preliminares
2.1 Prescrição
Sustenta o banco apelante a ocorrência da prescrição do direito da autora em requerer a restituição dos valores que entende teriam sido indevidamente descontados de seu benefício previdenciário bem como indenização por dano morais, pois o prazo prescricional aplicável à espécie é de três anos, conforme dispõe o art. 206, §3º, IV, do CPC, e, levando-se em conta que o contrato impugnado foi celebrado entre as partes no ano de 2015, a pretensão autoral estaria prescrita.
Entretanto, sem razão a instituição financeira.
No caso em tela, tratando-se de ação com pedido de reparação de danos fundada em responsabilidade contratual, o exercício da pretensão de direito material submete-se ao prazo ordinário de dez anos previsto no art. 205 do Código Civil, nestes termos: "A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor."
Esta posição consoa com o atual entendimento emanado do Superior Tribunal de Justiça, que assim tem decidido:
AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. NULIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO DECENAL. 1. Em se tratando de responsabilidade contratual, como sucede com os contratos bancários, salvo o caso de algum contrato específico em que haja previsão legal própria, especial, o prazo de prescrição aplicável à pretensão de revisão e de repetição de indébito será de dez anos, previsto no artigo 205 do Código Civil. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1769662/PR, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 25-06-2019).
Pela teoria da actio nata, o direito à reparação surge quando lesado o direito do ofendido, de sorte que, no caso em exame, o termo inicial do cômputo do prazo prescricional dá-se na data da assinatura do contrato, pois, a partir de então nasce a pretensão referente ao contrato em si, que a autora alega ter pactuado sob outra modalidade, com cláusulas e encargos diversos.
No caso dos autos, constata-se que a contratação ocorreu em 28-10-2015 (evento 8, CONTR2, autos do 1º grau) e o ajuizamento da ação subjacente foi realizado em 21-07-2021. Logo, resta claro que não transcorreu o prazo decenal aplicável à hipótese em debate.
Desta forma, rejeita-se a prejudicial de mérito.
2.2 Conduta temerária dos patronos da autora
Quanto ao pedido para que seja sejam expedidos ofícios à OAB/SC, ao Ministério Público e à autoridade policial competente, para que apure os indícios de infrações disciplinares e ocorrência de suposta conduta típica praticada pelos patronos da parte autora, denota-se que, não obstante os argumentos do banco réu, em análise à petição inicial, verifica-se que foi instruída com procuração e declaração de hipossuficiência econômica devidamente assinadas pela parte autora. Além disso, há cópia do RG da autora, de comprovante de residência e extratos de seu benefício previdenciário (evento 1, autos do 1º grau).
A instrução da demanda com documentos pessoais da autora e por ela assinados tornam crível que ela tem conhecimento acerca do...

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