Acórdão Nº 5007760-86.2020.8.24.0092 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 29-07-2021

Número do processo5007760-86.2020.8.24.0092
Data29 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5007760-86.2020.8.24.0092/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: LEONIR BUENO (AUTOR) APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Leonir Bueno interpôs recurso de apelação cível em face da sentença que, proferida pelo juízo 2ª Vara de Direito Bancário da Região Metropolitana de Florianópolis, julgou improcedentes os pedidos formulados na "ação declaratória de nulidade contratual e inexistência de relação jurídica c/c repetição de indébito e indenização por danos morais".

Cuida-se, na origem, de "ação declaratória de nulidade contratual e inexistência de relação jurídica c/c repetição de indébito e indenização por danos morais" aforada por Leonir Bueno contra Banco Pan S/A, na qual pede o reconhecimento da inexistência de contratação de empréstimo consignado na modalidade de cartão de crédito, bem como a condenação da instituição financeira ao ressarcimento dos valores indevidamente descontados de seu benefício previdenciário e a condenação ao pagamento de danos morais (evento 1/1G).

Ao receber a inicial (evento 3/1G), o juiz da causa concedeu a gratuidade da justiça ao autor e determinou a citação do réu.

Citado, o réu apresentou contestação (evento 10/1G, contestação 1), arguindo, preliminarmente, a inépcia da petição inicial. No mérito, argumentou, em síntese: (a) a regularidade da contratação realizada entre as partes, na medida em que o autor tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, que se encontrava descrita de forma clara e expressa no contrato; (b) o autor efetuou contrato e saque em seus dois benefícios previdenciários; (c) o saque via cartão de crédito não constitui venda casada; (d) a operação de saque via cartão de crédito com margem consignável e o empréstimo pessoal consignado tratam-se de operações distintas, sendo incabível a conversão da operação em crédito pessoal consignado; (e) os encargos incidentes não são abusivos; (f) ausente o ato ilícito ensejador de dano moral indenizável; (g) a parte autora deve devolver ao banco os valores a ela disponibilizados. Ao final, juntou os contratos firmados entre as partes, comprovante de disponibilização do valor sacado do cartão de crédito, bem como as faturas emitidas em relação ao referido cartão.

Réplica (evento 15/1G).

Sobreveio sentença de mérito prolatada em 16-3-2021 pelo magistrado Leone Carlos Martins Junior, que julgou improcedentes os pedidos formulados pelo autor, o que se deu nos seguintes termos (evento 17/1G):

Ante o exposto e, por tudo mais dos autos consta, com fundamento no art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial por LEONIR BUENO em face de BANCO PAN S.A..

Ante o princípio da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, ex vi do artigo 85, § 2.º, do Código de Processo Civil, cuja exigibilidade fica suspensa por ser beneficiária da justiça gratuita (CPC, art. 98, §3.º).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado, observadas as formalidades de praxe, arquivem-se os autos.

Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação (evento 24/1G), pugnando, preliminarmente, pelo prequestionamento de toda a matéria impugnada. No mérito, alegou, em suma, que: (a) o contrato celebrado no ano de 2020 e anexado ao processo não corresponde aos contratos impugnados, devendo ser desentranhado do processo; (b) o contrato é inválido, pois foi ludibriado pela casa bancária, tendo contratado, sem seu conhecimento e consentimento, crédito disponibilizado por meio de saque em cartão de crédito com reserva de margem consignada, pois não recebeu, tampouco utilizou o cartão de crédito; (c) a forma como o desconto é realizado, torna o valor recebido impagável, na medida em que apenas da conta dos encargos incidentes, não representando efetiva amortização, em razão dos encargos abusivos; (d) diante de vício na vontade, não pode ser considerada contratada a operação de crédito na forma efetuada, a qual representa nítida venda casada; (e) a operação deve ser cancelada, com a respectiva suspensão dos descontos em sua folha de pagamento e a devolução da quantia indevidamente cobrada; (f) o banco deve ser condenado ao pagamento de danos morais, em razão do ato ilícito praticado.

Contrarrazões (evento 26/1G), pugnando o réu pela manutenção da sentença.

Os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça e foram distribuídos por sorteio a este relator.

Este é o relatório.

VOTO

1. Do exame de admissibilidade do recurso

Inicialmente, registra-se que a demanda foi ajuizada já com fundamento processual no Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este o diploma processual que deverá disciplinar o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).

Dito isto, tem-se que o recurso deve ser conhecido porquanto presentes os requisitos de admissibilidade, razão pela qual passa-se à análise das teses recursais.

2. Fundamentação

2.1 Do contrato

Argumenta o apelante que o contrato celebrado no ano de 2020 e anexado ao processo pelo banco réu não corresponde à negociação impugnada, pois "os contratos objetos da presente ação são os de n. 0229014496425 e n. 0229015168572", devendo ser desentranhado do processo.

Em que pesem os argumentos do apelante, razão não lhe assiste, isso porque é lícito à parte ré anexar ao processo todos os contratos celebrados entre as partes, de modo a demonstrar os fatos que alega, na forma do art. 373, II, do CPC.

No caso concreto, o réu juntou dois contratos firmados pelo autor, um em 10-9-2020 e o outro em 20-10-2015 (evento 10/1G, anexo 3 e contrato 6).

Aliás, neste ponto necessário trazer o feito à ordem, pois, embora o autor se refira a dois contratos de cartão de crédito consignado (n. 0229014496425 e n. 0229015168572), somente o contrato n. 0229015168572, com início em 20-10-2015, no valor de R$ 1.525,00 (um mil quinhentos e vinte e cinco reais), reserva de R$ 71,25 (setenta e um reais e vinte e cinco centavos) está ativo em seu benefício previdenciário, conforme consta no documentos outros 7, evento 1/1G, anexado pelo próprio autor ao processo, tanto é que em seu benefício previdenciário há apenas o desconto de um empréstimo RMC (outros 6, evento 1/1G).

Em verdade, a experiência demonstra que se trata de um único contrato averbado diversas vezes no benefício do pensionista, em razão de sua própria natureza, pois na medida em que o salário de benefício se modifica, o valor da reserva de margem também se altera.

Até mesmo os fundamentos da petição inicial e do recurso corroboram tal fato, pois, apesar de apontar dois números de contrato, o autor/recorrente se refere à uma única contratação com o banco réu.

Diga-se, oportunamente, que a sentença não efetuou ponderações sobre os contratos n. 0229014496425 e n. 0229015168572, ponto sobre o qual o apelante também não se insurgiu.

À luz dessas considerações, registra-se que interessa para a análise do feito é a reserva de margem consignável que se encontra ativa no benefício do autor, averbada sob o n. 0229015168572.

2.2 Da (ir)regularidade da operação contratada entre as partes

Sustenta o autor a invalidade da operação pactuada com a casa bancária, na medida em que teria sido por ela ludibriado, pois pretendia contratar unicamente empréstimo pessoal consignado, e não saque em cartão de crédito com reserva de margem consignada.

Analisados os autos, verifica-se, todavia, que sem razão a parte demandante.

A princípio, necessário destacar que o próprio autor, na inicial, reconhece que buscou crédito junto à instituição financeira demandada, apenas afirmando que pretendia a contratação de empréstimo consignado no lugar da utilização de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC).

As operações de empréstimo consignado e de cartão de crédito com reserva de margem consignável encontram-se previstas na Lei n. 10.820/03, que assim disciplina (redação vigente ao tempo da contratação):

Art. 1º. Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos. (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

§ 1º. O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento), sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou (Incluído pela pela Lei nº 13.172, de 2015)

II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (Incluído pela Lei nº 13.172, de 2015)

§ 2º. O regulamento disporá sobre os limites de valor do empréstimo, da prestação consignável para os fins do caput e do comprometimento das verbas rescisórias para os fins do § 1º deste artigo.

[...]

Art. 6o Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em...

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