Acórdão Nº 5007689-67.2020.8.24.0033 do Segunda Câmara Criminal, 02-03-2021

Número do processo5007689-67.2020.8.24.0033
Data02 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão










Recurso em Sentido Estrito Nº 5007689-67.2020.8.24.0033/SC



RELATORA: Desembargadora HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO


RECORRENTE: CRISTIANO LOPES DOS SANTOS (ACUSADO) RECORRENTE: BRUNO PAULO ANDRE (ACUSADO) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Denúncia: O Ministério Público ofereceu denúncia contra Cristiano Lopes dos Santos e Bruno Paulo Andre, nos autos n. 5007689-67.2020.8.24.0033, dando-os como incursos nas sanções do art. 121, § 2º, II, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:
No dia 7 de março de 2020, por volta das 13h15min, os denunciados Bruno Paulo André e Cristiano Lopes dos Santos, na companhia de um terceiro masculino cuja identidade ainda é desconhecida nestes autos, mas que possuía tatuagens, estatura baixa e compleição física mais robusta, promoviam um churrasco na calçada em frente a um conjunto de quitinetes no Bairro São Vicente, nesta comarca, do qual também participava o ofendido Josia de Melo Barbosa, que havia sido convidado pelo denunciado Cristiano, seu conhecido.
Em determinado momento, os denunciados Bruno Paulo André e Cristiano Lopes dos Santos, juntamente com o terceiro masculino, irritaram-se com uma brincadeira da vítima, ocasião em que, agindo todos em comunhão de desígnios e esforços, e com animus necandi oriundo de motivo fútil, passaram a agredir a vítima com socos, chutes e garrafadas, ao que o ofendido correu para a via pública, sendo, contudo, perseguido pelos denunciados e o terceiro agente, que prosseguiram nas agressões, inclusive utilizando uma garrafa de vidro quebrada para perfurar continuamente o corpo de Josia de Melo, o que resultou em perigo de vida para ele.
Ocorre que populares, e posteriormente uma guarnição da Polícia Militar, chegaram ao local, impedindo, dessa forma, a consumação delitiva por circunstâncias alheias às vontades dos agentes, os quais empreenderam fuga, todavia, o único que obteve êxito na evasão foi o masculino de tatuagens e estatura baixa.
Os denunciados Bruno Paulo André e Cristiano Lopes dos Santos foram alcançados pelos policiais militares e presos em flagrante delito, ao passo que vítima foi imediatamente socorrida e encaminhada ao HMMKB (evento 1 dos autos originários).
Sentença: O Juiz de Direito JULIANO RAFAEL BOGO PRONUNCIOU Cristiano Lopes dos Santos e Bruno Paulo Andre, "submetendo-os a julgamento perante o Tribunal do Júri desta Comarca, pela prática, em tese, do crime previsto no art. 121, § 2º, II, do Código Penal" (evento 223 dos autos originários).
Recurso em sentido estrito de Cristiano Lopes dos Santos e Bruno Paulo Andre: a defesa sustentou, em síntese, a absolvição sumária dos recorrentes, nos termos do art. 415, IV, do CPP, tendo em vista a presença da excludente da ilicitude da legítima defesa (art. 23, II, do Código Penal).
Subsidiariamente, requereu a desclassificação do crime imputado (art. 121, § 2º, II, c/c art. 14, II do Código Penal) para o do tipo penal previsto no art. 129, caput, do Código Penal (Evento 248 dos autos originários).
Contrarrazões do Ministério Público: o Ministério Público impugnou as razões recursais e pleiteou a manutenção da sentença de pronúncia (Evento 251 dos autos originários).
Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira opinou pelo conhecimento e o desprovimento do recurso (Evento 20).
Este é o relatório

VOTO


Cuida-se de recurso em sentido estrito interposto por Cristiano Lopes dos Santos e Bruno Paulo Andre, contra a sentença que os pronunciou como incursos nas sanções do art. 121, § 2º, II, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, submetendo-os a julgamento pelo Tribunal de Júri.
1 - Do juízo de admissibilidade
O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
2 - Do mérito
Em suas razões, a defesa requereu a absolvição sumária, nos termos do art. 415, IV, do CPP, tendo em vista a presença da excludente da ilicitude da legítima defesa (art. 23, II, do Código Penal).
Subsidiariamente, pleiteou a desclassificação da conduta para o delito previsto no art. 129, caput, do Código Penal.
Sucessivamente, em relação à conduta em face de Nilcéia Terezinha Barbosa, postulou pela desclassificação do crime imputado (art. 121, caput, c/c art. 14, II do Código Penal) para o do tipo penal previsto no art. 129, caput, do Código Penal, com a aplicação do artigo 15 do Código Penal.
Razão não lhe assiste.
Inicialmente, convém ressaltar que o art. 413 do Código de Processo Penal dispõe que "O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação".
Salienta-se, outrossim, que o disposto no art. 413 do Código de Processo Penal estipula que o magistrado ao efetuar a sentença de pronúncia, deve estar convencido acerca da materialidade do crime, bem como sobre os indícios de autoria deste.
Sobre o tema, colhe-se da doutrina de Fernando da Costa Tourinho Filho:
Dês que haja prova da materialidade do fato e indícios suficientes de que o réu foi o seu autor, deve o Juiz pronunciá-lo. A pronúncia é decisão de natureza processual (mesmo porque não faz coisa julgada), em que o Juiz, convencido da existência do crime, bem como de que o réu foi seu autor (e procura demonstrá-lo em sua decisão), reconhece a competência do Tribunal do Júri para proferir o julgamento (Código de processo penal comentado. Saraiva. 14 ed. São Paulo, 2012. v. 2, p. 80).
Ainda, destaca-se a lição de Hermínio Alberto Marques Porto:
A classificação penal apresentada pela petição inicial deve merecer da pronúncia aprofundado estudo. O Juiz da pronúncia, aceitando ou afastando em parte o quadro classificatório debatido, dará os motivos de acolhimento e de repulsa. Na fundamentação, a valoração das provas, envolvendo indícios de autoria relacionados com a culpabilidade, é expressada nos limites de uma verificação não aprofundada, mas eficiente à formalização de um esquema classificador. Nem só ao rebater os argumentos das partes, como ao oferecer o seu convencimento, o Juiz na pronúncia, para não ultrapassar o permissivo à decisão interlocutória de encaminhamento da imputação, e para não influir, indevidamente, no espírito dos jurados, deve ter o comedimento das expressões, para que não sejam ultrapassados os limites de decisão marcantemente de efeitos processuais. Somente assim receberão os jurados a pronúncia, como uma esquematizada formulação de fontes do questionário, não como decisão que tenha por afastadas, porque absolutamente inviáveis, a absolvição, a impronúncia, a desclassificação, possíveis na fase em que foi proferida, e também como soluções que podem inspirar a decisão do Conselho de Sentença; assim, a decisão de pronúncia tem somente por admissível a acusação, sem sobre ela projetar um definitivo juízo de mérito" (Júri: procedimentos e aspectos do julgamento. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 75).
No mesmo sentido, tem-se o ensinamento de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alecar:
[...] Se, de plano, o juiz vê que não há possibilidade de condenação válida, mecê da insuficiência probatória, não deverá pronunciar o acusado. É o que dispõe explicitamente o art. 414, CPP, ao dizer que "não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado", ressalvando que, "enquanto não ocorrer extinção da punibilidade poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova " (parágrafo único). Nota-se que vigora, nesta fase, a regra do in dubio pro societate: existindo possibilidade de se entender pela imputação válida do crime contra a vida em relação ao acusado, o juiz deve admitir a acusação, assegurando o cumprimento da Constituição, que reservou a competência para o julgamento de delitos dessa espécie para o tribunal popular (Távora, Nestor. Alencar, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal, 10ª ed. Rev. E ampl., Juspodivm, Salvador, 2015. p. 1128).
O Superior Tribunal de Justiça não destoa:
A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a decisão de pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade da acusação, sendo exigido tão somente a certeza da materialidade do crime e indícios suficientes de sua autoria. Nesta fase processual, de acordo com o art. 413 do Código de Processo Penal, qualquer dúvida razoável deve ser resolvida em favor da sociedade, remetendo-se o caso à apreciação do seu juiz natural, o Tribunal do Júri (HC n. 223.973, Mina. Marilza Maynard - convocada do TJSE, j. 27-6-2014).
Esta Corte segue o mesmo entendimento:
A pronúncia é mero juízo de admissibilidade; certa a existência do crime, toda e qualquer discussão que se distancie dos indícios da autoria (CPP, art. 408), deve ser feita perante o Tribunal do Júri. A liminar absolvição, portanto, em sede provisional, exige cabal demonstração da excludente de criminalidade ou causa de isenção, sem o que não pode ser admitida' (Recurso criminal n. 03.018784-7, de Itaiópolis, rel. Des. Irineu João da Silva)" (Recurso Criminal n. 2015.029774-0, Des. Jorge Schaefer Martins, j. 2-7-2015).
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