Acórdão Nº 5007765-61.2021.8.24.0064 do Segunda Câmara Criminal, 19-07-2022

Número do processo5007765-61.2021.8.24.0064
Data19 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5007765-61.2021.8.24.0064/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO

APELANTE: DOUGLAS ROBERTO FLORENCIO (RÉU) ADVOGADO: OSVALDO JOSE DUNCKE (OAB SC034143) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de São José, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Douglas Roberto Florêncio, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/06, nos seguintes termos:

No dia 30 de abril de 2021, por volta das 21h10min., na sua residência, situada na Servidão Osni Valter José Pereira, s/n., bairro Forquilhinha, São José/SC, o denunciado Douglas Roberto Florêncio mantinha em depósito/guardava 90 (noventa) quilos de Cannabis sativa, erva popularmente conhecida como maconha, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Consta do caderno indiciário que uma guarnição da Polícia Militar (GU 3356) deslocou-se até a servidão Osni Valter Pereira, n. 39, Bairro Forquilhinha, nesta cidade, para averiguação da suposta realização do comércio ilegal de drogas e, ao chegar no local, os agentes públicos avistaram o veículo I/Chevrolet Agile LTZ, placas MKX0161, que também era alvo de denúncia.

Chegando na residência do denunciado, os policiais verificaram que a porta estava entreaberta, ocasião em que foi possível avistar certa quantidade de maconha. Dando continuidade às buscas pelo imóvel, foi encontrada uma quantidade da droga dentro de sacos de lixo e tonel, bem como o montante de R$ 950,00 (novecentos e cinquenta reais). Além disso, o denunciado mantinha em sua residência 2 (duas) balanças que eram utilizadas para a pesagem da droga.

Realizada busca no interior do veículo Agile LTZ, placas MKX0161, a guarnição da Polícia Militar ainda encontrou outra porção de maconha, que estava armazenada no porta-malas do carro.

Na sequência, os agentes dirigiram-se até a residência da genitora do denunciado, que fica situada no mesmo terreno e lá foram recebidos pelos moradores que ''franquearam a entrada'', de modo que, em buscas pelo local, lograram êxito em encontrar Douglas Roberto Florêncio que estava escondido atrás da porta de um dos quartos.

A substância encontrada - maconha - está incluída na lista daquelas capazes de determinar dependência física e psíquica, de produção, distribuição, comercialização e uso inteiramente proibidos, veiculada pela Portaria n. 344, de 12 de maio de 1998, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa.

Com esse proceder, o denunciado exercia a traficância, pois tinha em depósito 90 quilos de drogas sem autorização legal (art. 2º da Lei n. 11.343/2006), fracionadas em 92 unidades envelopadas, circunstâncias que demonstram que a situação era de tráfico (Evento 1).

Concluída a instrução, o Doutor Juiz de Direito julgou procedente a exordial acusatória e condenou Douglas Roberto Florêncio à pena de 7 anos, 9 meses e 10 dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente fechado, e 666 dias-multa, pelo cometimento do delito previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/06 (Evento 131).

Insatisfeito, Douglas Roberto Florêncio deflagrou recurso de apelação.

Argui o reconhecimento da ilicitude da prova obtida mediante violação à garantia constitucional insculpida no art. 5º, XI, da Carta Magna, e do direito ao silêncio.

No mérito, postula a readequação da pena-base, o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea e a compensação integral desta com a agravante da reincidência.

Por fim, pugna pelo direito de recorrer em liberdade (eproc2G, Evento 6).

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu contrarrazões recursais pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (eproc2G, Evento 10).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Henrique Limongi, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo (eproc2G, Evento 28).

VOTO

O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

1. A pretensão do Apelante Douglas Roberto Florêncio, de reconhecimento da ilicitude da prova obtida mediante violação à garantia constitucional insculpida no art. 5º, XI, da Carta Magna, não convence.

O Tribunal Pleno da Corte Constitucional, no julgamento do Recurso Extraordinário 603.616, decidiu que "a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados" (Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 5.11.15).

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão paradigmática acerca do tema:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INGRESSO NO DOMICÍLIO. EXIGÊNCIA DE JUSTA CAUSA (FUNDADA SUSPEITA). CONSENTIMENTO DO MORADOR. REQUISITOS DE VALIDADE. ÔNUS ESTATAL DE COMPROVAR A VOLUNTARIEDADE DO CONSENTIMENTO. NECESSIDADE DE DOCUMENTAÇÃO E REGISTRO AUDIOVISUAL DA DILIGÊNCIA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. PROVA NULA. ABSOLVIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. 1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial". 1.1. A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito à intimidade do indivíduo, o qual, sozinho ou na companhia de seu grupo familiar, espera ter o seu espaço íntimo preservado contra devassas indiscriminadas e arbitrárias, perpetradas sem os cuidados e os limites que a excepcionalidade da ressalva a tal franquia constitucional exige. 1.2. O direito à inviolabilidade de domicílio, dada a sua magnitude e seu relevo, é salvaguardado em diversos catálogos constitucionais de direitos e garantias fundamentais. Célebre, a propósito, a exortação de Conde Chatham, ao dizer que: "O homem mais pobre pode em sua cabana desafiar todas as forças da Coroa. Pode ser frágil, seu telhado pode tremer, o vento pode soprar por ele, a tempestade pode entrar, a chuva pode entrar, mas o Rei da Inglaterra não pode entrar!" ("The poorest man may in his cottage bid defiance to all the forces of the Crown. It may be frail, its roof may shake, the wind may blow through it, the storm may enter, the rain may enter, but the King of England cannot enter!" William Pitt, Earl of Chatham. Speech, March 1763, in Lord Brougham Historical Sketches of Statesmen in the Time of George III First Series (1845) v. 1). 2. O ingresso regular em domicílio alheio, na linha de inúmeros precedentes dos Tribunais Superiores, depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, apenas quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência - cuja urgência em sua cessação demande ação imediata - é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio. 2.1. Somente o flagrante delito que traduza verdadeira urgência legitima o ingresso em domicílio alheio, como se infere da própria Lei de Drogas (L. 11.343/2006, art. 53, II) e da Lei 12.850/2013 (art. 8º), que autorizam o retardamento da atuação policial na investigação dos crimes de tráfico de entorpecentes, a denotar que nem sempre o caráter permanente do crime impõe sua interrupção imediata a fim de proteger bem jurídico e evitar danos; é dizer, mesmo diante de situação de flagrância delitiva, a maior segurança e a melhor instrumentalização da investigação - e, no que interessa a este caso, a proteção do direito à inviolabilidade do domicílio - justificam o retardo da cessação da prática delitiva. 2.2. A autorização judicial para a busca domiciliar, mediante mandado, é o caminho mais acertado a tomar, de sorte a se evitarem situações que possam, a depender das circunstâncias, comprometer a licitude da prova e, por sua vez, ensejar possível responsabilização administrativa, civil e penal do agente da segurança pública autor da ilegalidade, além, é claro, da anulação - amiúde irreversível - de todo o processo, em prejuízo da sociedade. 3. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), a tese de que: "A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori" (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). Em conclusão a seu voto, o relator salientou que a interpretação jurisprudencial sobre o tema precisa evoluir, de sorte a trazer mais segurança tanto para os indivíduos sujeitos a tal medida invasiva quanto para os policiais, que deixariam de assumir o risco de cometer crime de invasão de domicílio ou de abuso de autoridade, principalmente quando a diligência não tiver alcançado o resultado esperado. 4. As circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito, as quais, portanto, não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera atitude "suspeita", ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser atribuído a vários motivos, não, necessariamente, o de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente. 5. Se, por um lado, práticas ilícitas graves autorizam eventualmente o sacrifício de direitos fundamentais, por outro, a...

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