Acórdão Nº 5007782-09.2022.8.24.0082 do Primeira Turma Recursal, 05-10-2023

Número do processo5007782-09.2022.8.24.0082
Data05 Outubro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Turma Recursal
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
Tipo de documentoAcórdão











APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5007782-09.2022.8.24.0082/SC



RELATOR: Juiz de Direito MARCELO PONS MEIRELLES


APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP) APELADO: GREGORI VINÍCIUS DA SILVA DOS SANTOS (AUTOR FATO)


RELATÓRIO


Dispensado o relatório conforme o disposto no art. 46 da Lei n. 9.099/95 e Enunciado 92 do FONAJE

VOTO


Trata-se de Recurso de Apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA contra decisão judicial de mérito que determinou, de ofício, o arquivamento do Termo Circunstanciado lavrado em desfavor do investigado GREGORI VINÍCIUS DA SILVA DOS SANTOS pela prática, em tese, da infração de posse de drogas para consumo próprio, descrita no art. 28 da Lei n. 11.343/2006.
Postula o Ministério Público, em suma, a cassação da decisão atacada para que seja dado prosseguimento ao feito, uma vez que não há inconstitucionalidade na criminalização do consumo de drogas, cuja prática viola a saúde pública, razão pela qual materialmente típica.
De início, cumpre asseverar que no julgamento da ADI n. 4.693 o Pleno do Supremo Tribunal Federal decidiu pela impossibilidade de arquivamento do procedimento administrativo policial pelo magistrado sem requerimento do representante do Ministério Público, dado que compete ao titular da ação penal decidir pelo cabimento ou não do oferecimento de denúncia:
CONSTITUCIONAL. SISTEMA CONSTITUCIONAL ACUSATÓRIO. MINISTÉRIO PÚBLICO E PRIVATIVIDADE DA PROMOÇÃO DA AÇÃO PENAL PÚBLICA (CF, ART. 129, I). INCONSTITUCIONALIDADE DE PREVISÃO REGIMENTAL QUE POSSIBILITA ARQUIVAMENTO DE INVESTIGAÇÃO DE MAGISTRADO SEM VISTA DOS AUTOS AO PARQUET. MEDIDA CAUTELAR CONFIRMADA. PROCEDÊNCIA. 1. O sistema acusatório consagra constitucionalmente a titularidade privativa da ação penal ao Ministério Público (CF, art. 129, I), a quem compete decidir pelo oferecimento de denúncia ou solicitação de arquivamento do inquérito ou peças de informação, sendo dever do Poder Judiciário exercer a "atividade de supervisão judicial" (STF, Pet. 3.825/MT, Rel. Min. GILMAR MENDES), fazendo cessar toda e qualquer ilegal coação por parte do Estado-acusador (HC 106.124, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 22/11/2011, DJe de 10/9/2013). 2. Flagrante inconstitucionalidade do artigo 379, parágrafo único do Regimento Interno do Tribunal de Justiça da Bahia, que exclui a participação do Ministério Público na investigação e decisão sobre o arquivamento de investigação contra magistrados, dando ciência posterior da decisão. 3. Medida Cautelar confirmada. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida e julgada procedente. (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4693. Relator: Min. Alexandre de Moraes. Tribunal Pleno. Julgada em 11.10.2018).
No caso dos autos, tem-se que o órgão acusador não só deixou de requerer o arquivamento nos termos do art. 28 do Código de Processo Penal como expressamente ofereceu proposta de transação penal, o que pressupõe o exercício da análise (e a conclusão pela tipicidade) da conduta do investigado, de modo que deve ser dado provimento ao recurso para cassar a decisão de arquivamento.
Outrossim, a impossibilidade de arquivamento de ofício pelo magistrado não afasta, contudo, o exercício do controle jurisdicional na fase pré-processual, o qual pode (e deve) ser realizado e, uma vez verificada a submissão do investigado a coação ilegal, impõe-se a concessão de Habeas Corpus de ofício, consoante disposto no § 2º do art. 654 do Código de Processo Penal. E é justamente o caso dos autos, porquanto esta Turma Recursal vem decidindo que a posse de droga para consumo próprio não configura conduta típica.
O discurso matreiro da guerra "contra às drogas" movimenta o que há de mais básico no ser humano: seu desalento constitutivo em busca de segurança. Esse discurso, fomentado ideologicamente, impede o enfrentamento da questão de maneira democrática e não na eterna luta ilusória entre o bem e o mal. Há farta bibliografia devidamente exorcizada2, em especial Carvalho3, Batista (Vera e Nilo), Orlando Zaccone4, Luís Carlos Valois5, Rosilvado Toscano dos Santos Júnior6 e Rosa Del Olmo7. De qualquer forma, no senso comum teórico (Warat) prevalecem as every day theories (Baratta).
A abordagem da questão da drogadição pressupõe que se saiba que o discurso oficial escamoteia o interesse no fomento da droga. Girando o discurso, ou seja, dizendo o que se quer que se acredite, induz-se a população no discurso do "inimigo interno", do "mal", da "cultura do medo", mantidos com inconfessáveis...

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