Acórdão Nº 5007773-51.2021.8.24.0092 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 10-03-2022

Número do processo5007773-51.2021.8.24.0092
Data10 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5007773-51.2021.8.24.0092/SC

RELATOR: Desembargador GUILHERME NUNES BORN

APELANTE: ROGERIO MARTINS MIGUEL (AUTOR) APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

1.1) Da inicial

ROGERIO MARTINS MIGUEL ajuizou ação declaratória nulidade de contrato bancário c/c conversão para mútuo consignado, repetição e danos morais em face do BANCO BMG S.A..

Relatou que pretendeu realizar empréstimo consignado, mas que nunca solicitou ou autorizou a emissão de cartão de crédito com reserva de margem de crédito.

Postulou liminar para que o banco requerido suspenda os descontos.

Ao final: I) a declaração de nulidade do cotnrato de cartão consignado, convertendo-o para empréstimo consignado; II) a limitação dos juros à taxa praticada pelo mercado à época da contratação; III) eventual repetição dobrada; IV) indenização por danos morais (evento 1).

1.2) Da resposta

O banco requerido contestou alegando: I) inexistência de margem para contratação de empréstimo; II) inépcia da exordial; III) legalidade do pacto; IV) ciência da parte autora quanto aos termos pactuados; V) realização dos saques; VI) impossibilidade de conversão; VII) impossibilidade de conversão do contrato; VIII) inexistência de danos materiais, não sendo viável a repetição dobrada; IX) inocorrência de danos morais (evento 13).

1.3) Do encadernamento processual

Justiça gratuita deferida e liminar indeferida (evento 4).

Réplica (evento 17).

1.4) Da sentença

Prestando tutela jurisdicional (evento 20), a Juíza Substituta Monica Bonelli Paulo Prazeres prolatou sentença resolutiva nos seguintes termos:

Ante o exposto, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES os pedidos deduzidos na inicial desta "ação declaratória nulidade de contrato bancário c/c conversão em avença de mútuo consignado, repetição de indébito e indenização por danos morais com pedido de tutela provisória de urgência" movida por ROGERIO MARTINS MIGUEL em face de BANCO BMG S.A para:

a) declarar a nulidade do contrato objeto da presente ação, retornando as partes ao status quo ante;

b) determinar à parte autora que proceda a devolução ao Banco réu do valor tomado emprestado, com correção monetária pelo INPC, a partir da data do crédito;

c) determinar à Instituição Financeira que proceda a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente do benefício da parte demandante, assim como outros pagamentos eventualmente realizados, os quais devem ser corrigidos monetariamente pelo INPC a partir da data do efetivo desembolso e acrescidos de juros de mora de 1% a.m. (um por cento ao mês), nos termos do art. 406 do Código Civil c/c 161, § 1º, do CTN desde a citação, em consonância com o disposto no art. 405 do CC c/c art. 240 do CPC, oportunizada a compensação dos créditos e débitos (368 do Código Civil);

d) condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais à parte autora, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), que deverá ser corrigido pelo INPC, desde a presente data (Súmula 362 do STJ) e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, a contar da data da inclusão dos descontos no benefício previdenciário da parte autora.

Em razão da procedência dos pedidos, e presentes os requisitos do art. 300 do Código de Processo Civil, conceder a tutela de urgência para determinar: (i) a suspensão dos descontos a título de RMC, relativos ao contrato objeto da lide; (ii) a proibição da parte ré de realizar qualquer tipo de depósito ou transferência em favor da parte autora no decorrer do processo.

Arbitro, em caso de descumprimento, multa mensal no valor de R$ 2.000,00, limitada no patamar máximo de R$ 100.000,00.

Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

1.5) Dos recursos

Inconformado, o banco requerido apelou argumentando que: I) observou os preceitos da IN n. 28/2008 do INSS, além dos termos da Lei n. 10.820/03; II) inexistência de margem consignatória; III) contrato foi regularmente e voluntariamente celebrado; IV) ausente violação do dever de informação; V) inexistência de danos morais ou a redução do valor condenatório; VI) inviabilidade de restituição dobrada (evento 26).

Igualmente insatisfeita, a parte autora recorreu adesivamente almejando a majoração da indenização (evento 37).

1.6) Das contrarrazões

Acostadas (eventos 39 e 43).

Este é o relatório.

VOTO

2.1) Do juízo de admissibilidade

Conhece-se do recurso do banco requerido e conhece-se do recurso da parte autora porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, pois ofertados a tempo, modo, recolhido o preparo pelo banco requerido e evidenciado os objetos e as legitimações. A parte autora é beneficiária da justiça gratuita.

No que tange à arguição da parte autora em suas contrarrazões de ofensa ao princípio da dialeticidade pelo banco requerido em sua apelação cível, sem razão, porquanto apesar de repetir, basicamente, a mesma fundamentação lançada em outra manifestação, isso, por si só, não implica em violação ao mencionado princípio, quando possível extrair a motivação que combate a decisão recorrida.

Do STJ:

2. É entendimento pacificado neste Superior Tribunal de Justiça que a repetição pelo recorrente, nas razões da apelação, do teor da petição inicial, ou no caso das razões finais, não ofende o princípio da dialeticidade, quando puderem ser extraídos do recurso fundamentos suficientes, notória intenção de reforma da sentença e os demais requisitos previstos no artigo 514, do CPC/73. (AgInt no REsp n. 1.587.645/MG, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 21-3-2017)

Assim, não se acolhe a arguição.

2.2) Do mérito

2.2.1) Do cartão de crédito

Examinando os contornos do quadro litigioso, é possível afirmar, porque representado pelo instrumento contratual, que as partes firmaram o "Ficha Cadastral - Pessoa Natural - Adesão ao Cartão de Crédito e ADF" (evento 13 - contrato 10), devidamente assinado pela parte autora.

A parte autora é servidora pública estadual ativa ("evento 1 - contracheque 5").

Sem maiores delongas, têm-se que a relação negocial que motivou a contenda judicial deve ser dirimida pelos ditames esculpidos no Código de Defesa do Consumidor, mormente que a parte apelante se amolda perfeitamente ao conceito jurídico de consumidora final - art. 2º, CDC, e o banco réu no de fornecedor de produtos e serviços - art. 3º, § 2º, CDC.

Inclusive, ante exaustivos debates jurídicos outrora travados, o e. STJ, visando pacificar a incidência das normas consumeristas nas relações negociais estabelecidas com instituições financeiras, lançou mão do verbete sumular n. 297: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.".

A demanda que ensejou a propositura da ação repousa no vício de consentimento reduzido à termo, mormente que a parte autora afirma que se socorreu do banco réu visando a obtenção de empréstimo consignado, conquanto acabou sendo instrumentalizado contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável.

Para avançarmos na análise do suposto vício de consentimento, faz-se imprescindível debruçarmo-nos sobre as características que permeiam as duas modalidades de contrato - empréstimo consignado e cartão de crédito com reserva de margem consignável.

O "empréstimo consignado" é um contrato de mútuo feneratício em que a instituição financeira contratada disponibiliza um bem fungível (dinheiro) ao consumidor que opta em proceder o pagamento do débito mediante consignação mensal em sua folha salarial/benefício previdenciário.

Definição retratada pelo Banco Central do Brasil:O que é empréstimo consignado?É uma modalidade de empréstimo em que o desconto da prestação é feito diretamente na folha de pagamento ou de benefício previdenciário do contratante. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente do empréstimo e da existência de convênio entre a fonte pagadora e a instituição financeira que oferece a operação. (https://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.Asp)

A modalidade de pagamento indireto em contratos desse jaez enseja uma garantia absolutamente maior de recebimento pela instituição financeira credora dos valores devidos, mormente que a cobrança/repasse dos valores não depende mais da anuência do devedor, incumbindo ao empregador/entidade de previdência o repasse do valor ajustado.

A diminuição drástica dos riscos a serem experimentados pela instituição financeira credora permite a oferta de condições mais atraentes que a grande maioria dos contratos, inclusive aqueles com alienação fiduciária. A taxa de juros remuneratórios, pelo baixo índice de inadimplemento dessa...

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