Acórdão Nº 5007796-93.2020.8.24.0039 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 09-03-2021

Número do processo5007796-93.2020.8.24.0039
Data09 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5007796-93.2020.8.24.0039/SC



RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA


APELANTE: MARIA DA GRAÇA ANTUNES DOS SANTOS (AUTOR) E OUTRO ADVOGADO: CLOVIS LEONARDO SCHLICHTING SILVA (OAB SC056600) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Trata-se de recurso de apelação cível interposto por Maria da Graça Antunes dos Santos e Banco Pan S.A. contra sentença de parcial procedência (evento 15) da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, a qual foi prolatada nos seguintes termos:
Diante do exposto, nos termos da fundamentação, em consideração aos documentos carreados ao feito e aos limites da lide, tenho por bem julgar parcialmente procedentes os pedidos formulados por intermédio da presente ação para declarar a inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável, bem como condenar o réu em restituir à autora, de forma simples, os valores que foram descontados do seu benefício previdenciário em decorrência do contrato ora declarado inexistente, atualizado monetariamente pelo INPC a partir de cada desconto e com juros de mora a contar da citação, bem como ao pagamento, a título de indenização por danos morais, do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), atualizado monetariamente desta decisão e com juros de mora de 1% ao mês a contar da citação.
De outro lado, diante do retorno das partes ao statu quo ante, a fim de evitar o seu enriquecimento indevido, deverá a autora proceder à devolução, ao requerido, do montante recebido da instituição financeira no período da contratualidade, com correção monetária pelo INPC desde a data do depósito ou disponibilização do valor.
E para fins de operacionalização da devolução, a quantia a ser devolvida deverá ser descontada ou compensada do da indenização por danos morais fixada nesta decisão.
Considerando que a autora decaiu de parte mínima do pedido, arcará o réu com a totalidade das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 15% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º do Código de Processo Civil.
Oficie-se, de imediato, ao INSS para que proceda o cancelamento dos descontos realizados pelo réu.
P.R.I.
Em suas razões recursais (evento 23), a casa bancária sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, a recorrida já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Aduz a inexistência de termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, na data do vencimento da fatura, constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores, razão pela qual não há falar em nulidade. Também, afirma inexistir danos indenizáveis, requerendo, subsidiariamente, a minoração do "quantum". Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.
Foram apresentadas contrarrazões (evento 31).
Este é o relatório

VOTO


Insurge-se a instituição financeira contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais.
Os pontos atacados no apelo serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.
Contratação via cartão de crédito consignado
Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.
Consta do petitório inicial o relato a seguir reproduzido:
[...] Além deste grave motivo, há a evidente má-fé do requerido ao realizar tal desconto sem antes consultar a autora. Cabe ressaltar que a requerente nunca recebeu tal cartão de crédito, tão pouco utilizou-se dele para algo, e ainda assim, mediante tal contrato, ocorrem mensalmente descontos em seu benefício, com data de inclusão em 08/2016, com valor de desconto R$ 91,56 (noventa e um reais e cinqüentae seis centavos), conforme consta no documento anexo, referente ao RMC. Essa modalidade de empréstimo jamais fora explicada para a requerente, que é pessoa leiga, em situação de vulnerabilidade como consumidor esem o conhecimento técnico para analisar tal desconto. A autora acreditava que se tratava de empréstimo bancário simples e queo desconto das parcelas no valor integral diretamente no seu benefício era referente a isto, com data estipulada para início e fim dos descontos, o que não é o caso do "empréstimo consignado pela modalidade cartão de crédito" que se estende por tempo indefinido.
No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que os valores depositados na conta bancária da autora, atualizados monetariamente pelo INPC, sejam compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pelo banco a título de RMC, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso.
Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência da demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.
Pois bem.
Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).
Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).
Nessa perspectiva, a concessão de crédito através dessas duas modalidades (empréstimo e cartão de crédito), mesmo na consignação, possui considerável distinção, especialmente em relação às taxas de juros e demais encargos, avistando-se maior onerosidade ao consumidor quando se vale do cartão de crédito em detrimento do empréstimo.
Isso se deve, por vezes, em razão de que "o consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, efetuou a contratação de um cartão de crédito, de onde foi realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).
Inclusive, é sabido que tal prática abusiva e ilegal difundiu-se, atingindo parcela significativa de aposentados e pensionistas, tendo como consequência o ajuizamento de diversas ações visando tutelar o direito dos consumidores coletivamente considerados a fim de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto realizado a título de Reserva de Margem Consignável (RMC).
Acerca do "modus operandi" utilizado pelas casas bancárias, o Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), da Defensoria Pública do Estado do Maranhão, para fins de ajuizamento de ação civil pública, bem descreveu como funciona a...

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