Acórdão Nº 5007614-28.2021.8.24.0054 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 12-07-2022

Número do processo5007614-28.2021.8.24.0054
Data12 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5007614-28.2021.8.24.0054/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5007614-28.2021.8.24.0054/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: ARLINDO BERNARDO (AUTOR) ADVOGADO: JONI GILMAR CONSOLI (OAB SC032037) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: FELIPE BARRETO TOLENTINO (OAB SC057388A)

RELATÓRIO

Arlindo Bernardo ajuizou ação anulatória de contrato c/c obrigação de fazer (RMC) em face de Banco BMG S.A, ao argumento de que, em síntese, está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário (n. 134.156.212-0), os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contrato de cartão de crédito que aduz ter sido contratado mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

Diante dessas circunstâncias, requereu, em suma: 1) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com RMC; 2) a restituição do indébito em dobro; e, 3) a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais (evento 1).

Concedido o benefício da gratuidade da Justiça (evento 4).

Contestação apresentada (evento 12).

Réplica no evento 16.

Sobreveio sentença de mérito, nos seguintes termos (evento *):

III- Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos veiculados na inicial proposta por ARLINDO BERNARDO contra BANCO BMG S.A, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários de sucumbência, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, cuja cobrança fica sobrestada em razão da concessão dos benefícios da justiça gratuita, na forma do art. 98, § 3°, do CPC.

[...]

Irresignada, a parte requerente interpôs recurso de apelação (evento 25), no qual alegou o desconhecimento acerca dos termos da pactuação e requereu: a) ante a ausênsia de informações claras, a nulidade da contratação de empréstimo consignado RMC (cartão de crédito) e da reserva de margem consignável (RMC), ante a ausênsia de informações claras, enfatizando, ainda, a abusividade dos juros; b) a condenação da instituição financeira ré ao pagamento de danos morais no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e à repetição do indébito em dobro, acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês e de correção monetária, desde o desembolso de cada pagamento; d) subsidiariamente, a transformação da avença para a modalidade de contrato de empréstimo consignado; e) a inversão da verba sucumbencial, com a condenação do parte ré ao pagamento das custas e honorários.

Contrarrazões no evento 29.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora contra sentença que, no âmbito da presente ação, julgou improcedentes os pleitos formulados na peça exordial.

Legalidade do contrato firmado entre as partes

Sustenta a parte apelante que a sentença singular deve ser reformada para declarar a inexistência da contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, o qual originou os descontos a título de reserva de margem consignável, realizados no seu benefício previdenciário.

Para tanto, alega que sua intenção era apenas a de fazer um empréstimo consignado simples e jamais a de contratar cartão de crédito, o qual aduz nunca sequer ter utilizado ou desbloqueado. Argumenta, ainda, que a manutenção dos termos do contrato sub judice implicará em uma dívida vitalícia e impagável, a qual representa obrigação totalmente desproporcional ao consumidor.

Depreende-se, portanto, que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo de numerário, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual, verifica-se, por incontroverso, que houve uma transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo de dinheiro, o qual se consolidou por meio dos documentos "Termo de adesão cartão de crédito consignado Banco BMG S.A. e autorização para desconto em folha de pagamento" e "Cédula de crédito bancário - saque mediante a utilização de cartão crédito consignado", acostados no evento 12, contrato 11.

Entretanto, apesar de os referidos documentos possuírem a assinatura da parte recorrente, o contexto fático-probatório coligido nos autos, revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que a parte autora foi induzida a contratar o cartão de crédito em questão com o fim único e exclusivo de viabilizar uma operação financeira de mútuo, qual seja, o empréstimo na modalidade consignado, o qual lhe é disponibilizado em razão da sua condição de aposentado pelo Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.

Oportunamente, cabe destacar que, conforme infere-se das faturas acostadas pela própria casa bancária o cartão de crédito supostamente contratado jamais fora utilizado pela parte autora para fins de aquisição de produtos ou pagamento de serviços. Pelo contrário, os únicos lançamentos que constam nas mencionadas faturas são aqueles referentes à encargos contratuais e impostos oriundos da operação financeira firmada entre as partes (evento 12, faturas 7-8).

Doutro vértice, dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrida sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço da parte autora, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pela parte requerente.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão da parte autora, ora apelante, era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Com efeito: "O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção da requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar um cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.

De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade da parte requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios (menos onerosos), destacando as diferenças dos custos e encargos. Fosse assim, não haveria dúvidas que o ora apelante iria utilizar-se do meio menos custoso, ou seja, o empréstimo consignado "simples", com juros reduzidos, números de prestações e, principalmente, com termo final.

Logo, em que pese a parte autora ter lançado sua assinatura no documento mencionado, sobressai límpida a existência de mácula na manifestação de vontade desta (apelante), porquanto há fortes indícios de que a instituição ficanceira requerida não prestou informações claras e adequadas acerca da modalidade contratual firmada entre as partes (empréstimo de dinheiro por meio de contratação de cartão de crédito), a qual é extremamente mais onerosa para o consumidor.

Portanto, observa-se, em verdade, que houve a utilização de modalidade mais gravosa para a consumidora (e mais vantajosa para a casa bancária), fato que ocasionou o desvirtuamento da real intenção do requerente, ferindo, assim, o princípio da lealdade e da boa-fé que regem as relações comerciais.

A respeito, tem-se as seguintes disposições do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...] III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

[...] III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas...

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