Acórdão Nº 5007608-23.2020.8.24.0000 do Órgão Especial, 16-12-2020

Número do processo5007608-23.2020.8.24.0000
Data16 Dezembro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoÓrgão Especial
Classe processualDireta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial)
Tipo de documentoAcórdão










Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5007608-23.2020.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador SÉRGIO ROBERTO BAASCH LUZ


AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA RÉU: Prefeito - ESTADO DE SANTA CATARINA - Jaraguá do Sul RÉU: Câmara de Vereadores - ESTADO DE SANTA CATARINA - Jaraguá do Sul


RELATÓRIO


Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA contra previsão contida no art. 6º da Lei Complementar n. 243, de 4 de dezembro de 2019, do MUNICÍPIO DE JARAGUÁ DO SUL, na parte em que previu a exigência de Carteira Nacional de Habilitação - CNH para investidura dos cargos de provimento efetivo de "Agente Administrativo", "Assistente de TI", "Auxiliar de Arquivo", "Auxiliar de Saúde Bucal", "Contínuo", "Educador Social de Nível Superior", "Eletricista", "Eletricista automotivo", "Engenheiro Aquicultura", "Engenheiro de Tráfego", "Fiscal do Procon", "Fonoaudiólogo", "Profissional de Educação Física", "Psicólogo", "Técnico em Agrimensura" e "Técnico em Saúde Bucal".
O autor, em resumo, argumenta que a exigência de CNH afronta o princípio do amplo acesso aos cargos públicos (art. 21, caput e inciso I, da CESC, e art. 37,incisos I e II, da CF), uma vez que a exigência deve ter relação com as atividades efetivamente desenvolvidas pelos servidores públicos.
O Presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Jaraguá do Sul, nas suas informações, afirma que as funções a serem executadas pelas profissões estão conectadas a atividades capazes de justificar a exigência de Carteira Nacional de Habilitação. Além disso, diz que o Chefe do Poder Executivo encaminhou o Projeto de Lei Complementar n. 08/2020 para corrigir pontos acerca da descrição das atividades (Evento 12).
O Prefeito Municipal de Jaraguá do Sul e o Procurador-Geral do Município defendem a autonomia do ente público para dispor sobre os servidores públicos. Além disso, observam que a exigência revela-se compatível com a responsabilidade dos cargos. Outrossim, destacam inexistir violação à isonomia pois todos podem obter a habilitação exigida. Noutro vértice, esclarecem o envio de projeto de lei para corrigir equívocos em relação a alguns cargos questionados. Por fim, em caso de procedência do pedido, postulam pela modulação dos efeitos da decisão (Evento 13).
A Câmara Municipal de Vereadores de Jaraguá do Sul comunicou que foi editada a LCM n. 257/2020, de 09/07/2020, adequou as especificações das atribuições dos cargos de Assistente de TI, Eletricista, Eletricista Automotivo, Contínuo, Fiscal do Procon e Técnico em Agrimensura, para constar, dentre elas, "dirigir veículos oficiais", e como requisito "Carteira Nacional de Habilitação categoria B". Em razão disso, entende que houve a perda superveniente do objeto da ação nesta parte (Evento 21).
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Davi do Espírito Santo, manifestou-se pela perda do objeto da ação em relação aos cargos de "Assistente de TI", "Eletricista","Eletricista Automotivo", "Contínuo", "Fiscal do Procon", e "Técnico em Agrimensura", e no que subsiste, a procedência do pedido (Evento 22)

VOTO


1. De início, colhe-se que a ação visa o reconhecimento de inconstitucionalidade da norma municipal, dentre outras partes, naquela referente à exigência da Carteira Nacional de Habilitação para os cargos de "Assistente de TI", "Contínuo", "Eletricista", "Eletricista automotivo", Fiscal do Procon" e "Técnico em Agrimensura", diante da falta de clareza a respeito, em especial das suas atribuições.
Não obstante, após sua propositura, foi editada a LCM n. 257/2020, a qual supriu as falhas relativas a esses cargos, de forma que houve perda superveniente do interesse processual nesta parte da ação.
De fato, o próprio Ministério Público de Santa Catarina, autor da ação, expressou nesse sentido:
No curso da de manda, noticiou-se a publicação da Lei Complementar n. 257, 08 de julho de 2020, alterando o Anexo III da Lei Complementar n. 122/2012, do Município de Jaraguá do Sul, a qual sanou os vicios constitucionais apontados para os cargos de "Assistente de TI", "Eletricista", "Eletricista Automotivo", "Contínuo", "Fiscal do Procon", e "Técnico em Agrimensura", cujas atividades guardavam relação com a possibilidade de conduzir veículos à execução dos trabalhos a serem executados, faltando, contudo, clareza na individualização dos requisitos e/ou exigências feitos pela municipalidade.
Assim, no caso do cargo de "Assistente de TI", a nova norma passou a prever a atividade de "dirigir veículos oficiais quando houver necessidade de deslocamento para realização das atribuições do seu cargo" e em seu artigo 3º expressamente retificou a habilitação na categoria B, deixando assim de existir a violação constitucional a pontada para este cargo na demanda.
Para os cargos de "Eletricista" e "Eletricista Automotivo", a inicial sinalizou que as atribuições possuem conexão com a atividade de dirigir veículo oficial, faltando apenas prever nos requisitos do cargo a Carteira Nacional de Habilitação, o que foi devidamente corrigido pela Lei Complementar n. 257/2020, especificando ainda a categoria do tipo de habilitação. Em relação aos cargos "Contínuo" e de "Fiscal do Procon" foi especificado pelo artigo 1º da Lei Complementar n. 257/2020 a atividade de "dirigir veículos oficiais quando houver necessidade de deslocamento para realização das atribuições do seu cargo", elencando dentro os requisitos do cargo a CNH na categoria "B", contornando assim os vícios apontados na inicial.
No mesmo sentido sanou-se a omissão quanto ao tipo veículo motor que seria necessário ao ocupante do cargo de "Técnico em Agrimensura" conduzir, uma vez que a Lei Complementar n. 257/2020, em seu artigo 4º, estabeleceu a "Carteira Nacional de Habilitação na categoria B"
Assim sendo, "não subsiste mais inconstitucionalidade na parte do Anexo III, da Lei Complementar n. 122/2012, com redação dada pela Lei Complementar n. 243/2019, recentemente alterada pela Lei Complementar n. 257/2020, todas de Jaraguá do Sul , quanto a exigência de dirigir veículo oficial e possuir Carteira Nacional de Habilitação para os cargos de 'Assistente de TI', 'Eletricista', 'Eletricista Automotivo', 'Contínuo", 'Fiscal do Procon', e 'Técnico em Agrimensura'".
2. Na outra parte do pedido, o autor pretende reconhecer a inconstitucionalidade do art. 6º da LCM n. 243/2019, que alterou o "Anexo III do Manual de Ocupações do Quadro Permanente do Poder Executivo", da LCM n. 122/2012, que trata do "Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos (PCCV) do Poder Executivo do Município de Jaraguá do Sul".
Aqui, a invalidade residiria nas inclusões no texto legal da atribuição de dirigir veículo oficial e da exigência de CNH em relação a dez cargos de provimento efetivo, quais sejam, de "Agente Administrativo", "Auxiliar de Arquivo", "Auxiliar em Saúde Bucal", "Educador Social de Nível Superior", "Engenheiro Aquicultura", "Engenheiro de Tráfego", "Fonoaudiólogo", "Profissional de Educação Física", "Psicólogo" e "Técnico em Saúde Bucal".
Pois bem, o art. 21, caput, da Constituição do Estado de Santa Catarina, estabelece que os cargos, empregos e funções públicas devem ser acessíveis, verbis:
Art. 21 - Os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei, observado o seguinte:
[...]
Tal dispositivo é correlato com o art. 37, I, da Constituição Federal:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
Sem delongas, é evidente "A competência do Município para organizar o serviço público e o seu pessoal é consectário da autonomia administrativa de que dispõe (CF, art. 30, I). Atendidas as normas constitucionais aplicáveis ao servidor público (CF, arts. 37 a 41), bem como os preceitos das leis de caráter complementar ou nacional e de sua Lei Orgânica, pode o Município elaborar o regime jurídico de seus servidores, seguindo as conveniências locais" (Hely Lopes Meirelles)" (TJSC, Apelação Cível n. 2012.058986-4, de Jaraguá do Sul, rel. Newton Trisotto, Primeira Câmara de Direito Público, j. 13-05-2014).
Porém, a autonomia administrativa do ente público em organizar seu pessoal não pode implicar em restrição ao acesso aos concursos públicos, sob pena de ofensa aos citados arts. 21, caput, da CESC, e art. 37, I, da CF. Em razão disso, as exigências para investidura nos cargos públicos devem guardar relação próxima com suas atribuições.
Com efeito, mostra-se "inconstitucional qualquer norma que restrinja ou frustre o amplo acesso aos cargos da Administração Pública, ou a definição de qualquer espécie de discriminação que permita a escolha de pessoas específicas para exercício das funções estatais ou, ainda, a vedação de ingresso de particulares, por motivos não devidamente ustificados" (CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 4ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2017. p.794).
Como de costume, bem observou o eminente Des. Hélio do Valle Pereira no sentido de que o "Concurso público tem como objetivo escolher os mais qualificados, tanto quanto democratizar o acesso aos cargos e empregos públicos" (MS n. 4016257-28.2019.8.24.0000, da Capital, j. 24-07-2019 - grifou-se).
Essa linha de interpretação já foi seguida por esta Corte:
CONSTITUCIONAL. CANDIDATURA A CONSELHEIRO TUTELAR LOCAL. EXIGÊNCIA DE CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO PARA COMPOR O ÓRGÃO. TOTAL AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA...

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