Acórdão Nº 5007848-78.2020.8.24.0075 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 09-06-2022

Número do processo5007848-78.2020.8.24.0075
Data09 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5007848-78.2020.8.24.0075/SC

RELATOR: Desembargador RODOLFO TRIDAPALLI

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: ANDRÉ LUIS SONNTAG (OAB SC017910) APELADO: VIVIANE MACHADO CLAUDINO (AUTOR) ADVOGADO: DIEGO FELLIPE DE MEDEIROS (OAB SC025902) ADVOGADO: JOAO MAURICIO DE SOUZA NETTO (OAB SC052013)

RELATÓRIO

Da ação

Adoto o relatório da sentença recorrida (Evento 14), em atenção aos princípios da celeridade e economia processual, por retratar com fidedignidade o trâmite processual no primeiro grau, in verbis:

VIVIANE MACHADO CLAUDINO, qualificada nos autos epigrafados, ajuizou ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral em face do BANCO BMG S/A, pessoa jurídica de direito privado, igualmente qualificada.

Aduziu, em síntese, que recebe benefício previdenciário e que celebrou com o banco réu contrato empréstimo (mútuo) consignável, mas que, com o passar do tempo, descobriu descontos em sua pensão referente à reserva de margem de cartão de crédito (RMC); que em nenhum momento contratou ou efetuou proposta com o banco réu para este serviço; que nunca recebeu ou desbloqueou cartão de crédito algum; que no caso como contratado, ao realizar a reserva da margem de 5% (cinco por cento) e efetuar os descontos, apenas solvem-se os juros e encargos, tornando a dívida impagável; que mesmo após tentativa amigável de resolução do conflito, não obteve sucesso, o que o ensejou a acionar a máquina judiciária para ver garantidos os seus direitos.

Requereu o beneplácito da gratuidade judiciária, a dispensa de audiência conciliatória, a citação do requerido por meio postal, a procedência do feito para que fosse declarada inexistente a contratação de empréstimo via cartão de crédito com RMC, restituindo, na forma simples ou em dobro, os descontos realizados mensalmente a título de empréstimo sobre a RMC, indenização por danos morais, formulou os demais requerimentos de estilo, valorou a causa - R$ 13.205,22,00 - e juntou documentos.

Determinada a emenda da petição inicial para anexar aos autos comprovantes da hipossuficiência da parte autora e a negativa do banco em fornecer o contrato celebrado (ev. 3).

De forma espontânea, a instituição financeira ré apresentou resposta, na forma de contestação, momento em que afirmou a legalidade do empréstimo na modalidade de cartão de crédito com reserva de margem consignável; aduziu ser incabível a inversão do ônus da prova; que a contratação é devidamente regular; que houve, por sua parte, o cumprimento do dever de informação; a inaplicabilidade do código de defesa do consumidor; que é impossível a restituição em dobro dos valores ante o fato da contratação do serviço por parte da autora; ausência dos requisitos da responsabilidade civil, no que tange a inexistência de dano moral.

Requereu a improcedência dos pedidos. Formulou os demais requerimentos de estilo e juntou documentos (ev. 7).

Nos eventos 8 e 10 a parte autora anexou os comprovantes de hipossuficiência econômica e o pedido administrativo de envio do contrato.

Houve réplica, oportunidade em que a parte reiterou os pedidos iniciais e também reafirmou que nunca utilizou-se de qualquer cartão (ev. 11).

Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório, na forma da lei.

Da sentença

A Juíza de Direito, Dra. ELAINE VELOSO MARRASCHI, da 2ª Vara Cível da Comarca de Tubarão, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos (Evento 18):

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, na forma do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para ANULAR o contrato celebrado entre as partes, vez que fora a consumidora induzida em erro, conforme exposto alhures, e restituir à parte autora os descontos a título de RMC relativos as quantias descontadas a maior do que 72 parcelas de R$ 63,42 (sessenta e três reais e quarenta e dois centavos), em dobro, com juros de mora a contar da citação e correção monetária a contar do desembolso, bem como a reparação a título de danos morais no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), com juros de mora a contar da citação e correção monetária a contar da sentença.

Por último, deve a ré se abster de descontar qualquer valor a título de cartão de crédito no contracheque da parte autora, sob pena de multa referente ao dobro do valor indevidamente descontado, vez que dá-se por rescindido o negócio jurídico convolado inter partes.

Face à sucumbência, CONDENO, com base no art. 85 do Código de Processo Civil, a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da causa devidamente corrigido monetariamente, consoante prevê o art. 85, §§ 2º e 4º, do CPC, considerando a natureza e importância da matéria trazida a conhecimento, o grau de zelo dos procuradores, o tempo que lhes foi exigido para o serviço e o lugar da sua prestação.

Registre-se. Publique-se. Intimem-se.

Após, escoado o prazo recursal, certifique-se o trânsito em julgado e, em não havendo pendências legais e/ou administrativas, arquivem-se com as baixas de estilo.

Da Apelação do BANCO BMG S/A

Inconformado com a prestação jurisdicional, o BANCO BMG S/A, ora Apelante, interpôs recurso de Apelação (Evento 33), alegando a prejudicial de mérito de prescrição, sob o argumento de escoamento do prazo trienal previsto no art. 206, § 3º, V, do Código Civil. Sustenta, também, a ocorrência da decadência da pretensão.

No mérito, assevera que o contrato acostado aos autos não deixa qualquer dúvida quanto a celebração na modalidade de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC). Assim, alega que a parte contratou, de fato, o cartão de crédito, bem como se beneficiou do mesmo, inexistindo qualquer irregularidade.

O Banco argumenta que não praticou ato ilícito, ao passo que agiu com absoluto respeito à norma contratual e em conformidade com todas as exigências legais pertinentes. Ademais, suscita que o Autor não possuía margem consignável para contratar a modalidade de empréstimo consignado, de modo que a Instituição Financeira ofereceu o contrato objeto da demanda. Desta feita, alega que o Autor estava plenamente ciente do teor da contratação do cartão de crédito.

Em relação aos danos morais, sustenta a não comprovação de qualquer dano como consequência imediata e direta dos atos praticados pelo Banco. Ressalta que não estão demonstrados os requisitos para caracterizar o abalo moral indenizável.

Defende que inviável a condenação a restituição em dobro, pois não foi demonstrada a má-fé da Instituição Financeira.

Argumenta, ainda, a impossibilidade de conversão do contato e a necessidade da manutenção do canal de desconto.

Das contrarrazões

A Autor VIVIANE MACHADO CLAUDINO apresentou contrarrazões, requerendo a manutenção da sentença (Evento 37).

Após, vieram os autos conclusos.

Este é o relatório.

VOTO

I - Da admissibilidade

Os recursos preenchem os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, razão pela qual merecem ser conhecidos.

II - Do julgamento conjunto dos recursos

a) Da prejudicial de mérito - prescrição

O Banco aventa a ocorrência de prescrição, diante do transcurso do prazo estabelecido no art. 206, § 3º, V, do CC, considerando o decurso de 3 (três) anos contados da assinatura do contrato até o ingresso da ação.

No entanto, não incide na hipótese o prazo prescricional trienal, uma vez que a presente demanda visa à reparação dos danos decorrentes de descontos supostamente indevidos lançados em benefício previdenciário, bem como caracteriza relação de consumo, o que sujeita a aplicação ao caso do art. 27 do CDC.

Ademais, o termo inicial para contagem da prescrição quinquenal é a data do último desconto.

Nesse norte, é a orientação do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC.2. O termo inicial do prazo prescricional da pretensão de repetição do indébito relativo a desconto de benefício previdenciário é a data do último desconto indevido. Precedentes (AgInt no AREsp n. 1.412.088/MS, rel. Min. RAUL ARAÚJO, Quarta Turma, j. 27/08/2019 - Grifei).

Assim, considerando que entre a data do ajuizamento da ação (04/08/2020) e a data do último desconto mencionado nos autos (08/2020, conforme fatura do cartão de crédito juntada ao Evento 7 - FATURA13), não transcorreu prazo superior há 5 (cinco) anos, não há se falar em prescrição.

Sobre o tema, já decidiu este Órgão Julgador:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER, RESTITUIÇÃO DE VALORES E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PRELIMINAR EM CONTRARRAZÕES. ALEGADA PRESCRIÇÃO TRIENAL. REJEIÇÃO. CONTRATO COM PRESTAÇÕES MENSAIS, CONTÍNUAS E SUCESSIVAS. TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL QUE FLUI A PARTIR DO ÚLTIMO DESCONTO EFETUADO. INCIDÊNCIA, ADEMAIS, DO ART. 27 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA CORTE.INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO E TERMO DE ADESÃO A CARTÃO DE CRÉDITO COM ABATIMENTO DE "RESERVA DE MARGEM" (RMC) DIRETAMENTE NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO RECEBIDO PELA DEMANDANTE. DEFENDIDA A ILEGALIDADE DO CONTRATO. TESE ACOLHIDA. PRÁTICA ABUSIVA EVIDENCIADA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO QUE MERECE REPRIMENDA JUDICIAL AMPARADA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONTRATO ANULADO. RETORNO DAS PARTES AO STATUS QUO ANTE. DANOS MORAIS. ATO ILÍCITO CONFIGURADO. COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA DEVIDA...

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